Finanças
‘R$ 20 bi é apenas uma estimativa’, diz Rial sobre rombo nas Americanas
Após renúncia, ex-presidente detalhou em reunião como encontrou inconsistência bilionária em apenas 9 dias de comando.
Após a descoberta feita pelo agora ex-CEO da Americanas (AMER3), Sergio Rial, sobre o rombo contábil de R$ 20 bilhões que resultou em sua renúncia e do diretor financeiro Andre Couvre, ele afirmou que a varejista pode precisar de aumento de capital, assim como detalhou como foi encontrada a diferença bilionária.
A declaração foi dada nesta quinta-feira (12), em reunião promovida pelo BTG Pactual com agentes do mercado. “Ninguém definiu o valor. Mas sabemos que não será uma capitalização de milhões”, afirmou Rial.
A dívida – que pode ter sido subestimada por anos, segundo Rial – está centrada nos fornecedores da varejista. O foco está em uma operação em que uma instituição financeira paga o fornecedor da companhia. Logo, a varejista passa a dever diretamente para o banco.
No entanto, o executivo apontou que os R$ 20 bilhões não estão fora do balanço da companhia, mas que eles estão ao longo dos anos, dentro de diversos lançamentos contábeis da empresa.
Segundo o ex-CEO, ele e Covre se deram conta que existiam inconsistências no reporte e contabilização de alguns itens, e que foram encontradas distorções importantes. “A mais importante é um tema que permanece no mercado brasileiro desde a década de 1990. O fato de risco sacado e toda engenharia financeira que acontece em uma cadeia de fornecedores leva a uma falha de interpretação”.
Detalhes sobre o rombo
Segundo o executivo, a liberalidade de interpretação sobre o que é dívida ou o que é conta de fornecedores causa essa distorção, mas acrescentou que há critérios claros sobre o risco sacado (quando uma operação é registrada na conta de fornecedores dentro do balanço, em vez de ser considerada uma dívida).
Logo, os juros pagos aos bancos se tornam um redutor de custo com os fornecedores. Segundo o executivo, isso deveria ser interpretado como uma despesa financeira dentro do balanço.
“Existe uma falta de clareza pelas empresas e pelo mercado sobre o que é conta do fornecedor e do banco. Porque nas cartas circuladas aos bancos isso não aparece como dívida? A partir dessa carta vemos que não está esclarecido o compromisso com a instituição financeira”.
sergio rial
A descoberta do rombo se deu apenas nove dias em que Rial estava no comando da varejista, o que abre questionamentos sobre como a inconsistência não foi apontada antes. Segundo Rial, o curto espaço de tempo foi suficiente dado identificar sinais sobre o nível de transparência e a comunicação sobre as despesas – “que não estava fluída”.
Segundo Rial, os reportes de pagamento a fornecedores no balanço estava distorcido, o que o fez ir atrás do problema, sobre a capacidade de a empresa monetizar impostos, geração de caixa. Ele disse estar preocupado com o fluxo de caixa livre, e essa primeira discussão levou a mais detalhes.
“O banco paga ao fornecedor um deságio, a diferença é paga pelas Americanas, e no final de 360 dias, a Americanas tem que pagar o banco. Ou seja: é claramente uma transação bancária, já que ao fim dos 360 dias, a Americanas deve ao banco, e não ao fornecedor. Então essa é uma dimensão de dívida. E se é dívida, onde está o custo financeiro dessa dívida? Onde aparece esse custo financeiro? Quando volto e faço a reversão financeira da dívida bruta, encontro menos despesa financeira do que deveria ter.”
Rial apontou que esse custo precisa estar em algum lugar, sendo essa a primeira conclusão sobre a inconsistência no balanço. Mas isso não significa que as despesas não foram pagas, segundo o executivo. “Tudo foi absolutamente pago. Os R$ 20 bilhões não estão fora do balanço; eles estão ao longo dos anos, dentro de diversos lançamentos contábeis da empresa. A questão é que, se e eu debito a conta fornecedor, e esse juros se tornam um elemento redutor da conta fornecedor, onde isso aparece?”, disse.
Segundo o executivo, a Americanas tem cerca de R$ 9 bilhões em caixa e que poderá gerar um lucro operacional medido pelo Ebitda de R$ 1,5 bilhão a R$ 1,7 bilhão “neste ano”, ante R$ 3,3 bilhões em 2021. A dívida bruta de cerca de R$ 30 bilhões é de longo prazo em sua maior parte, disse o executivo.
“Vai ter um capex (investimento) menor, vai ser capaz de gerar mais capital de giro do que em 2022, não vai ser capaz de pagar despesas financeiras em sua totalidade e portanto vem aqui a necessária infusão de capital”, disse Rial, incluindo entre as opções um “movimento estratégico” que poder abrir “oportunidade para redesenhar algumas coisas no setor”.
