Negócios
Hora de dar o troco? FedEx entra na disputa com Amazon por reinado no e-commerce
Ao lançar sua própria plataforma de e-commerce, gigante de entregas quer demarcar território ocupado pela rival, que a destronou em volume de encomendas.
Em uma clara ofensiva contra a Amazon, a empresa de entregas postais FedEx vai lançar sua própria plataforma de comércio eletrônico. O serviço, baseado em dados, visa ajudar varejistas a gerir sua cadeia de abastecimento, vendas e entregas. Com uso de inteligência artificial, a companhia pretende ainda oferecer informações precisas sobre remessas e hábitos de consumo.
O movimento acontece em um momento no qual a Amazon destronou a FedEx e rivais como maior negócio do entrega nos Estados Unidos, superando em volume de encomendas tanto a gigante de entregas retratada no filme “Náufrago” (com atuação icônica de Tom Hanks), como o UPS – os “Correios” dos Estados Unidos.
A questão é que, até 2019, a companhia fundada por Jeff Bezos era uma das maiores clientes da FedEx. Mas desde 2020 passou a fazer suas próprias entregas – o que a fez superar rapidamente as rivais. Em 2022, a Amazon entregou 5,2 bilhões de pacotes nos EUA e a previsão para 2023 era de 5,9 bilhões. Até antes do Dia de Ação de Graças, em 23 de novembro, a companhia havia atingido 4,8 bilhões de entregas.
Para base de comparação, o UPS entregou 3,4 bilhões de encomendas nos nove primeiros meses de 2023; a Fedex, 3 bilhões no ano fiscal encerrado em 31 de maio de 2023.
Os números mostram que o desafio da FedEx não vai ser fácil, uma vez que a Amazon já detém 37% do market share do e-commerce nos EUA, mostram dados do Statista. A segunda posição é abocanhada pelo Walmart, com 6%.
Há uma década, quando a Amazon ainda era a maior cliente das rivais americanas, alguns analistas e até mesmo Fred Smith, CEO e fundador da FedEx, chegaram a zombar da ideia de que algum dia a companhia poderia superá-las. O tempo provou que eles estavam errados – apesar das mais de 600 aeronaves, milhares de caminhões, carros e instalações pelo mundo das rivais.
Ainda assim, nada desmerece o fato de a FedEx ser um dinossauro do setor de entregas. Brian Ossenbeck, analista do JP Morgan, apontou que, embora a Amazon tenha dominado o segmento de entrega residencial, ainda não conseguiu replicar sua cobertura global.
“A Amazon é muito boa na rede unidirecional, entregando mercadorias em velocidades mais rápidas, mas não tem o mesmo nível de cobertura de coleta e entrega [que as rivais]”.
Brian Ossenbeck, analista do JP Morgan.
Ao InvestNews, Marcelo Costa, Country Manager da Sellesta, startup internacional que oferece soluções de e-commerce baseadas em IA, apontou que o sucesso da FedEx no varejo online vai depender da sua capacidade de oferecer um serviço tão – ou mais – eficiente e flexível que o da Amazon.
“Para que a FedEx fique à frente da Amazon, é preciso investir na experiência do cliente como principal objetivo do negócio”, avalia.
O especialista aponta que o objetivo do comércio eletrônico é, acima de tudo, facilitar a jornada do cliente e, somado a isso, a companhia vai precisar focar em diferenciais competitivos, além de maior agilidade e precisão das entregas.
Para Alberto Serrentino, consultor especializado em varejo e consumo, não se trata de uma competição entre duas empresas de logística, mas entre ecossistemas. “A Amazon, na verdade, está ancorada num ecossistema de negócio em que a demanda que ela própria gera dá escala, massa crítica e inovação que depois vende para terceiros”.
“A Amazon começou do e-commerce para serviços logísticos. Já a FedEx vai dos serviços logísticos para o e-commerce”.
Alberto Serrentino, consultor especializado em varejo e consumo.
Para Serrentino, no fundo, a visão é toda de um ecossistema com plataformas sinérgicas e complementares que escalam a capacidade de capturar valor de grandes bases de clientes, infraestrutura e tecnologia proprietária. “A Fedex tem infraestrutura, tem logística, tem capilaridade, tem inteligência, tecnologia, mas vai ter que construir um negócio”, observa.
Ele não acredita que a FedEx consiga se tornar de maneira rápida um grande player de compras, uma vez que o gap entre Amazon e o número 2 nos EUA (Walmart) é gigante no GMV (Volume Bruto de Mercadorias) transacionado.
