Finanças
IPO da Shein em Londres revive ‘guerra fria’ entre EUA e China
Empresa de fast fashion desiste de listar ações em NY devido a exigências regulatórias da SEC
A notícia de que a Shein está considerando a possibilidade de lançar sua oferta inicial de ações (IPO) em Londres não apenas frustra as expectativas de quem esperava a listagem da empresa de ultra fast fashion em Nova York como também resgata um episódio recente da disputa entre Estados Unidos e China. Até pouco tempo atrás, muitas empresas chinesas estavam sendo ameaçadas de deslistagem das bolsas de valores americanas.
Na ocasião, o alvo do órgão regulador de valores mobiliários dos EUA, a SEC, eram empresas chinesas do setor de tecnologia, como as gigantes Alibaba e Tencent. O impasse girava em torno de regras de auditoria, com a SEC exigindo a divulgação sobre a estrutura de propriedade das companhias e o acesso aos livros de registros.
De acordo com a Lei de Responsabilidade de Empresas Estrangeiras, aprovada pelo Congresso dos EUA no fim de 2020, se o Conselho de Supervisão de Contabilidade de Empresas Públicas do país certificar que não foi capaz de revisar as auditorias de empresas estrangeiras por três anos seguidos, a SEC deveria removê-la do mercado financeiro.
Com isso, a primeira exclusão poderia ocorrer neste ano. A nova lei levou a SEC a emitir regulamentos de listagem de empresas não nacionais no mercado acionário americano em março de 2021, com enquadramento até maio daquele ano. Antes, o órgão regulador do mercado financeiro americano podia exercer o livre arbítrio.
Duplo impacto
A mudança acionou o sinal de alerta em mais de uma dúzia de empresas chinesas, que se viram obrigadas a sair de Wall Street, caso não fornecessem a documentação necessária e provassem que atendiam às exigências regulatórias. Em Hong Kong, empresas com dupla listagem, como Baidu e Weibo, ficaram em evidência, além das big techs chinesas.
Mas a lista de ações de empresas chinesas que podiam ser retiradas dos mercados acionários americanos era muito maior. Segundo o Asia Financial, cerca de 250 empresas chinesas listadas nas bolsas dos EUA foram forçadas a cumprir as normas de auditoria. O descumprimento colocava em risco US$ 1,1 trilhão aplicado por investidores.
Combinadas, essas empresas possuíam uma capitalização de mercado de US$ 2,1 trilhões ao final de 2020, quando a lei foi aprovada, o equivalente a quase 5% da capitalização em Nova York à época. Desse total, os investidores americanos possuíam US$ 1,1 trilhão em ações chinesas e mais US$ 100 bilhões em ativos de dívida.
Novo capítulo
Qualquer semelhança com o que acontece com a Shein não é mera coincidência. Conforme fontes disseram à Bloomberg, a rede de varejo online ainda está nos estágios iniciais para abrir capital, mas avalia ser improvável que a SEC aprove seu IPO. Trata-se, portanto, de mais um capítulo da “Guerra Fria 2.0” entre as duas maiores potências econômicas globais.
Para o economista sênior da Natixis, Gary Ng, citado pela Bloomberg, as empresas estreitamente ligadas à China terão mais dificuldade em cumprir os requisitos dos EUA em matéria de transparência e, ao mesmo tempo, satisfazer os reguladores chineses, em meio às regras de confidencialidade impostas por Pequim para empresas no exterior.
Por mais que a Shein, fundada na cidade de Nanquim (China), tenha mudado a matriz para Singapura, não se trata de uma empresa com origem no sudeste asiático. Ao contrário, todos os fundadores, a maioria da equipe e o capital são chineses. Além disso, a pronúncia correta é “She-in”, do inglês “Ela está na moda”, na tradução livre.
Segundo Yan Di, fundador e CEO da Ablelive, a Shein é uma plataforma pioneira em muitos aspectos. Em postagem feita no LinkedIn em 2023, o ex-country manager da Aliexpress, que mora há cerca de 20 anos no Brasil e tem passagens também pela Huawei e Baidu, afirma que nunca tinha visto uma plataforma como a Shein antes.
Para ele, além de possuir um valor de mercado superior a US$ 60 bilhões e lançar, em média, cerca de 10 mil novos modelos por mês, a cadeia de fornecedores e o esquema de marketplace da Shein também chamam a atenção. Na terceira parte da postagem, Di já previa que a Shein iria fazer um IPO, mas não imaginava as barreiras de entrada nos EUA.
Ainda assim, o especialista previa uma expansão da rede para outros setores, através do uso do Big Data e de uma cadeia de fornecedores flexível, o que inclui produção local.
“Você acha que a Shein é um e-commerce de moda? Mas na verdade sua metodologia e modelo de negócios podem ser aplicados em vários setores do varejo online: moda, beleza, casa, animais de estimação, etc. E isso está acontecendo”, comentou o CEO da Ablelive.
Veja também
- 200 x 0: seca de IPOs no Brasil leva empresas brasileiras a olhar bolsas americanas
- Em trimestre ‘bilionário’, Votorantim Cimentos acelera investimentos e rechaça IPO em NY
- Votorantim avalia IPO de unidade na América do Norte, dizem fontes
- Retomada de IPOs brasileiros vai começar pelos Estados Unidos, diz Morgan Stanley
- Moove busca captar até US$ 437 milhões em IPO nos Estados Unidos