Energia, telecomunicações, varejo, educação e logística compõem um portfólio que, pela diversidade e pela escala, ocupa um terreno que grupos empresariais tradicionais e holdings financeiras, como Itaúsa e Bradespar, jamais tiveram.
São histórias de grandes negócios, mas também de apostas frustradas, como a tentativa de consolidar o varejo farmacêutico com a BR Pharma, que terminou em falência, ou o da Sete Brasil, projeto criado para atender o pré-sal e que desmoronou em meio a denúncias de corrupção na Petrobras e que chegou a levar Esteves à prisão em 2015. Naquele momento, o grupo de sócios assumiu a dianteira dos negócios e manteve o banco de pé. O processo foi posteriormente anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A compra de participações em empresas pelo partnership dos sócios do BTG tem uma mecânica própria. Os sócios estruturam as operações considerando que os fundos administrados pela casa e grandes clientes tenham prioridade no investimento. Só depois dessa alocação entra o partnership.
O resultado é que boa parte das participações é compartilhada entre a holding dos sócios e veículos administrados pelo banco, o que torna mais difícil distinguir o que pertence exclusivamente ao partnership e o que são dos fundos da casa. O BTG não usa capital próprio nas operações.
Ainda assim, é possível identificar a amplitude dessa atuação: a rede de investimentos se espalha por setores centrais da economia brasileira.
O partnership do BTG, o “CNPJ” que reúne o capital dos sócios e administra os dividendos do grupo, ganhou o formato atual a partir de 2009, quando André Esteves e outros executivos recompraram o Pactual do UBS por US$ 2,5 bilhões. O negócio foi emblemático porque voltou a priorizar o modelo de gestão adotado pelo Pactual antes da venda aos suíços.
Uma fonte ouvida pelo InvestNews lembra que o partnership do BTG não nasceu com a ambição de se tornar um grupo empresarial. Mas que, de certa forma, a holding acabou evoluindo para isso. “No fim do dia, é um grupo de investidores empreendedores, são todos banqueiros ali”, disse.
Dos quase R$ 10 bilhões distribuídos em JCP pelo BTG Pactual em 2024, cerca de R$ 6,9 bilhões foram para o partnership. Parte desses recursos é distribuída proporcionalmente aos sócios, enquanto outra parcela permanece na holding para novos investimentos do grupo.
A mecânica
A governança da holding de sócios se organiza em três círculos decisórios. O primeiro é o comitê principal do partnership, o núcleo duro formado pelos sete principais acionistas, responsáveis pela estratégia e pela alocação de capital. São eles: André Esteves; o CEO do BTG, Roberto Sallouti; Renato Santos – o “Renatão” – (tesouraria); Guilherme Paes (banco de investimento); Renato Cohn (CFO); Rogério Pessoa (gestão de patrimônio); e Rodrigo Góes (sales & trading).
O segundo é o comitê ampliado, composto por cerca de 12 sócios seniores – líderes das principais unidades de negócios, que apresentam propostas ao núcleo principal. Além dos sete principais acionistas, existem outros nomes proeminentes no grupo, como Antônio “Totó” Porto (institucional), Huw Jenkins (vice-chairman), Renato Mazzola (private equity), João Marcello Dantas (controladoria), Alexandre Camara (special situations), Marcelo Flora (varejo) e Rubens Henriques (gestão de ativos).
O terceiro núcleo envolve os comitês temáticos, que reúnem outros sócios em discussões sobre crédito, risco e modelagem de investimentos. São eles que sustentam a máquina que permite ao BTG executar investimentos bilionários com velocidade.
Um caso recente que ilustra bem a forma de trabalhar do partnership é a entrada na Cosan, negócio que envolveu um cheque total de R$ 4,5 bilhões. A operação transformou o grupo de sócios do BTG no maior acionista individual do conglomerado de Rubens Ometto, que vive uma crise de endividamento causada pela Raízen e por uma aposta mal-sucedida na Vale.
Eis o modus operandi. A operação foi estruturada pelo BTG e oferecida aos fundos administrados pelo banco abertos ao público, que têm prioridade.
O fundo de infraestrutura gerido pelo BTG alocou R$ 600 milhões no negócio. Como os fundos de private equity têm um limite de exposição de 25% do seu patrimônio, esse era o valor o máximo que o veículo em questão poderia investir. Em seguida, a mesma oportunidade foi aberta a clientes institucionais e de alta renda – que aportaram outros R$ 400 milhões por meio de coinvestimento.
Só depois desse duplo filtro (fundos e clientes) foi que a operação chegou aos sócios do BTG, que completaram o cheque com os R$ 3,5 bilhões restantes, ganhando maior peso nessa composição. O partnership nunca disputa com o cliente, mas completa a operação – muitas vezes com o maior cheque.
Luiz Cezar Fernandes, fundador do Pactual e um dos poucos que acompanharam as duas eras do banco por dentro, lembra que o negócio envolvendo a Cosan é o que diferencia os sócios do BTG. “O banqueiro de investimento entra onde o banco comercial não entra: em empresas pressionadas, nas operações complexas – naquilo que precisa ser salvo”.
