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1 ano da crise: ação da Americanas derreteu, mas não foi a única
Apesar da situação delicada da varejista, especialistas apontam caso mais preocupante: PDG; Sequoia e Casas Bahia também despencam.
O dia 11 de janeiro chegou e certamente um tema vai dominar a agenda do dia: a crise da Americanas completa 1 ano. Isso porque, se a magnitude do rombo contábil causou espanto no mercado, a queda de mais de 90% da ação AMER3 em 2023 também assustou. No entanto, esta não foi a única ação com tamanho recuo na bolsa, e especialistas apontam situações ainda mais preocupantes do que Americanas.
A queda da ação de Americanas foi de 90,57% em 2023, a segunda maior da B3 no ano. Já o maior derretimento foi de PDG Realty (PDGR3), com 96,25%. O levantamento foi feito por Einar Rivero, diretor da Elos Ayta Consultoria, e mostra ainda outras grandes baixas no ano: Sequoia (SEQL3), com 87,03%, e Casas Bahia (BHIA3), com 81,03%.
Por motivos diferentes, as quatro companhias foram alvo de forte desconfiança do mercado em 2023. Mas, apesar de o caso de Americanas ter atraído mais atenção e se encontrar numa situação extremamente delicada, especialistas ouvidos pelo InvestNews dizem que o posto do pior prognóstico, na verdade, é da PDG.
“Apesar da posição financeira de Americanas ser, talvez, a pior de todas do ponto de liquidez corrente de caixa, é a que tem neste momento a maior, e por isso é que tem maior chance não de ‘dar certo’, mas de continuar existindo na face da Terra”, avalia Max Mustrangi, sócio fundador da Excellance, empresa que atua com reestruturação de empresas. O motivo para esse prognóstico é a injeção de recursos previsto no plano de recuperação da companhia, o que deve dar um bom fôlego ao caixa.
Já a pior perspectiva, segundo o especialista, é da PDG, já que “grande parte do estoque, de caixa potencial, está na parte de terreno. E isso não tem uma liquidez rápida, uma liquidez imediata”. “A liquidez corrente (indicador que aponta a capacidade de pagamento de dívidas de curto prazo) dela é a mais curta de todas, com 0,22. Então, olhando os números e a situação de contexto de mercado, a que corre mais risco entre as quatro é a PDG, com certeza”, diz Mustrangi.
Felipe Pontes, sócio da L4 Capital, concorda. “PDG acho que é a que tem menos chances. Ainda estão com muitos efeitos da recuperação judicial e, na minha visão, o foco deles é resolver a questão dos credores, e depois disso eu não consigo enxergar mais muito a frente.”
Mas o cenário para Americanas, claro, também é sombrio – ainda que a aprovação do plano de recuperação tenha dado alguma sinalização sobre o futuro da empresa.
“Americanas também é muito incerto. Particularmente, não vejo muito futuro ou recuperação para a empresa. Tem que haver alguma espécie de milagre.”
Felipe Pontes, sócio da L4 Capital
Mustrangi acrescenta que a dúvida é sobre o que será de Americanas depois que o fôlego da injeção de dinheiro acabar. “Porque empresa morre por caixa, e quem tem caixa vai mais longe. Acabou o caixa, ela cai, que nem um avião novinho sem combustível que vem pro chão.”
Veja abaixo o cenário que puxou as 4 maiores quedas da bolsa e 2023, e os prognósticos para as companhias.
PDG: a maior queda e o pior prognóstico
Cerca de dois anos depois de sair da recuperação judicial, a construtora PDG ainda é alvo de fortes incertezas do mercado. Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, comenta que, mesmo com o fim do processo, “os papéis ainda não reagiram na bolsa”. “Quando a PDG saiu da recuperação judicial a ação deu uma disparada, mas foi questão de especulação gráfica.”
E, se a ação não reagiu, os resultados da empresa também não. Nos primeiros 9 meses de 2023, acumulou um prejuízo de R$ 569 milhões, um número bem maior do que as vendas líquidas de R$ 10 milhões, insuficientes para dar fôlego aos resultados da companhia, como destaca Felipe Pontes.
Também diante dos números da empresa, Max Mustrangi destaca os mais emblemáticos na sua visão. “Ela tem uma dívida de R$ 4,9 bilhões a ser paga em 20, 30 anos, o período do plano. É uma dívida absurda, com patrimônio líquido negativo de R$ 5,4 bilhões hoje.”
Ele aponta ainda que “a alavancagem financeira dessa empresa é de menos 47,5, ou seja, ela precisaria de quase 48 anos no atual ritmo de resultado para pagar na a sua dívida líquida, dado do ebitda (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização) negativo de R$ 21,3 mihões.”
“Ou seja, ela não está conseguindo nem pagar o dia a dia da operação dela”.
Max Mustrangi, sócio fundador da Excellance
“Ela está com uma margem líquida extremamente negativa, no último exercício de quase de 681,3%. É um buraco absurdo. Para cada 1 que ela que ela faz de de resultado, ela produz 8 de buracos”, explica o especialista.
Americanas ganha fôlego, mas futuro é incerto
O papel teve o segundo pior desempenho da B3 em 2023. A queda foi brusca logo no começo do ano, quando a empresa informou que havia encontrado “inconsistências contábeis”, então calculadas em torno de R$ 20 bilhões. De lá para cá, a estimativa do rombo dobrou, levando a empresa a pedir recuperação judicial e até virar alvo de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional.
No capítulo mais recente dessa história, a Americanas conseguiu que seus credores aprovassem, em dezembro de 2023, seu plano de recuperação judicial. Ele inclui o aporte de R$ 12 bilhões por parte dos acionistas de referência da empresa, enquanto outros R$ 12 bilhões em dívidas serão convertidos em ações para os bancos credores – em medidas que vão alterar a composição acionária da empresa. O plano prevê ainda a venda de ativos, e aguarda aprovação final da Justiça.
