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Economia

Taxar dinheiro investido no exterior viola acordos contra bitributação

Afirmação é de tributaristas consultados pelo InvestNews; MP passa a tributar rendimentos em aplicações acima de R$ 6 mil.

O governo federal publicou nesta semana uma medida provisória (MP) para taxar o rendimento de pessoas físicas residentes no Brasil que tenham aplicações financeira no exterior para compensar a isenção do Imposto de Renda (IR) em dois salários mínimos. Segundo especialistas ouvidos pelo InvestNews, embora a medida favoreça investimentos no Brasil, ela rompe acordos internacionais e pode gerar sanções judiciais.

Com a medida provisória nº 1171/23, ficam unificadas as alíquotas de Imposto de Renda sobre rendimentos de aplicações financeiras no exterior, que passarão a ser tributados a partir de 2024 com alíquota de até 22,5% para ganhos anuais a partir de R$ 6 mil.

A medida, que deve entrar em vigor em 1º de janeiro de 2024, tem 120 dias para ser aprovada pelo Congresso Nacional e passar a valer. O potencial de arrecadação é de R$ 13,5 bilhões em três anos, prevê a Fazenda.

Notas de dólar 14/02/2022 REUTERS/Dado Ruvic/Ilustração

De acordo com o governo, as mudanças visam adotar regras da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas com caráter arrecadatório. Isso porque, embora o governo tenha promovido o aumento da faixa de isenção do IRPF para R$ 2.112, a norma tende a onerar o contribuinte que investe no exterior, especialmente com base no aumento das alíquotas sobre rendimentos de aplicações financeiras. 

Para o advogado Ubaldo Juveniz dos Santos Junior, a medida que eleva a arrecadação do governo pode gerar judicialização por violar acordos contra a dupla tributação.

“A MP gerará muita controvérsia jurídica, pois atropela princípios constitucionais e ignora veículos legais de investimento e acordos internacionais. Os acordos que evitam a bitributação entre os países signatários para que o tributo fique onde foi gerada a riqueza acaba sendo descumprido”

Santos Junior diz que a taxação dos investimentos não deve atrair novos investidores para o país, já que eles buscam proteção patrimonial no exterior, especialmente nos paraísos fiscais.

“Investir em veículos nacionais pode simplificar a vida de muitos contribuintes, mas quem se dispôs a investir no exterior não tem apenas o rendimento como objetivo, mas proteção patrimonial e planejamento sucessório”, argumenta.

A advogada Patrícia Campos Soares, do SFCB Advogados, diz que a medida poderá acarretar em “discussões judiciais, tendo em vista a não observância de algumas normas e princípios, como o da isonomia”.

“Além disso, a base de cálculo de R$ 50 mil para a alíquota máxima é relativamente baixa, sendo que muitos contribuintes poderão ser afetados com essas mudanças – e não somente grandes investidores”.

Patrícia Campos Soares, do SFCB Advogados
Fachada da entrada principal da B3 em São Paulo
Fachada da entrada principal da B3 em São Paulo, Brasil 22/12/2017 REUTERS/Paulo Whitaker

A advogada Carolina Gasparino de Souza Ferreira, do Maia & Anjos Advogados, também concorda que a proteção patrimonial é um motivo para os investidores manterem seus recursos alocados no exterior.

“Se o objetivo do investidor brasileiro, em investir no exterior, é também obter proteção patrimonial de seus bens, acredito que a sua posição de investimento não mude. Sem contar que ainda existem outras alternativas com relação à tributação.”

Carolina Gasparino de Souza Ferreira, do Maia & Anjos Advogados

Medida favorece investimentos no Brasil?

O advogado tributarista Carlos Gouveia, da Almeida Prado e Hoffman Advogados, acredita que a tributação possa favorecer a manutenção de investimentos no Brasil. “É possível que a tributação de rendimentos no exterior ocasione a manutenção do investimento no Brasil, aumentando a participação na B3.”

Patrícia Campos Soares, do SFCB Advogados, disse que ainda que não seja o único ponto a ser considerado por um investidor, a carga tributária incidente sobre uma determinada operação, certamente possui relevância na escolha dos investimentos.

“As alterações trazidas pela MP 1171 poderão, sim, influenciar na decisão de investimento dos brasileiros que, eventualmente, poderão optar por investir em outras modalidades de operações no exterior ou no Brasil.”

Patrícia campos soares

O que mudou na taxação de investimentos no exterior?

