Finanças
Menor confiança puxa prejuízo líquido de R$ 4,6 bilhões da Americanas nos primeiros 9 meses de 2023
Em recuperação judicial desde janeiro do ano passado e sem divulgar desde então seus resultados financeiros, a Americanas (AMER3) revelou ao mercado nesta segunda-feira (26) que registrou um prejuízo líquido de R$ 4,6 bilhões nos primeiros nove meses de 2023. Deram o tom do mau resultado a forte queda nas vendas na plataforma digital pela quebra de confiança por clientes e fornecedores, além de despesas financeiras expressivas.
Com isso, o patrimônio líquido da companhia ficou negativo em R$ 31,2 bilhões.
“Confiança não se recupera com discurso e nem do dia para a noite. Temos um transatlântico nas mãos e não dá para dar um cavalo de pau, já que é fisicamente impossível. Prometemos ser transparentes e entregar o que nos comprometemos a fazer – que é voltar a gerar lucro a partir de 2025”.
Americanas, durante teleconferência de resultados
O plano de RJ foi homologado nesta segunda-feira na Justiça, com a expectativa de ser publicado em Diário Oficial no dia 29 de fevereiro, apontou a varejista.
Com isso, os credores classes “1”e “4” devem receber os valores combinados em até 30 dias. Estes abarcam créditos de até R$ 12 mil, ou então, acima desta cifra, mas que na negociação aceitaram quitar o montante de forma integral.
Por volta de 13h, AMER3 avançava quase 2% na B3, negociadas a R$ 0,53 cada. No pré-fechamento, os papeis zeraram os ganhos do dia. Em 12 meses, a ação da varejista acumula desvalorização de 49%.
Segundo Diego Faust, operador de renda variável da Manchester Investimentos, precisa ver quais passos apresentados hoje vão levar ao resultado prometido pela companhia. A redução de caixa é um ponto de atenção, uma vez que o nível de caixa livre está comprometido com os pagamentos do plano de recuperação.
“Uma empresa com mais de R$ 30 bi de passivos não cobertos e um caixa tão baixo pode trazer uma pressão grande para o papel; o mercado está reticente aguardando os próximos passos e números.”
Destaques do balanço
A receita líquida acumulada até o 3º trimestre de 2023 retraiu 45% para R$ 10,2 bilhões na comparação anual, o que vai de encontro à queda de 51,1% no volume bruto de mercadorias (GMV), para R$ 16 bilhões, no mesmo período. Mas foi a plataforma física quem “salvou a lavoura”, por apresentar uma queda de apenas 4,4%, para R$ 9,3 bilhões.
Esse último ponto foi destacado pela varejista, que apontou que os clientes foram fundamentais para a retomada da companhia, “garantindo o fluxo recorrente, especialmente em nossas lojas físicas”.
O mesmo não pode ser dito do canal digital, onde o ticket médio é mais alto e os produtos são mais comparáveis. Nele, o choque de confiança dos consumidores foi maior, com o GMV retraindo 77,1% para R$ 4,8 bilhões. Agora, é esperado que a operação alcance o Break Even (lucro) no final do 1º semestre de 2025.
“Os clientes tinham preocupação em relação às entregas dos produtos e os sellers ficaram temerosos de não receber os repasses pelas vendas realizadas”.
Americanas, em relatório
Como estratégia, a companhia reduziu sua exposição a negócios com alto consumo de caixa e foi trabalhada a comunicação com parceiros e clientes, aumentando a periodicidade dos repasses aos sellers, o que segundo a companhia, fez dissipar o impacto inicial da RJ ao longo dos trimestres.
Isso foi necessário porque os fornecedores da varejista passaram a exigir pagamentos à vista e maiores garantias. Segundo o relatório, “muitos deles não abandonaram a companhia, garantindo assim o abastecimento”. Mas a linha de crédito disponibilizada pelos acionistas de referência (DIP financing) também permitiu que a Americanas mantivesse as lojas abastecidas e com bom sortimento, “garantindo um nível saudável de vendas no canal físico”, apontam.
“Com o recebimento do DIP e o pagamento imediato de parte dos credores classe IV, conseguimos minimizar o impacto nos fornecedores menores e regularizar o fornecimento também em outros ativos da companhia, como é o caso do Hortifruti Natural da Terra (HNT)”, informou a companhia.
