Você investe em ações? Vou tentar adivinhar alguns papéis de sua carteira: Petrobras, Vale e Itaú Unibanco. Acertei? Se respondeu sim, saiba que seu perfil como investidor em renda variável se parece muito com o de grande parte dos principais fundos multimercados do país.
Em um universo de 900 dos mais importantes desses portfólios no Brasil, a maior parte do dinheiro aplicado em renda variável fica mesmo debaixo de um guarda-chuva conservador. É o que revela um levantamento feito pela consultoria de dados Quantum para o InvestNews sobre as 15 ações mais investidas mensalmente pelos fundos, desde janeiro de 2019 até abril de 2024.
Essa pesquisa mostra que, na parada de sucessos dos multimercados, há quatro papéis vencedores: Petrobras PN, Vale ON, Itaú PN e Lojas Renner ON estiveram presentes nas carteiras dos fundos durante todos os 68 meses da amostra. São nomes tão habitués nas carteiras que, ao ler a lista, você deve ter sentido uma sensação de déjà vu...
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Líquido e certo
Você talvez esteja se perguntando: se as escolhas de ações parecem tão óbvias, porque vou precisar usar o fundo? Os multimercados, na verdade, buscam obter ganhos acima do mercado por meio da combinação de várias classes de ativos, como crédito, câmbio, derivativos e commodities.
Pode parecer pouco inspirada, mas a seleção preferida dos gestores de multimercados, na verdade, tem uma lógica. Ter a capacidade de ajustar rapidamente as posições acaba sendo uma estratégia preventiva, explica o professor de Finanças do Insper, Michael Viriato. Essa fixação pelas ações mais líquidas, ou seja, aquelas mais compradas e vendidas todos os dias, torna mais simples entrar ou sair de uma posição.
A média do volume diário de negócios da Petrobras PN, por exemplo, ficou em R$ 1,7 bilhão em agosto. Mas, durante o mês, houve picos de até R$ 3 bilhões. A cifra equivale a mais de cinco vezes o volume financeiro médio das exportações diárias de petróleo pelo Brasil.
No mesmo período, a segunda ação mais líquida da B3 foi Vale ON, com um movimento médio diário de R$ 1,6 bilhão. Seguindo na lista de papéis mais investidos pelos multimercados, o Itaú PN teve um volume médio de R$ 866 milhões, enquanto Lojas Renner ON negociou R$ 427 milhões.
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A coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAESP, Claudia Yoshinaga, lembra que, como Petrobras, Vale e Itaú são as mais negociadas da bolsa brasileira, “naturalmente, vão ter mais dinheiro investido pelos fundos”. A especialista conta ter ouvido de um gestor de multimercado que seu fundo costuma ter dificuldade para colocar dinheiro em ações pouco líquidas, como as chamadas “small caps”, de empresas de menor porte.
Segundo Claudia, mesmo que os portfólios resolvam investir uma parcela pequena, como 1% do patrimônio, vão levar de quatro a cinco pregões para conseguir montar uma posição em uma small cap. “O gestor deixa de ser competitivo nessa estratégia porque o mercado nota logo a movimentação.”
Retorno sem fundo
Em períodos de volatilidade mais forte, os investidores buscam refúgio em produtos vistos como mais seguros, como a renda fixa. No atual momento de juros altos, os multimercados têm amargado fortes saques líquidos.
De janeiro de 2022 a agosto de 2024, a classe viu escorrer para fora do segmento mais de R$ 412 bilhões líquidos, nos dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). No período, quase 680 fundos deixaram de existir.
O retorno dos portfólios têm deixado a desejar. As carteiras deveriam se beneficiar da gestão ativa, quando os gestores têm liberdade para mudar de posição rapidamente e ganhar com movimentos de alta em diversos mercados. As estratégias incluem a própria renda fixa, além de ações, moedas e até commodities. Porém, o CDI tem olhado a classe dos multimercados pelo retrovisor nos últimos anos.
O índice de “Hedge Funds” da Anbima (IHFA), que acompanha os principais fundos do segmento no país, revela como esse desempenho acaba por desestimular os cotistas. O nome do referencial faz referência a uma classe internacional de fundos com características semelhantes aos multimercados no Brasil.
O IHFA terminou 2021 com um retorno de 2,04% contra um CDI de 4,42%. Em 2022, o jogo virou. O índice da Anbima marcou 13,66% e o referencial conservador ficou um pouco abaixo, em 12,39%. Já no ano passado, o indicador dos multimercados teve uma performance de 9,31%, enquanto o CDI apresentou um retorno de 13,04%.
Em oito meses de 2024, o índice de hedge funds continua para trás. O IHFA de janeiro a agosto acumulou retorno de 2,51%. Já o CDI fechou o oitavo mês do ano com um rendimento agregado de 7,09%. A distância pode aumentar, uma vez que o mercado espera novas altas de juros pelo Banco Central, com consequente elevação dos ganhos trazidos pelo certificado.
Renda variável x CDI
Se os ganhos dos multimercados, no geral, têm penado para acompanhar o CDI, não é culpa da renda variável. É claro que as estratégias dos fundos trazem uma diversificação que pode incluir dezenas de papeis, mas, se considerarmos as quatro ações preferidas pela maioria dos veículos de investimento, temos uma valorização bem acima do CDI entre janeiro de 2019 e 6 de setembro de 2024.
Uma carteira com os recursos distribuídos igualmente entre Petrobras PN, Vale ON, Itaú PN e Lojas Renner ON obteve um retorno nominal de 83,62% no período. Esse resultado não considera ajustes pela inflação e ganhos extras com dividendos distribuídos pelas companhias. No fim de abril, uma média de 517 multimercados mantinha R$ 12 bilhões nesses papeis, quantia que equivale ao orçamento anual de Salvador.
Nesses mesmos 68 meses, o CDI trouxe um retorno nominal de 55%. A valorização da carteira com esses quatro papeis superou também o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, que teve um ganho de 53% no período.
Mas se o grupo de ações mais investidas bate o CDI, porque as carteiras ficaram para trás? É que, dentro da lógica de diversificação em várias classes, de ações a renda fixa, a maior probabilidade é de terem sofrido revezes em outros mercados.
De qualquer modo, bater o CDI com juro básico em dois dígitos é como uma equipe de revezamento correr contra o campeão dos 100 metros rasos. Basta um bastão cair para o time ficar para trás. E isso não poupa ninguém. Nem mesmo a Verde Asset Management, de Luis Stuhlberger, que demitiu 20% da equipe esta semana. A empresa, que chegou a ter R$ 55 bilhões sob gestão em 2021, tem hoje R$ 21 bilhões.
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