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Com crise perto de completar 1 ano, Americanas ainda vive descrença no mercado

Plano de recuperação foi passo importante, mas ainda falta clareza sobre situação da empresa, dizem especialistas.

“A palavra ‘fraude’ ainda está muito maculada com a empresa”. “A pergunta de bom senso que fica no ar: são mesmo R$ 40 bi? Espera-se que sim. Mas tem uma dúvida.” As frases foram ditas por especialistas ao InvestNews na última semana, às vésperas do dia em que o escândalo da Americanas (AMER3) completa um ano. Com plano de recuperação aprovado pelos credores e à espera do aval da Justiça, a empresa tenta pavimentar o caminho para se reerguer enquanto o mercado ainda espera por mais clareza sobre a sua real situação. 

Foi no dia 11 de janeiro de 2023, após o fechamento do pregão na bolsa de valores, que a Americanas comunicou que havia encontrado “inconsistências contábeis”, então calculadas em torno de R$ 20 bilhões. De lá para cá, a estimativa do rombo dobrou, levando a empresa a pedir recuperação judicial e até virar alvo de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional. Desde então, o papel AMER3 derreteu 92%. 

No capítulo mais recente dessa história, a Americanas conseguiu que seus credores aprovassem, em dezembro de 2023, seu plano de recuperação judicial. Ele inclui o aporte de R$ 12 bilhões por parte dos acionistas de referência da empresa, enquanto outros R$ 12 bilhões em dívidas serão convertidos em ações para os bancos credores – em medidas que vão alterar a composição acionária da empresa. O plano prevê ainda a venda de ativos, e aguarda aprovação final da Justiça. 

Uma luz no fim do túnel 

De maneira geral, embora ainda permaneçam algumas dúvidas, especialistas viram com bons olhos as principais medidas propostas pelo plano de recuperação. “Foi bem montado”, diz Roberto Gonzalez, especialista em governança corporativa, acrescentando que “o que contribuiu fortemente foi o comprometimento financeiro dos 3 principais acionistas”, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. 

Os empresários brasileiros Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles
Os empresários brasileiros Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles. Foto: Divulgação.

“As relações entre os 3 principais acionistas, os bancos, os credores, essa relação tem que ser muito bem administrada durante o ano de 2024. Se em 2024 isso passar dessa forma, aí, a partir de 2025, a empresa pode sim dar o seu salto e se reerguer”, aponta Gonzalez.

Caroline Sanchez, analista da Levante Investimentos, também avalia as chances de recuperação da empresa com base nas informações apresentadas até agora. Para ela, as indicações são de que “o plano para Americanas é que ela seja uma empresa menor”, ficando “um pouco mais nichada em regiões estratégicas”

Mas o caminho segue obscuro

Embora o plano de recuperação tenha dado algum direcionamento nas expectativas para a companhia, especialistas evitam fazer projeções precisas. O consultor especializado em criação de valor Oscar Malvessi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que a principal razão é a falta de clareza nos dados – inclusive sobre a própria magnitude do rombo na empresa, que adiou novamente a divulgação dos balanços de 2023. 

“Dos 40 bi, basicamente a metade, quase metade é 2021 e 2022, e os outros R$ 21 bi são de anos anteriores. Quer dizer, a pergunta de bom senso que fica no ar: são mesmo R$ 40 bi? Espera-se que sim. Mas tem uma dúvida.”

consultor especializado em criação de valor Oscar Malvessi.

A Americanas divulgou em novembro a revisão de balanços anteriores e os resultados da empresa até o final de 2022. Já a apresentação dos números trimestrais de 2023 segue pendente.

O resultado de 2021 passou a ser um prejuízo de mais de R$ 6 bilhões, ante lucro de R$ 544 milhões apresentado anteriormente. Já o balanço de 2022 ficou negativo em quase R$ 13 bilhões. “Agora, provavelmente é de esperar que o número venha mais feio do que já veio até agora”, comenta Malvessi sobre as expectativas para os balanços de 2023. 

Loja da Americanas em São Paulo, em setembro de 2023 (Foto: Karina Trevizan/InvestNews)
Loja da Americanas em São Paulo, em setembro de 2023 (Foto: Karina Trevizan/InvestNews)

Outro dado que chama a atenção é a perda de clientes ativos da empresa, com um encolhimento em mais de 7,5 milhões desde dezembro de 2022 até novembro deste ano, segundo comunicado divulgado ao mercado em dezembro. A base de lojas da companhia também teve queda no período, de 6,5%. 

Sanchez, da Levante, diz que esses números demonstram as principais dificuldades da empresa. “Existem várias medidas que eles devem adotar para reorganizar a companhia. Foi feita toda essa reestruturação financeira. Agora, a ideia seria que a companhia conseguisse fazer uma reestruturação operacional.”

Saldo até agora

Se os números ainda não puderam mostrar uma via clara de recuperação, a Americanas enfrenta também um desafio de confiança do mercado.

“Ainda existe muito descrédito na empresa. Ela teve uma questão de imagem. A palavra ‘fraude’ ainda está muito maculada com a empresa, muito vinculada”

Roberto Gonzalez, especialista em governança corporativa.

Sanchez também comenta que “existe um certo receio, um certo ceticismo por parte do mercado”, embora acredite que “é possível que a empresa consiga se reerguer”. 

Já Malvessi reforça que, por enquanto, a única certeza possível é a de que o caso Americanas é um emblemático exemplo a não ser seguido.

“É um caso inédito, um episódio perplexo. Você vê que por trás dessas ‘inconsistências contábeis’ houve uma criatividade perversa, violenta, na forma de transmitir e registrar as operações. Inimaginável. O exemplo está aí, não para ser usado, mas para alertar se existem outras coisas por aí que possam surgir.”

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