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CEO da Kepler: Nosso grande desafio é reduzir o déficit de armazenagem agrícola

Líder do segmento no Brasil fala dos planos para reduzir problema que deve chegar a 100 milhões de toneladas na safra de 2022.

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O Brasil enfrenta um grande problema para armazenar a sua produção agrícola. Para a próxima safra, que deve chegar até meados de 2022, pelo menos 100 milhões de toneladas de grãos e cultivos vão ficar sem condições adequadas de estocagem.

Neste cenário, a small cap Kepler Weber (KEPL3), apontada por analistas como o “celeiro” do Brasil, está nadando de braçada. Prova disso foi o salto de 78,7% no seu lucro líquido no terceiro trimestre de 2021, quando a companhia alcançou R$ 41,1 milhões, favorecidos pelo recorde histórico na receita líquida e Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado, na ordem de R$ 330,5 milhões e R$ 63,3 milhões, respectivamente.

Em entrevista ao InvestNews, o CEO da Kepler, Piero Abbondi, apontou que este déficit de armazenamento é uma das principais oportunidades de crescimento da companhia nos próximos anos. “Esse déficit de 100 milhões de toneladas representa um potencial absurdo para a Kepler transformar em demanda”, afirma.

As ações parecem refletir este cenário, segundo dados da Economatica Brasil. No acumulado de 2021, os papéis da Kepler Weber (KEPL3) valorizaram 9,37%, resilientes se comparados com a queda do mercado. No mesmo período, o Ibovespa recua 12,19%, enquanto o índice Small Caps tem baixa de 16,11%.

A Kepler Weber é a maior produtora de silos metálicos no Brasil, com 40% de participação de mercado, mas também atua em diversas áreas da pós-colheita, com atividades que englobam o armazenamento e secagem de grãos, serviço de manutenção e movimentação em granéis.

Segundo analistas, um dos principais desafios da companhia era depender menos do financiamento do governo para que os produtores rurais comprem os silos. Abbondi explicou ao InvestNews que metade das vendas dos silos da companhia são feitas por meio de financiamentos.

Estas linhas de crédito do governo davam aos produtores acesso a empréstimos de até R$ 25 mil, com uma taxa prefixada e um prazo de 12 anos. No entanto, nem todo produtor rural era aprovado para receber o financiamento, diminuindo assim a compra de silos.

Por este motivo, a Kepler trabalha em novas alternativas para garantir novos formatos de crédito para os produtores rurais que precisam comprar um silo, reduzindo assim a forte dependência do setor agrícola brasileiro dos recursos do BNDES e Plano Safra. Confira:

Esta entrevista faz parte do quadro do InvestNews CEO Responde, que traz cinco perguntas sobre as principais dúvidas do mercado sobre negócios de capital aberto. Confira o que já foi publicado:

  • CEO da PDG: após recuperação, cautela é a palavra de ordem
  • CEO da Oncoclínicas: troca de liderança levará companhia a um próximo nível
  • CEO da Wiz: novos parceiros vão fortalecer receita após saída da Caixa

InvestNews – O lucro líquido da Kepler saltou 78,7% no terceiro trimestre, com receita operacional recorde. O que impulsionou o bom desempenho?

Piero Abbondi – O terceiro trimestre foi uma sequência de eventos que iniciaram em 2020 em um momento bom do agronegócio brasileiro.

No Brasil, a soja e o milho têm se desenvolvido favoravelmente. São produtos que estão crescendo significativamente no país, que está perto de produzir 300 milhões de toneladas de grãos todo ano. Essa produção tem um crescimento de em média 5% ao ano, em diversas situações de colheita e apesar de mudanças climáticas.

Temos também a conjuntura global com o Brasil e os Estados Unidos como os maiores fornecedores destes produtos, com uma demanda elevada.

Então, em 2020, o produtor rural viu sua produção aumentar, com situações favoráveis de mercado, rentabilidade. É natural que ele queira investir no negócio dele. E os produtos da Kepler trazem eficiência para esse produtor.

O Brasil enfrenta déficit de armazenagem, a próxima safra prevista é de 290 milhões de toneladas, destas, o país tem capacidade de armazenar apenas 190 milhões de toneladas. Ou seja, há um déficit de 100 milhões de toneladas. Enquanto os Estados Unidos conseguem armazenar a safra inteira todo ano, o Brasil ainda não consegue.

No Brasil, a maioria desse déficit, 14% dele, está localizado no campo. Então o ganho para o produtor rural ocorre em duas frentes: na eficiência de ter um produto melhor, padronizado. E ao eliminar as perdas que você tem ao vender uma safra às pressas, contratando fretes.

Tem ainda o fator da segurança alimentar. O Brasil precisa estocar produto para consumir. Não existem épocas regulares na agricultura, por isso é importante a estocagem. Pegando todos esses fatores, temos um cenário muito positivo para a Kepler e vemos que isso deve continuar nos próximos anos.

