Negócios

Facundo Guerra: ‘Bilionários são descolados da realidade’

Crítico de Elon Musk, empresário conhecido como ‘rei’ da noite paulistana desengavetou projetos antigos na pandemia e já atrai fila de adeptos do turismo sustentável.

Publicado

em

Tempo médio de leitura: 12 min

“Escultor” de novos empreendimentos, o empresário Facundo Guerra, também conhecido como o ‘rei da noite paulistana’, vive hoje, aos seus 47 anos e em meio à pandemia, uma tentativa de ressignificar o capitalismo como filosofia de vida.

O CEO do Grupo Vegas foi responsável pela gestação de mais de 20 negócios do entretenimento paulistano, entre eles grandes nomes como Volt, Z Carniceira, Cine Joia, Lions Nightclub, Yatch, Mirante 9 de julho, Blue Note, Bar Riviera, Panam e o icônico Bar dos Arcos, criado no subsolo do Theatro Municipal e que, antes da pandemia, era considerado um dos bares mais badalados de São Paulo.

Leia também:

Na pandemia, Facundo sentiu na “pele” os impactos da crise. Vendedor de experiências e não de produtos, como ele se autodenomina, o empresário não quis digitalizar seus negócios ou se render aos prazeres dos aplicativos de delivery. “A experiência que eu entregava aos clientes no Bar dos Arcos não seria possível de entregar por meio do Ifood”, comenta. Foi por este motivo que ele decidiu entrar no “modo avião” e olhar para antigos projetos.

Um deles era o Altar, que segundo o empresário reflete exatamente o momento em que ele vive hoje: um Facundo na meia idade. “Ter uma boate fazia sentido aos meus 30, uma casa de show aos meus 35, um clube de jazz aos 40. Meus negócios refletem as minhas vontade e verdades”, afirma.

A verdade de Facundo hoje é que, chegando perto dos 50 anos, ele procurava um lugar para se recolher em meio ao caos da sociedade, por isso desengavetou um projeto que havia idealizado há cinco anos, e deu o nome de Altar.

Interessado em todos os assuntos que lembram o apocalipse e o fim do mundo, o empresário queria se sentir pronto para este momento, por isso decidiu deixar um lugar apartado na natureza, escondido e longe de qualquer condomínio para poder se reencontrar. Foi assim que ele decidiu criar pequenas casinhas modulares, ao estilo tiny houses, e que fossem autossuficientes, com energia solar e descarte de resíduos sustentável.

Ele imaginou que na pandemia elas se tornassem refúgios para as pessoas que precisavam sair da rotina e do isolamento social em segurança.

Com ajuda dos sócios Rodrigo Martins, Renata Vagmolese e Marcelo Hannud, este último dono da Fazenda Pedra Alta, em Joanópolis, localizada a 150 km de São Paulo, lançou no começo de 2020 a primeira hospedagem flutuante ao mercado.

A primeira casa foi a Altar Flutuante, um investimento de R$ 500 mil. A casa modular tem uma área de 62 metros quadrados e se encontra flutuando no meio da represa do Jaguari ao pé da Serra da Mantiqueira.

A casa possui técnicas modernas de engenharia e fica ancorada, não muda de posição, mas pode mudar de orientação de acordo com a direção do vento, o que permite aos hóspedes acordar sempre com uma paisagem diferente.

Embora isolada, é possível acessá-la por meio de uma lancha, está equipada para acomodar quatro pessoas, tem cozinha, Wi-fi e todas as comodidades necessárias. O Altar Flutuante faz sucesso no Airbnb e, apesar das suas diárias de R$ 1.261, tem fila de espera até meados de 2022.

Altar Flutuante/Reprodução Airbnb

Ainda nesse mesmo estilo, mas em terra firme, à beira da represa do Jaguari, fica o Altar Prainha. É a segunda casa modular de Guerra, com acesso a uma praia privativa. A hospedagem tem móveis ao estilo modernista Westwing e enxoval Trousseau. Apesar de ter fácil acesso ao uso de carro, também tem uma cozinha bem equipada, com utensílios da francesa Le Creuset.

Esta segunda casa precisou de um investimento de R$ 350 mil e possui uma área de 55 metros quadrados internos e 45 externos. Foi inaugurada em janeiro de 2021 e já tem fila de espera até o final do ano.

Altar Prainha/Reprodução Airbnb

O sonho de Facundo é ter 50 destas casas modulares até 2023. Agora, o próximo passo é a chegada de uma terceira casa flutuante, também próxima da fazenda Pedra Alta que, segundo o empresário, deve chegar ao mercado até julho.

