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Após salto em vendas, Shopee precisa provar ser capaz de sobreviver no Brasil

Opinião é de especialistas que enxergam cenário desafiador para a varejista de Cingapura que desembarcou no Brasil em 2019.

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A Shopee ainda precisa mostrar que consegue fazer frente ao concorrido mercado de e-commerce no Brasil. Segunda plataforma mais acessada no segmento, a companhia tem sido alvo de críticas, ao mesmo tempo em que sua operação global vem cortando custos – na América Latina, reduziu a presença em alguns países e deixou a Argentina em setembro. Embora a varejista defenda que nada muda por aqui, especialistas enxergam um cenário desafiador também no Brasil.

CEO da Sea Ltd, Forrest Li (Crédito: Bloomberg)

Controlada pelo gigante conglomerado de Cingapura Sea Limited (BDR: S2EA34), a Shopee desembarcou no país em 2019 e, desde então, apresentou um franco crescimento nas vendas. Somente no 4º trimestre de 2021, elas dispararam 400%, somando 140 milhões de encomendas. A política inicial de frete, com custo abaixo dos concorrentes, atraiu um grande número de sellers e ajudou a popularizar a marca. A Shopee possui escritórios em 13 países. No Brasil, mantém sua sede na avenida Faria Lima, coração financeiro do Brasil.

Dados de setembro de 2022 do relatório Setores E-commerce no Brasil, da Conversion, mostram que a varejista asiática já concentrava 46% do tráfego total em aplicativos de e-commerce no país. Com cerca de 214,2 milhões de acessos até julho, a Shopee ultrapassava com folga players como Americanas (AMER3), Magalu (MGLU3) e Amazon (AMZO34) em 2022. A plataforma só ficava atrás do Mercado Livre (MELI34), líder em audiência em território brasileiro.

Reclamações em alta no Procon

A forte presença da Shopee no e-commerce brasileiro é acompanhada de um número crescente de reclamações por parte dos consumidores.

Dados fornecidos pelo Procon-SP a pedido do InvestNews mostram que as queixas contra a empresa no órgão saltaram de 170, em agosto de 2021, para 1.492, em agosto deste ano – um aumento de 777%. O maior número de reclamações (685) era relacionado à demora na entrega ou produtos que não chegaram.

Problemas com a devolução de valores pagos ou reembolso eram a segunda maior causa. Em agosto, o índice de solução das queixas da varejista era de 50,9%. Nas redes sociais como Twitter e Facebook, a varejista passou a ser alvo de críticas relacionadas à insatisfação de clientes e fornecedores.

Entregadores da Shopee em Jacarta, Indonésia. (Crédito: Dimas Ardian / Bloomberg)

O InvestNews procurou a Shopee para comentar os dados do Procon e para se pronunciar sobre as mudanças em sua operação global. A companhia informou que está comprometida em oferecer melhores serviços aos vendedores e consumidores da plataforma.

“Para apoiar o crescimento dos empreendedores, continuamos expandindo benefícios, recursos e programas de suporte e aprimorando ainda mais nossas operações, além de oferecer campanhas para os nossos usuários. Nosso objetivo é construir um ecossistema sustentável para todos.”, informou por comunicado.

Prejuízo atrás de prejuízo

Apesar do forte crescimento nas vendas em países como o Brasil, a Sea Limited vem reportando seguidos prejuízos líquidos. Em 2021, teve um faturamento de US$ 10 bilhões, mas o resultado financeiro ficou negativo em US$ 2 bilhões. 

No primeiro trimestre deste ano, a dona da Shopee teve prejuízo de US$ 580,1 milhões, embora a receita no mesmo período tenha somado US$ 2,89 bilhões, crescimento de 64,4% sobre o mesmo período de 2021. No segundo trimestre também ficou no vermelho em US$ 569,8 milhões. Após esses resultados, a companhia decidiu suspender as projeções para 2022, que previam um faturamento de até US$ 9,1 bilhões.

Em meio às perdas, o conglomerado de Cingapura, que em 2020 chegou a ser considerado um player com alto valor de mercado graças a sua ascensão na bolsa, tem visto seus papéis derreterem (veja o gráfico acima). Em 1 ano, o preço do papel recuou de US$ 336 para US$ 53,97, uma desvalorização de 83%.

Em setembro, a alta cúpula da Sea Ltd. revelou que vai renunciar a seus salários e segurar os custos da empresa, enquanto tenta se proteger da desaceleração econômica que ameaça as empresas de tecnologia, segundo a “Bloomberg”.