IN$ – A Kepler teve a seguinte divisão na receita em suas linhas de negócios: armazenagem (63%), granéis (6%), peças e serviços (15%) e exportações (16%). Qual a radiografia do momento? O que o investidor pode esperar para o final de 2021?

Piero Abbondi – Não teremos uma grande mudança no perfil destas linhas. Quando falamos de armazenagem, estamos falando de uma área muito relacionada ao Brasil, com fazendas, cooperativas, produtores rurais e indústria.

Armazenagem já era nosso carro-chefe em 2020, e continua assim. O faturamento desta área saiu de 63% no acumulado de 2020 para 74,4% nos nove meses até setembro, em 2021. Se compararmos um terceiro trimestre com o do ano anterior, a receita de armazenagem saltou 129%, mais que dobrou de tamanho.

Temos a área de reposição e serviços, que inclui todo o pós-vendas, com peças, reformas, manutenção dos equipamentos, que tem uma vida longa. Este serviço nos aproxima do produtor rural e está crescendo bastante.

São cinco centros de distribuição, em Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Matogrosso e Matogrosso do Sul. Temos um serviço muito bom de suporte ao produtor. Em nove meses, esta área já representa 14,5% do faturamento da Kepler em 2021.

Depois tem a área de exportação que tem respondido bem com um câmbio competitivo. Somos líderes na América Latina e temos grandes projetos de exportação para África e Ásia. Até o terceiro trimestre, as exportações representam 10,8%.

Em 2020, o faturamento foi maior por um projeto grande no Peru, mas apesar disso as exportações estão crescendo.  

Por último, temos a área de Granéis Sólidos, para transporte e armazenagem em portos e terminais. Esta área não está crescendo muito, representa até o momento 0,3% do faturamento da Kepler. Mas isso vai melhorar porque fechamos um contrato que vai propiciar crescimento em 2022 para este segmento.

Teremos investimentos no futuro no Arco Norte, que é a saída para exportação através da bacia do Rio Amazonas e da ferrovia Norte Sul que percorre os estados de Goiás e Tocantins, para o porto de Itaqui.

Também vemos investimentos robustos nos portos do Sul, mais maduros e mais tradicionais, mas que continuam investindo recursos para fazer frente a esse crescimento.

A fotografia da nossa receita é essa: armazenagem puxando, peças e serviços da mesma forma, exportação performando bem e granéis com pedidos que vão gerar crescimento em 2022.

IN$ – Existe um déficit de 100 milhões de toneladas de armazenagem por safra. No Brasil, só 14% das fazendas têm silos. Como o Brasil pode superar isso, considerando também dificuldades logísticas? E como a Kepler se beneficia disso?

Piero Abbondi – Olhando para essa nova safra 2021/2022, que deve terminar na metade de 2022, a estimativa de produção é de 290 milhões de toneladas, das quais o Brasil vai conseguir armazenar apenas 190 milhões. Então temos um déficit de 100 milhões de toneladas.

O produtor rural convive com esse déficit. Ele está colhendo milho, e logo precisa tirar o estoque da soja guardado para estocar o milho e vice-versa.

E não é nada agradável para esse produtor vender a colheita porque ele precisa. Sem contar que muitos produtores, que residem na mesma região, possuem o mesmo ciclo de safra. Então, nesses períodos, aumenta a demanda do frete, existe pressão nas vendas, porque todo mundo está tentando vender ao mesmo tempo.

O produtor rural poderia ganhar mais processando seu produto. Mas se ele colhe e não tem onde processar, vai ter que vender a colheita em um sistema chamado soja balcão.

Ele chega lá e entrega a soja. O pessoal avalia o grau de pureza, e dá um desconto sobre isso. Se ele não gostar ou concordar, vai fazer o quê? Ele colheu na semana, levou 200 caminhões. Vai retornar com os 200 caminhões para colocar a soja onde?

Então, o preço da soja no balcão é muito pressionado. Se esse produtor tivesse condições de processar e armazenar a soja, primeiro que não precisaria de um frete tão longo, ele processaria, receberia, limparia, secaria e armazenaria com tranquilidade.

Ele também pode vender quando quiser, porque a soja pode ficar armazenada meses, até mesmo anos, ele vai poder vender no melhor momento.

Do lado da logística brasileira, existe também uma pressão muito grande para estocar. Mas convenhamos que não dá para acabar com uma safra, de 4 ou 5 meses, exportando tudo de uma vez. É melhor estocar na origem e depois ir usando a logística de maneira mais uniforme ao longo do tempo.

