Finanças
Paraísos fiscais prevalecem entre maiores destinos de investimento brasileiro
Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas são três dos cinco principais países que mais recebem recursos brasileiros.
Em meio à recente decisão do governo federal de taxar os rendimentos obtidos no exterior por pessoas residentes no Brasil, existe a expectativa de como a medida pode mudar os investimentos de brasileiros lá fora. Atualmente, paraísos fiscais figuram entre três dos cinco principais destinos de investimento brasileiro direto em participação no capital externo. É o que mostram dados do Banco Central.
Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas ocupam da segunda até a quarta posição, respectivamente, entre os cinco principais destinos dos recursos brasileiros, segundo os dados mais recentes, de 2021. Juntos, os três países totalizaram US$ 220,6 bilhões em recebimentos, o que representa 51,2% do montante de recursos brasileiros enviados para o exterior naquele ano. Confira:
De acordo com o Banco Central, investimento brasileiro direto engloba a participação no capital, total ou parcial, de empresas sediadas no exterior e os empréstimos intercompanhias, concedidos pelas matrizes no Brasil a suas filiais no exterior e os recebidos pelas matrizes no Brasil concedidos por suas filiais no exterior.
Por que paraísos fiscais são destinos frequentes?
Marcos Piellusch, professor da FIA Business School, destaca que o movimento se explica pelo fato de os chamados paraísos fiscais proporcionarem algumas vantagens aos investidores, como:
- Agilidade;
- Pouca exigência de documentação;
- Sigilo bancário;
- Tributação reduzida, ou, muitas vezes, nula, sobre os valores investidos.
“Essas facilidades explicam, de certa forma, esses destinos do investimento feito pelos brasileiros. Além disso, os paraísos fiscais são sede de muitas empresas, justamente por esses motivos. E, atualmente, predomina um clima de incerteza em relação à economia e a taxa de juros permanece elevada. Isso faz com que os brasileiros com recursos para investir busquem também esses paraísos fiscais para alocar seus investimentos diretos”, diz Piellusch.
Já Roberto Simioni, economista-chefe da Blue3 Investimentos, avalia que os investimentos concentrados em paraísos fiscais ocorrem porque muitos investidores estão buscando por planejamento financeiro e, em vários casos, constituindo empresas offshore em paraísos fiscais com intuito de otimizar seu planejamento tributável.
Luiz Felipe Bazzo, CEO do transferbank, explica que o termo “paraíso fiscal” é utilizado para identificar países que têm uma tributação favorecida e condições promissoras para a incorporação de empresas, as chamadas companhias offshores.
“Apesar da expressão remeter, para algumas pessoas, a uma prática ilegal, desde que devidamente reportada às autoridades competentes e cumpridas as normas de compliance, a constituição de companhias nestas jurisdições é lícita, sendo uma estrutura bastante utilizada para proporcionar resultados tributários mais vantajosos. Aqueles que optam por esta estrutura devem realizar os reportes às autoridades competentes. Não há qualquer ilegalidade na utilização desse tipo de estrutura”, diz Bazzo.
O CEO do transferbank ressalta, por outro lado, que manter um negócio em país reconhecido como paraíso fiscal também tem as suas desvantagens, como:
- Forte fiscalização;
- Gastos elevados para composição e manutenção desse modelo;
- Cobranças governamentais;
- Custo de compliance.
“Por esses motivos, este modelo é mais indicado para pessoas ou corporações que atuem com grande patrimônio”, orienta Bazzo.
Outros destinos
Em 2021, a Holanda se destacou entre os destinos do investimento brasileiro direto, recebendo US$ 81,5 bilhões. Logo após os três paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas) aparece Luxemburgo, como o quinto país de maior destino, com US$ 32,4 bilhões. Veja o histórico do total de recursos de investimento direto por país desde 2017.
Piellusch lembra que, embora a Holanda não seja normalmente classificada como um paraíso fiscal, o país tem um ambiente econômico favorável a investimentos, uma política liberal quanto aos investimentos estrangeiros e uma economia estável.
Além disso, segundo o professor da FIA Business School, apesar da pequena extensão geográfica, a Holanda é uma das 20 maiores economias mundiais, contando com uma desenvolvida infraestrutura tecnológica e logística, com localização geográfica privilegiada e grande integração com a Europa e resto do mundo.