A MP 1171 altera a legislação do Imposto de Renda sobre a Pessoa Física (IRPF), inclusive no que diz respeito a investimentos realizados no exterior, tendo abrangido o conceito de rendimentos que estarão sujeitos ao imposto, bem como tendo alterado as bases de cálculo e alíquotas de certas operações.

A medida provisória cria três faixas de tributação dos rendimentos em aplicações financeiras:

  • Até R$ 6 mil anuais (isento)
  • Entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano (15% tributação)
  • E acima de R4 50 mil por ano (22,5% de tributação)

Já os ganhos de capital que não sejam considerados aplicações financeiras continuam sujeitos às alíquotas de 15% a 22,5%, sem a faixa de alíquota zero.

A MP é válida para as várias formas de investimentos feitos no exterior por pessoa física, incluindo aqueles realizados por meio de empresas offshores (aquela aberta fora do país de origem do proprietário) e trusts (quando o patrimônio de uma pessoa é administrado por um titular em benefício de um terceiro).

Real Moeda brasileira

Como funcionava a tributação antes da MP?

Atualmente, a tributação dos rendimentos sobre dividendos de controladas no exterior é realizada por meio de carnê-leão, pela tabela progressiva do IRPF. Os juros e outros rendimentos de aplicações financeiras no exterior são tributados como ganhos de capital.

“Antes da MP, os rendimentos obtidos no exterior somente eram tributados no Brasil quando ocorresse a disponibilidade econômica, como o recebimento de rendimentos e juros por essas aplicações. Agora se unifica tabelas, incidindo o IR anualmente, com apuração pela DAA – Declaração de Ajuste Anual”, explica Fernando Assef Sapia, tributarista do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados.

Taxação no exterior é válida somente para pessoas físicas?

A MP é válida para as várias formas de investimentos feitos no exterior por pessoa física residente no Brasil, incluindo aqueles realizados por meio de empresas offshores e trusts.

Que tipo de aplicações passam a ser tributadas?

As aplicações financeiras tributadas no exterior, segundo a MP, são:

  • depósitos bancários
  • certificados de depósitos
  • cotas de fundos de investimento, com exceção dos tratados como entidades controladas no exterior
  • instrumentos financeiros
  • apólices de seguro
  • certificados de investimento ou operações de capitalização
  • depósitos em cartões de crédito
  • fundos de aposentadoria ou pensão
  • títulos de renda fixa e de renda variável
  • derivativos
  • participações societárias, com exceção das tratadas como entidades controladas no exterior.

Como é feita a cobrança?

O advogado Fernando Assef Sapia explica que os rendimentos de aplicações financeiras no exterior pagos a pessoa física serão tributados anualmente, pela DAA – Declaração de Ajuste Anual.

“Caso a pessoa física for controladora de entidade no exterior, situada em país com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado [“paraíso fiscal”] ou obtiver receita passiva superior a 20% da renda total, deve tributar os lucros da entidade anualmente pela DAA, conforme tabela progressiva de alíquotas”, explicou ele.

A consultora Débora Casseb Martins, da BT7 Partners, explica que os rendimentos das aplicações financeiras no exterior, detidas diretamente ou via trusts, serão submetidos à incidência do IRPF, no ajuste anual, à alíquota máxima de 22,5% para rendimentos que ultrapassar R$ 50mil.

“Já dos lucros das holdings, entidades controladas no exterior, localizadas em paraísos fiscais ou que apurem renda passiva superior a 20%, serão tributados em 31 de dezembro de cada ano, com base na mesma tabela de alíquotas aplicável para a tributação das aplicações financeiras no exterior.”

Como vai funcionar a taxação em paraísos fiscais?

Os paraísos fiscais são conhecidos por locais pouco transparentes e onde a incidência de tributos é baixa para atrair investidores estrangeiros.

“A empresa controlada no exterior, que será atingida pela nova regra tributária no Brasil, deve estar localizada em país ou dependência com tributação favorecida ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado, desde que listados expressamente em normativo da Receita Federal, com suas alterações posteriores.”

Carolina Gasparino de Souza Ferreira

A Receita Federal do Brasil possui uma relação de países ou dependências com tributação favorecida e com regimes fiscais privilegiados, permitindo a taxação dos rendimentos de aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas por residentes do Brasil e localizadas em paraísos fiscais, independentemente da distribuição ao seu controlador.

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