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Recuperação x falência: entenda a diferença e a situação da Americanas
No processo de recuperação judicial, a empresa elabora um plano para renegociar dívidas junto aos seus credores.
Nos últimos dias, notícias sobre o pedido de recuperação judicial da Americanas (AMER3) têm afligido consumidores e investidores. Na semana passada, a empresa anunciou inconsistências contábeis da ordem de R$ 20 bilhões, o que resultou na renúncia dos então CEO e CFO da empresa. Mas será que a empresa está perto da falência? O que a recuperação judicial representa na prática?
Sergio Cavalheiro, especialista em direito bancário, financeiro e empresarial, explica que o processo é solicitado quando uma companhia antevê que, em caso de um pedido de falência, não vai ter caixa suficiente para cumprir suas obrigações financeiras. Em geral, o pedido é feito por quem tem dinheiro a receber da companhia, como bancos e fornecedores.
Isso porque, ao entrar com um processo de recuperação judicial, a empresa tem um prazo para estruturar um plano para renegociar suas dívidas junto aos seus credores e evitar uma falência.
“Quando está numa situação de fragilidade de caixa e há o risco dos credores pediram a decretação da falência, o que exigiria o pagamento de obrigações para evitar a falência em si, uma empresa classicamente pede a proteção da recuperação judicial”, avalia.
Em relatório sobre o tema, Iago Garcia, Jennie Li e Rebecca Nossig, analistas da XP Investimentos, escreveram que a recuperação judicial é uma alternativa para três situações adversas: demissões em massa, calotes e o próprio encerramento de atividades. “O objetivo principal é recuperar a saúde financeira da companhia”.
Na visão de Ricardo Thomazinho, sócio e especialista em direito societário e empresarial do Urbano Vitalino Advogados, uma empresa deve fazer o pedido de recuperação em um momento que tenha possibilidade de reverter a situação.
“Ocorre que, no caso da Americanas, ao que parece, ela já pediu a recuperação num momento de estresse financeiro gigantesco”, explicou o especialista.
O que é falência?
De acordo com os analisas da XP, ao contrário da recuperação judicial, um processo de falência tem como objetivo usar o que sobrou de patrimônio da empresa para o pagamento de dívidas, embora possa ou não determinar o fim do negócio. Por isso, são os credores que costumam entrar com o processo. Neste caso, a empresa deve honrar com o valor devido, e, caso não consiga, a falência é então decretada.
Sergio Cavalheiro explica que o pedido de falência pode ocorrer antes que uma solicitação de recuperação judicial seja feito ou até mesmo depois, caso a empresa não consiga cumprir o plano aprovado no curso do processo.
“O descumprimento do plano de recuperação leva a decretação da falência”, esclarece.
Caso Americanas
No caso da Americanas, a Justiça aceitou o pedido de recuperação judicial no mesmo dia da solicitação. A decisão foi da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro e a varejista se juntou a outras 17 empresas listadas na B3 que hoje estão em recuperação judicial.
Segundo Thomazinho, a viabilidade da recuperação é feita por uma análise prévia da justiça e o juiz nomeia um especialista para ver se é viável ou não.
Na decisão, o juiz Paulo Assed Estefan destacou que “trata-se de uma das maiores e mais relevantes recuperações judiciais ajuizadas até o momento no país, não só por conta do seu passivo, mas por toda a repercussão de mercado que a situação de crise das requerentes vem provocando e, por todo o aspecto social envolvido, dado o vultoso número de credores, de empregados diretos e indiretos dependentes da atividade empresarial ora tutelada, bem como o relevante volume de riqueza e tributos gerados”.
Estefan apontou ainda que, “como pontuado no requerimento de Recuperação Judicial, a eventual quebra do Grupo Americanas pode acarretar o colapso da cadeia de produção do Brasil, com prejuízos em relevantes setores econômicos, afetando mais de 50 milhões de consumidores, colocando em risco dezenas de milhares de empregos”.
Americanas pode falir?
Cavalheiro analisa que quando foram divulgadas as primeiras notícias sobre a Americanas, parecia precipitado falar em falência da companhia. Isso porque a administração dizia ser um problema somente contábil, ou seja, não afetaria diretamente o caixa da companhia.
Entretanto, o desfecho foi muito pior. A situação afetou o caixa da empresa já que os bancos credores anunciaram esforços contra a varejista. O BTG Pactual (BPAC11), por exemplo, conseguiu que a Justiça do Rio de Janeiro revertesse decisão que protegia a Americanas de ser cobrada por uma dívida de R$ 1,2 bilhão com o banco.
A Americanas chegou a informar que sua posição de caixa é de R$ 800 milhões, dos quais “parcela significativa” estava “injustificadamente indisponível para movimentação”.
“Se há uma deterioração rápida de caixa e a empresa tem obrigações importantes a cumprir e que passam a ser exigidas antecipadamente, deixa de ser prematuro falar em falência e em risco de falência”, alerta Cavalheiro.
Mesmo com todos os desafios, o advogado acrescentou que as perspectivas de uma recuperação judicial da Americanas são positivas e que é possível reverter o processo de dificuldades financeiras.
“A empresa tinha um posicionamento forte no seu ramo de atuação é uma das principais atuantes. E, sobretudo, o que aconteceu foi uma crise derivada de um problema contábil que gerou uma desconfiança dos credores, antecipando o vencimento de obrigações”.
Próximos passos para a Americanas
A Americans passa a partir de agora por um processo de blindagem, ou seja, todas suas obrigações de dívida ficam suspensas durante o período.
Além disso, tem até 60 dias para apresentar a primeira versão de um plano de reestruturação, com as principais medidas a serem tomadas para o balanceamento de sua estrutura de capital. Também será necessário convocar uma assembleia de credores para aprovar o plano em até 150 dias.
Segundo os analistas da XP, se o plano for aprovado, o processo de recuperação e renegociação dá um prazo de dois anos para que a companhia resolva todas as pendências financeiras. “No entanto, é comum que dure mais que isso, como no caso da Oi”, lembraram.
Caso não seja aprovado, a falência da empresa é decretada e os bens são leiloados.
“Com todo o capital levantado, os credores são pagos por ordem de referência. Os primeiros pagamentos são para os prestadores responsáveis pela administração da falência. Em seguida as obrigações salariais e trabalhistas. Após esses pagamentos, entram os credores restantes por ordem de valor”, explicaram os analistas.
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