Temos também a segurança alimentar, eu gosto de citar o caso do arroz, cujo impacto foi nítido em 2020 no bolso do consumidor. O Brasil exportou mais do que tinha, esgotou seus estoques e o preço parou.

Se tivéssemos estoques mais regulados, essa pressão sobre o preço diminuiria, sem picos nem vales grandes, normalizando ao longo do ano. É um jeito de evitar oscilações bruscas.

Então é importante para o Brasil, para o produtor, para a logística e para a sociedade ter essa dinâmica. Esse déficit de 100 milhões de toneladas representa um potencial absurdo para a Kepler transformar em demanda. Esse é o nosso grande desafio como empresa líder, com 40% de participação no mercado.

IN$ – O crédito para comprar um silo da Kepler também é um desafio. Vocês dependem muito do plano Safra para financiar produtores rurais. Como estão contornando isso?

Piero Abbondi – O maior desafio da Kepler hoje é mostrar para o produtor que investir em silo é um bom negócio, porque em 5 ou 6 anos seu negócio terá uma eficiência maior.  Então queremos transformar esses 100 milhões de toneladas com déficit de armazenagem em demanda para a companhia.

Todo o setor agrícola brasileiro se baseia muito no financiamento do BNDES, segundo o último Plano Safra, eles oferecem linhas de crédito de 12 anos com juros entre 5,5% ao ano e 7% ao ano.

Mas muitos produtores neste setor têm procurado alternativas no crédito privado, que negociam com preços de mercado, geralmente CDI + um spread bancário. A Kepler Weber está procurando linhas de financiamento adequadas para o produtor rural, até porque metade das nossas vendas dos silos são feitas por meio de financiamentos.

Estamos trabalhando em uma alternativa adicional além do crédito privado, do BNDES, para facilitar a vida de quem quer comprar silo. Nossos clientes precisam de financiamento, o governo tem feito esse papel de forma relevante, assim como outras instituições, mas vemos que com investimentos como Fiagro há condições favoráveis para o setor, como isenção tributária, agilidade de captação dos fundos imobiliários, entre outros.

Ajuda a reduzir bastante a dependência do governo e é uma oferta além das existentes no mercado para financiamento.

IN$ – Como a saída da Previ do quadro de acionistas beneficiou a Kepler e os investidores da companhia?

Piero Abbondi – Em relação ao Banco do Brasil e a Previ, eram acionistas tradicionais, que estavam bastante tempo na empresa, cada um tinha 17,5% do capital da Kepler, juntos eles tinham 35% e um acordo de acionistas, ou seja, votavam juntos.

Era um bloco importante, não eram maioritários. Na época, o segundo acionista tinha 15% da companhia. Eram acionistas importantes. Não foi novidade a saída, porque já fazia um tempo que eles tinham anunciado que tinham interesse em desinvestir, sair da empresa por diferentes razões.

O Banco do Brasil, por acreditar que não fazia sentido para o banco. Se olhar para a empresa, a Kepler tem R$ 1,5 bilhão de valor de mercado na bolsa aproximadamente, ter mais de 15% do capital é bastante dinheiro, mas acredito que para o Banco do Brasil não era a prioridade.

E a Previ tem dois fundos, a gente participava justamente de um que estava pagando bastante beneficios, mas eles precisavam de liquidez e acharam bom sair.

A saída foi prevista há 2 anos, mas eles saíram quando a empresa estava retomando a sua rentabilidade e liderança.

O que muda para o investidor da Kepler? Bom, agora estamos com mais gente de mercado. Olhando para a nossa base societária, temos como maior acionista a Tarpon Investimentos com participação de 25,9%, seguida da Família Heller com 11,4%.

Temos dois bancos e fundos, o Banclass com 8,6%, o Norges Bank com 6,8% e a gestora Trígono com 10,3%.

São acionistas de mercado que trazem profissionalismo e uma dinâmica muito maior para a companhia, porque o Banco do Brasil e a Previ eram mais estáveis, estavam mais tempo na companhia.

Os acionistas atuais têm uma participação menor. Não posso afirmar que somos uma corporation, mas não temos nenhum grande acionista, nossa participação societária é diluída. Isso abre caminho para novos fundos aplicarem, ou ETFs investirem na Kepler.

Esses movimentos garantem maior liquidez, que está muito melhor se comparada a anos anteriores. Isso é ótimo para o acionista, porque ele precisa ter a rentabilidade de investir na ação no longo prazo, ganhar dividendos, mas também ter a questão da liquidez. No momento que ele quiser sair da ação, tem uma porta de saída disponível. Isso é importante.

A Kepler quer entregar bons resultados para o investidor de longo prazo. Queremos que aquele investidor fundamentalista pense “essa empresa tem resultados robustos”, pode ser que ocorram solavancos de vez em quando, como na pandemia, mas somos uma empresa robusta para passar com tranquilidade por tudo isso.

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