Em entrevista ao InvestNews, Facundo Guerra fala de seus novos projetos e como a pandemia mudou sua visão de empreendedorismo e sucesso.

InvestNews – Você usa muito o conceito ‘destruir para criar’. Foi o que o fez trocar o entretenimento pelo turismo sustentável?

Facundo Guerra – Na verdade, eu faço entretenimento, uso meus negócios para contar histórias que podem ser minhas ou de sócios, então a partir do momento que você tem a ferramenta do entretenimento, passa a usar os locais como ponto de expressão.

Posso fazer isso com um bar, um restaurante, um serviço de hotelaria, uma pousada e várias estruturas. Não preciso me prender apenas a um bar ou uma balada.

Sempre tentei não me prender a locais. Já criei bar, restaurante, cinema, casa de show, boate, centro cultural e até fiz projetos corporativos. Tenho um mecanismo de empreender diferente, que posso aplicar em qualquer lugar, desde que seja verdadeiro e acredite na proposta. Posso usar até uma fábrica de parafuso.

IN$ – Como surgiu a ideia do Altar com casas autossuficientes e flutuantes?

Facundo Guerra – Meus empreendimentos refletem minhas transformações. À medida que vou evoluindo como ser humano, percebo que não quero fazer as coisas apenas para ganhar dinheiro.

Ter recursos é importante e sou capitalista, mas ganhar dinheiro a qualquer custo destruindo capital ambiental, social não é algo que desejo.

Me preocupo com a minha imagem de empresário, as consequências dos meus atos, o mundo que vou deixar para minha filha. Quero ganhar dinheiro, mas também dormir bem à noite, coisa que grande parte do empresariado brasileiro não pode fazer porque comete grandes crimes em nome da riqueza.

O Altar reflete esse novo momento que estou vivendo, com 47 anos, na meia idade. Tive essa ideia cinco anos atrás, não porque tenho bola de cristal, mas porque acredito que nosso futuro é criado no presente, então me questionei. Quais os problemas hoje que podem ser resolvidos com algum produto? Quais os incômodos da cultura atual?

Sobre a sustentabilidade do projeto, não é uma pauta atual, falamos de aquecimento global desde a década de 1990. Sempre houve debates sobre o apocalipse.

Sou um cara curioso, consumo muita cultura, newsletters, documentários, converso sempre com minorias políticas e vou absorvendo informação e aplicando aos meus negócios. Você vê uma ideia e sabe “Isso aqui vai virar algo grande”, porque a sociedade está cheia de problemas e todos tentamos criar um futuro melhor.

IN$ – A necessidade de um refúgio espiritual era uma dor do seu público?

Facundo Guerra- Não, era uma dor minha, eu não construo para o público e sim para mim. Como vivo na internet, tenho a sorte de encontrar no caminho pessoas com gostos semelhantes aos meus.

Mas não conheço a profundidade do meu público, não sei o que é geração Z, millenials, e não estou interessado em descobrir, também não gosto de classificar as pessoas em “caixas” ou grupos sociais, então criei algo para mim e a minha rede gostou.

Criei um produto/serviço que tem sensibilidade com a diversidade, preocupação com o futuro. Gosto de pensar que é um produto no qual as pessoas percebem que me dediquei.

Sobre meus consumidores, estou procurando aqueles que respeitam o próprio dinheiro e sabem seu valor. Não procuro a elite ou a classe A. Claro que, dentro deste grupo, também há pessoas com bom gosto, mas o gosto não tem a ver com a classe social. Pessoas sem riqueza também podem ter bom gosto.

Não estou sozinho nessa jornada, existem pessoas que dão valor ao dinheiro, semelhantes a mim, e que vão se identificar com meus empreendimentos. É para elas que eu me direciono.

IN$ – O que vem depois de Altar Prainha e Altar Flutuante?

Facundo Guerra- Altar Flutuante está com fila de espera até meados de 2022 e Altar Prainha até o final do ano. O objetivo é ter um total de 50 casas modulares, entre flutuantes e não flutuantes, até 2023.

Em julho teremos uma terceira casa flutuante perto da fazenda Pedra Alta, em Joanópolis. E, até o final de 2021, devemos construir entre 3 e 6 novas casas, mas ainda não podemos revelar os locais. O investimento previsto para estas 6 novas casas é de R$ 3 milhões.

IN$ – Você vai deixar de ser o ‘rei da noite paulistana’ para focar no Altar?

Facundo Guerra- Não tenho a pretensão de ser o rei de nada, nem um conde ou duque, quero tocar meus negócios e ser feliz no processo. Neste momento estou vivendo um dia após outro, sem pensar muito no futuro. Então ainda não faço ideia se ficarei apenas com Altar ou com os outros empreendimentos, vamos ver o que futuro me reserva.