A aprovação repercutiu bem no mercado, mas investidores ainda seguem pessimistas sobre AMER3, como comenta Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama. “Falando da ação, a gente continua bem reticente. Tem uma questão do passivo que é muito relevante, muito grande”.
“A companhia é não achou ainda um ponto de equilíbrio na sua operação para conseguir um lucro adequado. A inconsciência contábil revelou que esse equilíbrio praticamente nunca havia sido encontrado. Então, há muito tempo que a companhia vem sobrevivendo em cima de aportes.”
Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama
Caroline Sanchez, analista da Levante Corp, também aponta que o momento é de cautela sobre Americanas, mas tenta vislumbrar um cenário futuro a partir das informações que há sobre a mesa até o momento. “Pelo que eles mesmos falaram no último call com o mercado no final do ano passado, eles devem tentar nichar um pouco mais, e devem enxugar um pouco mais a companhia também”.
Sequoia: perspectiva de recuperação
A forte queda das ações da empresa de logística na bolsa veio acompanhada de uma piora dos resultados, que passaram de um prejuízo de R$ 67 milhões nos primeiros nove meses de 2022 para um rombo de R$ 473 milhões no mesmo período deste ano.
“A Sequoia experimentou um terceiro trimestre de 2023 bastante desafiador”, diz Pontes, da L4, citando “um processo de reestruturação focado em produtos mais pesados, que impactou as margens devido aos altos custos operacionais”.
Já Gonçalvez, da Box Asset, aponta que a empresa “foi impactada diretamente pela crise das varejistas online e de uma estratégia equivocada de expansão”.
Como resultado do cenário mais difícil, um dos principais pontos de preocupação levantado por especialistas ao longo de 2023 foi o endividamento da Sequoia. A relação entre a dívida e o Ebitda da empresa chegou a 13,8 vezes no segundo trimestre. Em 12 meses, segundo dados do Valor Pro, esse indicador estava em 11,54 no período, contra a média de 3,38 do setor. O resultado, segundo Mustrangi, eram números que mostravam “uma empresa que existe basicamente à base de dívida, altamente alavancada”.
Diante disso, a empresa lançou mão de medidas para reduzir o endividamento, como acordos com credores, além de uma injeção de R$ 100 milhões no caixa. Em dezembro, foi anunciado outro acordo, totalizando uma redução de 90% da dívida, segundo a empresa.
“Apesar da projeção de economia de custos futura e as novidades que apareceram agora no início de 2024, os prejuízos substanciais e os altos custos de reestruturação levantaram preocupações quanto à saúde financeira da empresa e à confiança dos investidores – ao que parece isso foi sanado recentemente“, resume Pontes.
Entre as empresas que tiveram as maiores quedas na bolsa em 2023, a Sequoia é a que tem maior chance de recuperação na visão dos especialistas ouvidos pelo InvestNews. Isso se deve também a outras notícias deste início de 2024: no primeiro dia útil do ano, a Sequoia anunciou um acordo preliminar com os acionistas do Grupo MOVE3 para uma fusão das empresas, pouco depois depois do acordo com seus credores.
“Portanto, Sequoia é a que vejo com maior potencial de recuperação, pela reestruturação financeira, operacional e o movimento com a Move3”, diz Pontes.
Já Mustrangi ainda enxerga sinais de alerta e, mesmo diante dos números da reestruturação da dívida, avalia como “mau negócio” para o MOVE3. Isso porque “mudou a estrutura da dívida, e não a empresa”, aponta ele. O especialista acrescenta que, após dar fôlego ao caixa, “se continua gerando prejuízo, a empresa continua comendo resultado”.
Casas Bahia: (mais) um ano difícil
Depois de um ano movimentado, que incluiu planos de reestruturação e mudança de nome de Via para Grupo Casas Bahia, a empresa figurou entre os maiores destaques negativos para a bolsa. E a projeção não é animadora para os próximos meses, segundo os especialistas.
Isso porque, com expectativa de retomada do varejo com a queda dos juros e melhora da renda da população, outras varejistas saem na frente por estarem mais bem estruturadas. “A gente acredita que tanto Americanas quanto Casas Bahia ainda devem continuar cedendo mais mercado para outras varejistas que estão mais bem posicionadas, apesar das dificuldades ao longo do ano, como Magalu (MGLU3)”, diz Sanchez, da Levante.
O Grupo Casas Bahia acumulou um prejuízo de R$ 1,1 bilhão nos primeiros nove meses de 2023, uma forte piora sobre o resultado negativo de R$ 33 milhões no mesmo período do ano anterior.
“A margem líquida do negócio de 5,9 negativos, ou seja, ela vende com prejuízo. Ela está dando prejuízo brutal. Ou seja, é uma empresa que eu brinco que é uma ONG corporativa. Ela doa produto, ela não vende.”
MAX MUSTRANGI, SÓCIO FUNDADOR DA EXCELLANCE
Sanchez também comenta esse ponto, dizendo que “existem muitos riscos inerentes a um plano de transformação em andamento, principalmente por conta de fechamento de lojas, com muito saldão, e isso acaba impactando muito o número de margem da companhia”.
Diante disso, a analista da Levante não vê boas perspectivas para Casas Bahia. “A gente vê com ceticismo ainda esse mais esse turnaround que eles vêm implementando. A gente espera ainda resultados trimestrais fracos no curto prazo. Além do processo de reestruturação, também pelo cenário competitivo desafiador, com Shopee, Amazon e Mercado Livre acelerando muito investimentos aqui no Brasil.”
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