Há quem ache que as normas publicadas pelo Banco Central foram um pouco pesadas – e podem impedir que players menores participem do mercado. Ou que o bitcoin foi transformado em um produto bancário, deixando de lado toda a aura de ativo descentralizado, disjuntivo e “fora do sistema”.
Para o investidor, porém, as regras no geral são vistas como positivas. Afinal, o mercado cripto brasileiro, hoje mais maduro, já foi palco de golpes e fraudes que deixaram muita gente no prejuízo – e, vez ou outra, ainda é. A regulação tende a reduzir esses riscos, embora com custos maiores para as empresas.
Capital para afastar
Uma das principais críticas é o capital mínimo exigido das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs) – nome dados às exchanges e demais empresas que atuam com criptomoedas. Segundo o Banco Central, o valor varia de R$ 10,8 milhões a R$ 37,2 milhões, dependendo da atividade.
“É um montante alto se comparado ao que foi pedido das primeiras fintechs no Brasil. Isso revela que o Banco Central enxerga um risco maior nesse setor”, disse Isac Costa, professor e diretor do Instituto Brasileiro de Inovação e Tecnologia (IBIT).
E como o BC estabeleceu uma régua alta – não só em termos de patrimônio líquido, mas também de compliance e supervisão – é provável que o mercado passe por um processo de consolidação, falou ele.
“Empresas maiores tendem a comprar as menores, e também pode surgir um modelo semelhante ao de Banking as a Service, em que prestadores regulados oferecem sua estrutura para que outras marcas continuem operando plataformas de negociação de ativos virtuais. Seria uma espécie de ‘Virtual Assets as a Service’, próximo ao que o mercado financeiro conhece como Introducing Broker”.
Contrassenso regulatório
O novo marco regulatório também coloca parte dos players sob regras semelhantes às de instituições financeiras, com exigências de gestão de risco e capital prudencial, afirma a advogada Emilia Malgueiro Campos, sócia do escritório MCZ.
Na prática, isso significa que empresas que apenas compram e vendem criptomoedas para a própria carteira, sem prestar serviços ao público, passam a ser tratadas com a mesma rigidez de bancos. “Isso é um contrassenso regulatório”, disse.
Ela afirma que a nova regulamentação acabou empurrando o setor para dentro do sistema bancário. “Hoje, o mercado de cripto foi colocado na mão dos bancos. Para fazer intermediação simples de cripto, você precisa ter estrutura de banco. O BC fez consulta pública para nada.”
Reação política
A regulamentação gerou reação política. O deputado Rodrigo Valadares (União–SE) apresentou um projeto de decreto legislativo nesta semana para tentar sustar as novas regras do BC para ativos digitais, que passam a valer somente em 2026 (em fevereiro e maio).
O ponto principal mencionada é o trecho da regulação que coloca as criptomoedas sob as regras de câmbio – o que significa que operações com cripto passam a seguir as mesmas normas aplicadas às transações internacionais de moeda estrangeira.
Isso abre espaço para a Receita Federal cobrar imposto sobre operações financeiras (IOF) das stablecoins (as criptos atreladas a outros ativos), que vêm sendo usadas por brasileiros para remessas internacionais e viagens.
“Trata-se de uma alteração profunda na arquitetura financeira nacional, com impactos econômicos e tributários de grande magnitude, cuja implementação extrapola de forma evidente o poder regulamentar delegável a uma autarquia federal”, escreveu o parlamentar no projeto, que está na mesa diretora para ser analisado.
Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Bancário, disse que quando uma operação é reconhecida como câmbio, ela passa a integrar o universo fiscal e cambial, com todas as consequências legais e tributárias daí decorrentes. Ou seja, IOF pode vir aí mesmo.
É o preço que se paga?
Apesar das críticas e dúvidas que ainda rondam a legislação, para o usuário final as novas regras trazem mais segurança jurídica e estabilidade, segundo a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto) e outras entidades.
Isso porque as empresas terão que obter licença, certificações, seguir padrões de segurança e segregar o patrimônio (ou seja, não misturar seus fundos com os dos clientes), bem como identificar os donos das carteiras (na prática, informar quem negocia criptos na plataforma).
A mistura de patrimônio próprio e dos clientes foi um dos motivos da queda da exchange FTX, no fim de 2022, episódio que jogou o mercado cripto em uma de suas piores crises. Já a identificação das carteiras foi uma resposta do Banco Central a casos recentes, como a Operação Carbono Oculto, que mostram vulnerabilidades de algumas fintechs e empresas cripto.
No fim das contas, como resumiu um dos players do setor, a regulação é o preço de querer trazer o bitcoin para mais perto dos investidores institucionais – e talvez seja esse o custo inevitável da segurança.
Para a advogada Emília, há avanços, mas também contradições para o investidor. “Sim, o ambiente fica mais seguro contra lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo, essas coisas – mas as exchanges já faziam isso. O mercado se organizou sozinho.”
Ela ressaltou, porém, que a imposição das regras bancárias para um ativo que funciona de forma imutável pode gerar novos riscos para o investidor. “O PIX é uma transação imediata, mas pode ser cancelado em até 81 dias. O sistema bancário está acostumado com transações reversíveis. Cripto não permite isso. Em que medida os bancos são, de fato, um ambiente mais seguro para lidar com um ativo imutável?”