IN$ – Muitos empreendedores do entretenimento fecharam as portas na crise. Ainda há futuro para o setor?

Facundo Guerra – O ramo de alimentos, bebida e hotelaria é muito difícil. Primeiro porque o brasileiro não sabe empreender, então tem dificuldade em iniciar um negócio, tem gente que comete muitos erros que se mostram fatais depois de anos ou meses.

Infelizmente, o setor de alimentos e bebidas não permite muitos erros, as margens são pequenas. Se você errar muito no começo, por falta de planejamento, você quebra.

Acredito que mesmo no pós-pandemia o setor vai ficar muito fragilizado e provavelmente não retome ao tamanho que tinha em 2019. Hoje, para investir em um bar ou restaurante o custo é elevado, as pessoas ainda estão céticas sobre riscos sanitários, outras com problemas financeiros.

No final das contas, pode até ter uma empolgação de novos investimentos na área, mas nada capaz de restaurar o tamanho do mercado que tínhamos em 2019.

IN$ – Na sua visão, quais as principais dores do empreendedor brasileiro hoje?

Facundo Guerra – O empreendedor enfrenta várias dificuldades, não tem acesso a educação para empreender, nem crédito, nem apoio, nenhuma estrutura. Ser empreendedor no Brasil é uma decisão muito dura e ao mesmo tempo não dá para fugir disso porque não tem emprego no país.

Então vivemos um paradoxo: por um lado não temos emprego, e por outro não existe apoio para o empreendedorismo. Até as narrativas de sucesso são associadas a emprego, concurso público, muitas vezes o empreendedor não tem o apoio nem da família para começar.

IN$ – Que conselho você daria aos empreendedores nesta crise?

Facundo Guerra – Recomendaria que eles estudem muito, se interessem por fazer cursos. O empreendedor é um renascentista, precisa conhecer de finanças, marketing, contabilidade, recursos humanos. A reinvenção faz parte disso também, mas é uma decisão individual.

Outro conselho é que a dor é uma grande professora e a esperança é inimiga do empreendedor. Vejo muita gente levando prejuízo nos negócios há meses e insistindo neles, acreditando que a situação vai mudar. É preciso aceitar o luto dos CNPJs que se foram e mudar o rumo se necessário.

IN$ – Você critica abertamente Elon Musk, o fundador da Tesla. Por que não o vê como exemplo de inovação e empreendedorismo?

Facundo Guerra – Os bilionários são descolados da realidade, pessoas que nem se enxergam mais como humanos. Acho muito tóxico um homem falar que a terra não tem salvação e devemos ir para Marte. Ou que, para lidar com o aquecimento global, devemos produzir milhares de carros elétricos, sendo que isso cria outros impactos como usar lítio para produzir baterias que depois precisarão ser descartadas.

Precisamos repensar o capitalismo, que infelizmente é a melhor forma de distribuição que temos na atualidade, mas se continuarmos com esse capitalismo que inventamos veremos nosso próprio fim como humanos.

A solução para os nossos problemas não é comprar um Tesla para aliviar a consciência, e sim usar bicicleta ou transporte público. Também não é saída querer ir para Marte.

Considero Elon Musk um homem tóxico, que manipula o mercado, ele é inseguro e vive de polêmicas para chamar a atenção. Não podemos de forma alguma colocar ele como o modelo de empreendedorismo.

O empreendedor ideal para mim é a mulher negra da quebrada que faz bolo para vender, para sustentar a família de três filhos sem pai. Essa mulher que faz seu negócio sobreviver a despeito de todo deveria ser sim considerada um exemplo de empreendedorismo.

IN$ – Seu projeto de distribuir notas de R$ 50 para moradores de rua faz parte desse capitalismo diferenciado? Como funciona?

Facundo Guerra – Fiz umas fotos de São Paulo e se alguma pessoa quiser a foto em alta resolução para pendurar em sua sala, peço que doe R$ 250, que serão divididos em notas de R$ 50 e entregues para as pessoas de rua.

A pessoa só precisa fazer sua doação e enviar o e-mail que devolvo com a foto. Mas isso não é um projeto de altruísmo, não é sobre mim, fiz esse projeto para que as pessoas tenham a experiência de enxergar os moradores e ter a experiência inesquecível de doar.

A sociedade vive com tanto medo atualmente que se tornou insensível, não consegue enxergar os outros, muitos menos um dependente químico ou um morador de rua. Então o projeto tem esse propósito, de ajudar as pessoas a enxergar além delas mesmas.

Mais Vistos