Sobre esse último ponto, o grupo Uni.co (dono das marcas Puket, Imaginarium, MindD e Lovebrands) também foi apontado como ativo alvo, sem serem descartados os ativos de Ame – a fintech e plataforma de negócios mobile da varejista.
“Não existe venda de liquidação desses ativos, mas uma análise contínua de alocação de capital”, apontou a varejista em tele de resultados.
Aporte de capital
O trio de acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, firmaram o compromisso de aportar R$ 12 bilhões na Americanas, sendo que R$ 3,5 bi serão aportados após a homologação da rj, realizada hoje.
Já outros R$ 12 bilhões em dívidas serão convertidos em ações para os bancos credores, alterando assim a composição acionária da empresa. Logo, a companhia será capitalizada em R$ 24 bi.
Apesar da fraude descoberta e seus impactos, a Americanas apontou que nos nove primeiros meses do ano passado identificou “alguns primeiros resultados significativos”, como melhora na margem bruta em 11,1 pontos percentuais (p.p), e uma evolução de de R$ 791 milhões no Ebitda ajustado ex-IFRS na comparação anual.
Já o endividamento da companhia também mostrou se manter estável, mas ainda em patamares altos.
O 3º trimestre de 2023 encerrou com dívida líquida na casa dos R$ 33,4 bilhões, cifra 10,6% maior quando comparado com setembro de 2022. A dívida bruta atingiu os R$ 38 bilhões.
Por sua vez, o caixa da varejista encerrou setembro em R$ 4,9 bilhões, recuo de 49,5% em 12 meses.
Os resultados do 4º trimestre de 2023 estão previstos para serem divulgados em 26 de março.
Novos fechamentos de lojas não estão descartados
Após o pedido de recuperação judicial, foram fechadas 99 lojas físicas, já que não apresentavam “rentabilidade adequada”, sendo naturalmente a região Sudeste a mais concentrada por abrigar o maior número de unidades do grupo.
Das 1700 unidades que seguem em operação, não estão descartados novos fechamentos, segundo a companhia informou em teleconferência de resultados.
“É de se esperar mais fechamento de lojas, assim como novas aberturas, sendo este um movimento natural do varejo. Estamos em um movimento agnóstico até termos certeza que todas as unidades são de fato lucrativas”.
Em geral, estão sendo fechadas lojas muito pequenas com incapacidade crônica de acertar o mix de produtos, segundo a companhia. Já unidades acima de 1,5 mil metros quadrados seguem precisando ajustar o modelo de negócio, pois não estão performando como deveriam.
Segundo a varejista, o foco do negócio deve atingir os clientes classes B e C, de ambos os sexos, acima de 18 anos,
“Fazer da loja sofisticada não faz sentido; também não pode ser um ambiente desorganizado e maltratado. É fundamental levar para a frente da loja as categorias com promoções do dia, sendo a formatação do negócio o cerne dos ajustes”.
Nova auditoria
Para validar o balanço, assim como para fazer as revisões trimestrais de março, junho e setembro de 2023, a Americanas disse que contratou a auditoria independente da BDO RCS.
“A companhia busca que seus auditores prestem serviço de forma objetiva e emitam uma opinião e relatórios de revisão imparciais acerca das Demonstrações Financeiras da companhia”.
A PwC era a auditora dos balanços da varejista cuja fraude contábil descoberta apontou para um rombo inicial de R$ 25,3 bilhões, que depois alcançou a cifra de R$ 40 bi. O novo conselho de administração da Americanas rescindiu o contrato com a auditoria em junho do ano passado.
Segundo o Instituto Empresa, que representa debênturistas e acionistas minoritários, a responsabilidade do caso deveria recair sobre os controladores, “que detinham poder decisório sobre mudanças estruturais e a autenticidade dos balanços”.
Ainda segundo o presidente do Instituto, Eduardo Silva, a “preocupação se intensifica com o apontamento da BDO sobre o risco de continuidade operacional, apesar do regime de recuperação judicial e da potencial diluição dos acionistas minoritários devido ao aumento de capital social”, ressalta.
Foi em 11 de janeiro de 2023 que a companhia comunicou que havia encontrado inconsistências contábeis.
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