Os R$ 20 bilhões podem aumentar?
Rial apontou que os R$ 20 bilhões apontados são apenas uma estimativa e que não está chancelado por uma auditoria.
“Tive uma escolha de Sofia. Fiquei na dúvida de falar ou não, de esperar uma auditoria ou não. Mas é melhor errar por agir, do que aguardar. E esse foi o nosso primeiro dilema”.
Nos últimos anos, a auditoria responsável pelo balanço da Americanas é a PWC. Foi designado um comitê do conselho para investigar o assunto internamente.
A Americanas afirmou em comunicado que as inconsistências estão em lançamentos contábeis “redutores da conta fornecedores” – operações de financiamento de compras em que a companhia é devedora de instituições financeiras e que não estavam “adequadamente refletidas” no balanço.
Segundo levantamento do TradeMap, o volume do rombo previsto no balanço da Americanas é equivalente ao valor de mercado da Magazine Luiza (MGLU3) ou da Lojas Renner (LREN3). Ambas as varejistas estavam avaliadas na véspera em R$ 20,2 bilhões, cada.
Reação de AMER3
Na abertura do pregão, a expectativa era de forte queda para as ações da varejista, cujo valor de mercado na véspera estava em cerca de R$ 11 bilhões. Acompanhe o pregão das varejistas nesta quinta-feira (12).
Os papéis, que ficaram em leilão por quase 4h30 e foi prorrogado três vezes, chegaram a despencar 80%, a R$ 2,40, queda equivalente a uma perda de R$ 8,66 bilhões em valor de mercado. Às 14:38, perdiam 79,67%, a R$ 2,44. Alguns bancos já colocaram recomendação para os papéis sob revisão.
Segundo levantamento do TradeMap, as ações da varejista fecharam o pregão da véspera cotados a R$12,00, o que representa uma valorização de 63,27% desde sua menor cotação [16 de dezembro de 2022], e queda de 90,24% se considerar sua cotação máxima histórica [03 de agosto de 2020].
Mas quando feito um recorte entre 14 de julho de 2017 e o pico atingido em agosto de 2020, a alta registrada foi de 903,20%.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu dois processos administrativos para investigar a varejista. Um focado na contabilidade da companhia e outro para a apuração do fato que veio a público.
Diversos bancos e analistas colocaram a recomendação de papéis da empresa em revisão e destacaram risco de investimento. Caso da XP, Itaú BBA, Morgan Stanley e Bradesco BBI.
A equipe do Bradesco BBI classificou como uma “inconsistência contábil considerável e sem precedentes” e considerou a notícia “bastante negativa”.
“Nós e o mercado ainda carecemos de detalhes para medir efetivamente como, e por quanto tempo, o balanço e o ‘P&L’ (linha final do balanço) podem ter sido deturpados/impactados. O impacto potencial nos resultados futuros também não está claro”, afirmaram em relatório enviado a clientes.
Segundo Pedro Menin, sócio-fundador da Quantzed, o papel da varejista “nunca foi bem quisto, sempre teve volatilidade alta e apanhou bastante nos últimos anos desde a explosão da covid-19.”
Menin também ressalta que Rial é bem visto pelo mercado, conhecido pela ótima gestão que faz e que a saída dele apontando para uma inconsistência mostra que os investidores podem estar diante de uma possível fraude. “E o mercado não gosta disso. É só vermos o que aconteceu com a IRB”.
“O impacto no balanço é de R$ 20 bilhões, mas o quanto essa dívida de fato vai representar? E quais outros desdobramentos desses R$ 20 bi podem aparecer no balanço?
A ação AMER foi formada em 2021 com a união das lojas físicas do grupo com a operação online que estava sob a antiga B2W. Os papéis amargaram queda de 68,7% em 2022, em linha com a desvalorização das ações de empresas de tecnologia, diante de desaceleração das vendas, inflação e juros altos. No terceiro trimestre, a Americanas teve prejuízo de mais de R$ 200 milhões.
Em agosto, as ações da Americanas chegaram a disparar quase 20% em um só dia, após o anúncio de que, em substituição a Miguel Gutierrez, que ocupava o cargo por 20 anos, Rial assumiria o comando da empresa.
Veja também
- CVM acusa ex-CEO e outros sete ex-executivos da Americanas de uso de informações privilegiadas
- Sicupira e filho de Lemann deixam conselho da Americanas, diz fonte
- Em recuperação judicial, Americanas quer vender parte de ativos da fintech Ame
- Polícia Federal indica 41 ex-funcionários da Americanas em investigação sobre fraude
- Beto Sicupira lidera aporte do 3G para salvar a Americanas; desembolso foi de R$ 6,8 bilhões