No caso da Cosan, com alto endividamento, o que os sócios do BTG viram foi um potencial de retorno alto com a reestruturação da dívida e a exposição a setores onde a capacidade de execução faz toda a diferença – ferrovias, combustíveis e terras agrícolas. Esse diferencial colocou o grupo de Ometto exatamente no tipo de jogo que o BTG gosta de jogar. “A estratégia é sempre oportunística, no bom sentido. É entrar no ponto mais baixo para criar valor”, prossegue Cezar, em entrevista ao InvestNews.
O avanço do partnership para dentro da economia real também ampliou, de forma inevitável, o raio de influência de André Esteves nas conversas com Brasília.
Um banco que estrutura operações de financiamento para grandes empresas já é relevante; agora um banco cujos sócios têm participações expressivas em setores que empregam milhares de pessoas, operam infraestrutura crítica e afetam preços regulados ocupa um degrau completamente diferente.
Erros…
O começo da trajetória de André Esteves e dos sócios do BTG como força empresarial não seguiu um linha reta rumo ao sucesso.
Um dos primeiros investimentos do grupo, a BR Pharma, nasceu em 2009 com a ambição de consolidar redes regionais e criar uma gigante nacional do varejo farmacêutico. Dona da bandeira Farmais, a companhia enfrentou problemas de integração, não conseguiu capturar sinergias e acumulou prejuízos. Dez anos depois, a empresa teve sua falência decretada pela Justiça, com dívidas que superam R$ 1 bilhão.
Mas nenhum revés se compara ao da Sete Brasil, empresa que o BTG pagou US$ 1 bilhão em 2012 para ter 30% do negócio. O projeto, concebido para criar a frota de sondas do pré-sal, ruiu em meio a denúncias de corrupção, atrasos crônicos e contratos inviáveis. Um “super fiasco”, nas palavras do próprio Esteves. O colapso da Sete Brasil ganhou força na Lava-Jato e respingou diretamente no BTG. Em novembro de 2015, André Esteves, então CEO do banco, foi preso preventivamente e ficou um mês detido.
Anos depois, em 2018, o STF arquivou um dos processos e, em 2020, suspendeu outro, mas o episódio deixou marcas profundas, exigiu uma reestruturação interna e redefiniu a percepção de risco dentro da casa. O BTG continuou entrando onde o mercado hesitava, mas passou a escolher melhor os terrenos onde pisa. O episódio também fortaleceu o núcleo duro de sócios para além de Esteves.
…e acertos
A Eneva foi uma das apostas mais bem-sucedidas do grupo de sócios do BTG. Originária da MPX Energia, uma das empresas de Eike Batista, a companhia entrou em recuperação judicial em 2014 com cerca de R$ 2,3 bilhões em dívidas – um dos casos mais sensíveis do setor elétrico brasileiro.
No ano seguinte, os credores optaram por converter parte da dívida em ações. E o BTG acabou se tornando um dos principais acionistas. No ano passado, após um aumento de capital, o BTG e o partnership ampliaram sua posição e passaram a deter 48,06% do capital da Eneva, tornando-se o maior acionista da companhia, que é uma das maiores operadoras de usinas termelétricas do Brasil, rivalizando com a Âmbar Energia, dos irmãos Batista.
Outros investimentos promissores são a V.tal, rede neutra de fibra óptica, e a Nio, provedora de internet, ambas derivadas do processo de recuperação judicial da Oi. Na V.tal, o BTG fez parte de um consórcio que pagou R$ 12,9 bilhões por 57,9% das ações da companhia, enquanto a Nio custou cerca de R$ 5,8 bilhões.
Há também negócios menos visíveis, mas muito relevantes, como a Engelhart, trading de commodities que nasceu dentro do BTG, e o Timberland Investment Group (TIG), braço florestal do banco, que compra, administra e arrenda áreas para produção de madeira e projetos de carbono.
Outras apostas recentes vieram da compra de ativos diretamente de Daniel Vorcaro, controlador do Banco Master, liquidado extrajudicialmente pelo Banco Central. Por R$ 1,5 bilhão, o grupo de sócios do BTG levou ações da Veste, Metalfrio e Light – nas três empresas, o BTG figura entre os principais acionistas. Além disso, o pacote incluia o hotel Fasano Itaim, um ícone imobiliário de São Paulo.
Donos
A ideia de que o BTG pudesse ir além do investment banking não é nova e nasceu ainda no Pactual original, nos anos 1980, quando Luiz Cezar Fernandes tentava convencer seus sócios André Jakurski e Paulo Guedes de que seria possível ter um banco capaz de aconselhar, financiar e, quando necessário, virar sócio dos clientes.
Quem acabou executando aquilo que Cezar idealizou – e em uma escala ainda maior do que ele próprio imaginava – foi André Esteves, o estagiário quieto que entrou no Pactual em 1989 e nunca mais saiu daquele universo.
Recentemente, viralizou uma foto de André Esteves sozinho lendo jornal na sede do BTG no que parece ser um fim de semana, gerando curiosidade nas redes sociais.
Quem convive com ele garante que aquilo é rotineiro. Esteves repete em palestras e entrevistas que a única forma de construir algo duradouro é cercar-se de gente tão boa quanto ou melhor. “Aqui eu contrato donos, não funcionários”, costuma dizer.
Na prática, isso significa povoar o BTG de pessoas que tratam cada decisão como se o capital fosse delas – porque, em boa parte dos casos, é mesmo.
Procurado pelo InvestNews, o BTG não comentou.