Em relação a Luxemburgo, André Crepaldi, diretor da WIT Invest, destaca que trata-se de um país-sede de muitas empresas de holdings patrimoniais e holdings de multinacionais. A estrutura dos sócios fundadores, da família, está dentro de Luxemburgo pois o país tem uma estrutura jurídica muito robusta que o torna interessante para ser base de várias companhias multinacionais.
Piellusch destaca que Luxemburgo também não é mais considerado um paraíso fiscal, já que vem modificando as regras em relação aos tributos, melhorando a transparência das transações financeiras e tomando medidas em relação às práticas de lavagem de dinheiro.
“No entanto, ainda permanecem algumas vantagens, como a estabilidade econômica, um robusto sistema bancário e alguns benefícios fiscais para pessoas de alta renda.
Essas razões levam o país a atrair muitos investimentos, inclusive de brasileiros”, diz o professor da FIA Business School.
Taxação de rendimentos X investir no exterior: vale a pena?
No dia 1º de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a Medida Provisória 1171/23, que, além de aumentar a faixa de isenção de imposto de renda de pessoa física (IRPF), instituiu percentuais de cobrança de imposto, a partir de janeiro de 2024, para rendimentos obtidos no exterior por pessoas residentes no Brasil. A MP entra em vigor com força de lei, mas ainda precisa ser aprovada pelo Congresso antes de ser convertida definitivamente em legislação.
Será cobrado 15% de imposto sobre rendimentos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil. Acima disso, a taxa será de 22,5%, enquanto abaixo dessa faixa há isenção.
Conforme a nova MP, a atualização pode ser aplicada a:
- Aplicações financeiras;
- Bens e direitos objeto de trust;
- Veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária;
- Participações em entidades controladas.
“O que o governo quer com essa nova Medida Provisória é justamente que, anualmente, o investidor apresente um balanço e tributa o rendimento de forma anual, acabando um pouco com esse diferimento fiscal. Isso faz com que muitos investidores, principalmente pessoas físicas, fiquem com um pé atrás”, destaca André Crepaldi, diretor da WIT Invest.
Crepaldi avalia ainda que, apesar da decisão do governo, faz sentido continuar investindo fora do Brasil por causa de diversificação, diminuição de risco por causa de fatores políticos e econômicos brasileros e, também, por questões de planejamento patrimonial e sucessório, através de estruturas que são muitas vezes montadas em Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman e Bahamas, que permitem que o investidor coloque uma “blindagem” de situações que possam acontecer no Brasil.
“Como estrutura de planejamento patrimonial, esses investimentos no exterior vão continuar sendo muito boas e muito robustas. Países como as Ilhas Virgens Britânicas, principalmente, contam com uma legislação que é secular, de origem inglesa”.
André Crepaldi, diretor da WIT Invest.
Já Piellusch diz acreditar que a principal razão para que brasileiros façam investimentos em trusts no exterior, por exemplo, não é a tributação, mas os benefícios para a governança e sucessão patrimonial, bem como proteção do patrimônio.
“Por esses motivos, creio que a medida não acarretará redução dos investimentos no exterior, podendo até mesmo ter um efeito contrário, que é a manutenção dos dividendos nos países investidos, já que, com isso, não haveria a incidência do tributo”, acredita o professor da FIA Business School.
Citando os mesmos fatores benéficos apontados por Crepaldi e Piellusch, Fernando Bueno, head de Internacional da Blue3 Investimentos, destaca que, apesar das novas regras de taxação de rendimentos no exterior, o ranking dos países de maior destino do investimento direto brasileiro não deve ser alterado significativamente. Para Bueno, apesar da MP, ainda valerá a pena investir no exterior.
“Quem tem mais patrimônio disponível quer uma parte desse recurso sendo preservado e protegido em moeda forte como o dólar. Então, vai continuar valendo a pena investir no exterior”, afirma.
“Claro que, com a MP passando, vai ter um desconto maior com o imposto nos rendimentos, mas, como rentabilidade não é o principal aspecto/objetivo desse investidor, e sim, manutenção e preservação do seu patrimônio, acreditamos que a modalidade vai continuar viável e atrativa”, defende o head de Internacional da Blue3 Investimentos.
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