“A liderança decidiu que não receberemos nenhuma compensação em dinheiro até que a empresa atinja a autossuficiência”, disse o CEO Forrest Li em um memorando interno enviado à equipe, dias após a Sea encerrar as operações em alguns mercados e reduzir sua equipe. “Agora podemos ver que não é uma tempestade que passa rapidamente: essas condições negativas provavelmente persistirão no médio prazo”, disse Li.

Desafios da Shopee no Brasil

O marketplace da Shopee estreou no Brasil com ações bastante agressivas. Uma delas foi a taxa de comissão cobrada dos vendedores, bem abaixo dos concorrentes ou até zerada. Se, por um lado, a ação atraiu parceiros para a plataforma, por outro, a empresa acabou abrindo mão de sua principal fonte de receita, como explica o especialista em gestão de varejo Luiz Claudio D.

“O almoço grátis acabou. Marketplaces que só têm como fonte de receita os custos de comissão são de difícil rentabilidade”, avalia. “O modelo de marketplace não gera um custo de aquisição de mercadorias, que é dos vendedores, mas os custos de manutenção da tecnologia e atendimento são gigantes e superam em muito a questão da mercadoria”.


No começo de setembro, um relatório do Goldman Sachs apontava que a Shopee ampliou a taxa de comissão cobrada dos vendedores de 12% para 14% no plano padrão, e de 18% para 20%, no plano premium, percentuais parecidos com os praticados pelo resto do mercado. Os baixos preços e frete grátis foram o principal atrativo que ajudou a varejista a impulsionar sua popularidade.

O professor na FGV e especialista em logística e varejo Eduardo Maróstica lembra que, no Brasil, a política do frete grátis gera um alto custo para as companhias de marketplace no longo prazo. O Código de Defesa do Consumidor dá o direito de arrependimento da compra online em até 7 dias, obrigando as empresas a aceitar a devolução do produto se estiver dentro do prazo.

Vantagem competitiva dos concorrentes

Outro cenário desafiador para a Shopee no Brasil é a concorrência. Diferentemente de outros países como Estados Unidos, por aqui a varejista compete com um forte grupo de players já consolidados e com participação elevada nas vendas, entre eles Mercado Livre, Magazine Luiza e Lojas Americanas, lembra Luiz Claudio D.

Escritório da Shopee em São Paulo. (Crédito: Divulgação)

“No Brasil, a concorrência é altamente qualificada. O Mercado Livre é uma empresa eficiente, que conhece muito bem o custo-Brasil e investe maciçamente em logística, criando uma independência dos Correios, enquanto Magalu oferece um ecossistema de lojas e serviços”, diz. 

Segundo o especialista em gestão de varejo, embora a Shopee esteja bem posicionada em número de downloads no aplicativo, a escala que a empresa conquistou no curto prazo ainda não se traduziu em ganho de receita.

“O Mercado Livre investe em serviços de logística para os vendedores, enquanto Magalu dá cursos para e-commerce, fornece cartão de crédito e vem num processo de aquisições de empresas. A Shopee ainda não possui todo esse ecossistema digital”, compara.

Neste cenário, acrescenta, os investidores buscam mercados onde há chances de passar as operações para o azul. “Se a Shopee quiser crescer no país e se tornar competitiva, terá que expandir os negócios para além da receita de comissões e ter um relacionamento forte com os vendedores”, acrescenta Luiz Claudio.

Segundo ele, o cenário da varejista asiática é bastante complexo no Brasil, de difícil retorno no curto prazo. No entanto, ele defende que o Brasil é considerado estratégico para a varejista na América Latina. “Se tiverem que pagar um pedágio, vão pagar aqui no Brasil”, avalia.

Logística e distribuição

Segundo Marostica, especialista em logística e varejo, a Shopee vem enfrentando o mesmo problema de outros operadores do e-commerce, o de distribuição. “Não adianta vender se não consigo distribuir”, explica.

“O consumo em comércio eletrônico pressupõe agilidade, e os concorrentes da Shopee estão bem preparados para isso. Se você não tem expertise nisso, tem que buscar quem faça para você. O varejo brasileiro não é para amadores. Se você perde reputação, não consegue recuperar”, defende o professor Marostica.

O especialista em logística e varejo lembra que vários players já tentaram, sem sucesso, se estabelecer no e-commerce do Brasil. “Crescimento rápido sempre será um erro. Aumento nas vendas precisa ser acompanhado de incremento de equipe, infraestrutura e tecnologia de ponta”, defende Marostica.


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