Ainda assim, pelo fato de o mercado ser grande, é possível que a FedEx consiga capturar um volume relevante, em especial, por ser uma extensão que alavanca seus ativos estratégicos, complementa ele.
“É preciso ver qual vai ser a estratégia de oferta dessa nova plataforma, se vai para o mar aberto como é a Amazon, com sellers de qualquer perfil de produto ou serviço ou se terá algum foco”. Sobre este segundo ponto, o consultor aponta que a FedEx pode encontrar um público não atendido pela companhia de Bezos.
Outro ponto levantado por Serrentino é que os marketplaces dificilmente se sustentam sozinhos, mas evoluindo para plataformas de serviços, sejam financeiros ou logística, por exemplo.
“Os negócios mais lucrativos da Amazon são a WS (serviço em nuvem) e a Amazon Ads (retail media), e não o serviço de entregas. Então a questão é a FedEx agregar serviços em sua plataforma (…) Ela tem uma infraestrutura que permite capturar maior valor”.
ALBERTO SERRENTINO, CONSULTOR ESPECIALIZADO EM VAREJO E CONSUMO.
Sobre esse último ponto, Costa, da Sellesta, aponta que a Amazon tem vantagem competitiva na diversificação de serviços (e-commerce, entregas, computação em nuvem, streaming e IA). Enzo Pacheco, da Empiricus, faz coro ao apontar que o maior lucro da empresa nos nove primeiros meses de 2023 foi proveniente da WS.
“O lucro operacional da Amazon total foi de US$ 23,6 bilhões e só a WS foi responsável por US$ 17 bilhões. O e-commerce não é o grande vetor de crescimento da Amazon, e é isso que muitos não entendem”, ressalta.
Ainda assim, o analista aponta que companhia viu crescer 20% de sua oferta de serviços (varejo e entregas) em sua plataforma.
Desafios à frente
Isso escancara os desafios que a FedEx terá pela frente, desde uma possível resistência inicial de varejistas em adotar a nova plataforma, desafios técnicos no processo de implementação e a necessidade de se adaptar rapidamente às mudanças do comércio eletrônico, segundo o country manager da Sellesta.
“Mesmo com toda sua experiência no setor de entregas, a FedEx precisa proporcionar um atendimento melhor que a Amazon já fornece”.
Marcelo Costa, Country Manager da Sellesta.
Foi em 2018 que a Amazon lançou um programa no qual empreendedores poderiam começar a operar sua própria franquia entregando pacotes da varejista. Para isso, seria necessário dispor de US$ 10 mil. Atualmente, o programa tem cerca de 200 mil motoristas nos EUA, ajudando a empresa a acelerar rapidamente o número de entregas.
O movimento foi inspirado na unidade terrestre da FedEx, que também utiliza um modelo de contratante para rotas locais.
Império em expansão
A Amazon viu oportunidade para expandir seu alcance ao abrir centenas de galpões logísticos e centros de triagem, praticamente dobrando o tamanho da sua rede entre o começo da pandemia em 2020 e o final de 2021.
Perseguindo entregas mais rápidas e lucrativas, a varejista decidiu regionalizar sua rede logística para reduzir a distância pela qual os pacotes viajam pelos EUA – um fator-chave de crescimento e que tem gerado uma maior frequência de compra pelos membros Prime, segundo o CFO da Amazon, Brian Olsavsky, em teleconferência de resultados em novembro do ano passado.
No entanto, essa ofensiva não tem agradado a todos, já que a companhia foi processada pela Comissão Federal de Comércio (FTC) e por 17 estados americanos por exercer ilegalmente poder de monopólio, segundo o Wall Street Journal.
Segundo a agência federal, a Amazon teria violado as leis antitruste ao usar medidas antidesconto que puniam os comerciantes por oferecerem preços mais baixos em outros lugares. O governo também disse que os vendedores foram obrigados a usar seu serviço de logística se quisessem que os produtos aparecessem no Amazon Prime, programa de assinaturas com prazos de entrega mais rápidos.
Tal “vinculação”, diz a denúncia, “restringe ilegalmente as escolhas dos vendedores” e “reduz a seleção de produtos disponíveis para os rivais da Amazon”.
A FTC também disse que os vendedores se sentiram obrigados a usar os serviços de publicidade da Amazon para ter sucesso na plataforma. Para isso, a varejista recebe US$ 1 para cada US$ 2 que o vendedor ganha.
Por sua vez, a FedEx diz estar focada no mercado de comércio eletrônico para além da Amazon, com uma estratégia de democratizar o acesso. A ver os próximos capítulos.
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