Finanças
Juros em alta, inflação em baixa: a melhor hora para guardar dinheiro
Uma reserva de emergência de R$ 200 mil pode garantir praticamente um 14º salário por ano – acima da inflação. O problema: esse ambiente é insustentável para o mundo macro da economia.
Lembra aquela Selic de 14,25%, que rolou entre 2015 e 2016? Então. Quando os juros foram caindo nos anos seguintes, bateu uma nostalgia coletiva, na linha: “naquele tempo era fácil ganhar dinheiro na renda fixa”.
O tempo passou. Tudo mudou. E voltamos ao mesmo lugar. Com uma ironia: hoje está ainda mais fácil fazer dinheiro virar mais dinheiro sem correr grandes riscos.
Em agosto de 2016, para dar uma ideia, a inflação anual estava em 9%. Com a Selic de 14,25%, tínhamos um juro real em 5,25%. Agora, com a Selic em 10,75% e o IPCA em 4,2%, o juro acima da inflação é maior ainda: 6,5%.
Nem é o maior juro real dos últimos tempos. Em junho de 2023, com a inflação menor que a dfe hoje (3%) e a Selic no pico recente (13,75%) ele passou de 10%. Mas tem uma diferença. Lá atrás, o viés para os juros do Banco Central era de baixa – e, de fato, eles começariam a cair em agosto daquele ano.
Agora é o contrário. A Selic voltou a subir. E o BC já avisou que a tendência é seguir para o alto e avante. Mais lá embaixo, falamos das razões. Por enquanto, vale ficar na parte prática: este é um momento particularmente bom para guardar dinheiro.
Sobre guardar dinheiro: qualquer pessoa em condições de fazer uma reserva de emergência deveria fazer isso. Significa deixar o equivalente a um ano de salário (ou um pouco mais) em algum investimento seguro, ou seja, atrelado à Selic – pode ser o Tesouro Selic, o mais pacífico dos títulos públicos, pode ser um fundo DI, pode ser qualquer outra coisa fácil de sacar e que siga o CDI (a taxa irmã da Selic, que rende basicamente igual a ela).
Pois bem. Com o juro real a historicamente altos 6,5%, cada R$ 100 mil numa reserva de emergência rendem, obviamente, R$ 6,5 mil acima da inflação (fora as taxas, mas vamos ficar nos valores brutos para simplificar). O valor nominal, que vai aparecer no seu saldo, será maior: R$ 10,5 mil – só que esses R$ 4 mil a mais não são renda para valer; só servem para pagar a inflação. Nos atenhamos, então, ao rendimento real. Aos 6,5%.
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Imagine uma pessoa que ganha R$ 15 mil e tenha uma reserva de emergência saudável, equivalente a 15 salários. Ela terá R$ 235 mil guardados.
Numa realidade como a de agora, R$ 230 mil num investimento que acompanha a Selic/DI proporcionam um rendimento real de R$ 15 mil. Nossa pessoa imaginária aqui, então, garante um 14º salário na mão sem fazer força – e sob o risco mais baixo do mercado, equivalente ao da caderneta de poupança (que traria um rendimento real de menos da metade disso).
E a perspectiva é que esse cenário não vire abóbora tão cedo. A inflação tende a continuar nos arredores de 4% (acima da meta, de 3%). A Selic, como o BC cantou, tende a subir mais um pouco – justamente na luta para trazer a inflação de volta para a meta.
E o que temos é uma realidade particularmente generosa ao investimento de baixo risco.
Esse paraíso do “rentismo”, porém, acende mais do que um sinal de alerta. Mostra que, na realidade, estamos batendo, batendo nas portas do inferno.
Uma temporada no inferno
A Selic está alta além da conta porque os gastos públicos também estão. A taxa básica de juros existe para domar a inflação. Os gastos do governo agem na direção oposta: alimentam o dragão dos preços (para mais detalhes, veja aqui).
Bom, a melhor régua para saber se os gastos estão além da linha vermelha é a taxa dívida/PIB – pois o governo faz dívida para ter como gastar mais do que arrecada em impostos; e quanto maior ela for em relação ao que o país produz, mais difícil de pagar.
Nossa dívida pública fechou 2022, lá atrás, em 75,7% do PIB. Já não era ok – o ideal seria algo em torno de 60%. Só que agora ela está em 78,5%. E o FMI prevê que ela deve roçar os 90% em 2025 (toc, toc, toc).
Os gastos públicos em ritmo de alta, então, puxam a Selic para cima de novo. A Selic torna o dinheiro mais caro – você precisa pagar mais juros quando se pede emprestado. Você e o governo também. Nisso, a dívida da União vai ficando cada vez mais cara, já que o governo precisa tomar emprestado a juros mais altos para pagar os títulos públicos que vão vencendo. E o bolo da vai fermentando, com a relação dívida/PIB chegando a níveis cada vez mais periclitantes.
Por que periclitantes, afinal?
Porque qualquer dívida, seja a do seu Zé da Esquina, seja a da União, pode ficar impagável.
Seu Zé da Esquina, quando chega a esse ponto, declara falência. A União, não. O Estado, afinal, é dono das impressoras de reais. E nossa dívida pública é em real. Não que o Estado use suas impressoras para aliviar as pontas – a Lei impede.
Ainda bem. Se você, governante, faz isso, você injeta inflação nas veias da economia. A moeda vira dinheiro de Banco Imobiliário. É exatamente o que aconteceu na Argentina, na Venezuela, no Zimbábue, no Brasil do passado… Não existe hipótese de dar certo.
Mas… se em algum momento dos próximos anos (ou décadas) a dívida chegar a um ponto de não retorno, as portas para a irracionalidade vão se abrir. É possível que, no limite, o Estado altere a legislação, e permita a si próprio o suicídio de emitir moeda para girar a dívida.
Pois é. Este exato momento está ótimo para engordar a reserva de emergência de forma extraordinária. Mas, se a situação que permite isso seguir por tempo demais, a emergência pode ficar além do alcance de qualquer reserva.
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