Grandes investidores de bitcoin abraçam seu lado MAGA e se despedem do discurso antigoverno

Mesmo assim, ainda há grupos cautelosos em politizar a indústria

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O mundo das criptomoedas já foi domínio dos libertários que mantinham distância do governo. Hoje, está em plena aceitação do MAGA (‘Make America Great Again’, ou ‘Tornar a América Grande Novamente’, que foi o slogan da campanha presidencial de Donald Trump). Vamos ver o que aconteceu no principal evento do setor em Las Vegas na semana passada. Os palestrantes da Conferência Bitcoin incluíram uma série de autoridades do governo Trump e aliados de Washington. Os impulsionadores de criptomoedas, incluindo o bilionário evangelista do bitcoin Michael Saylor, tiveram uma audiência privada com o vice-presidente JD Vance para promover políticas que os favoreciam.

Uma loja vendia produtos Trump, como chapéus, bonecos, copos de martini e camisas de lantejoulas. Dois Cybertrucks da Tesla foram pintados de laranja, a cor não oficial do bitcoin. Um criminoso perdoado por Trump foi celebrado em uma festa de “bem-vindo de volta”, cujo ingresso custava US$ 300 por pessoa.

“A Conferência Bitcoin agora é basicamente um comício de direita”, disse Richard Scotford, proprietário de bitcoins de 53 anos que mora na Costa Rica. Ele disse que a proximidade de pessoas poderosas é “contra o ethos do bitcoin”.

O setor, reino de outsiders que há muito clamam por legitimidade, nunca teve um regime americano mais amigável no poder. O presidente Trump arrecadou milhões com executivos de criptomoedas e está entregando muito do que a indústria desejava, abandonando ações judiciais da era Biden contra empresas do segmento e apoiando a legislação para trazer tokens para o mainstream financeiro.

Proximidade com governo

Apesar da sequência de vitórias, o abraço fervoroso de Trump está causando desconforto a algumas facções do mundo das criptomoedas, incluindo uma ala que, desde os primeiros dias, argumenta que se aproximar de qualquer governo é uma má ideia. 

Até mesmo alguns dos apoiadores do presidente dizem reprovar a presença da família Trump em todos os cantos do negócio, desde a compra de bitcoin até a mineração e as memecoins. Isso tudo pode aumentar a fama das criptomoedas, mas também cria conflitos de interesse substanciais e pode comprometer a pressão do setor por ampla aceitação, dizem os críticos.

Alguns dos primeiros defensores do bitcoin estão cautelosos com a entrada do governo no mercado. Patrick Murck, que passou anos tentando estabelecer a legitimidade da indústria como cofundador da Bitcoin Foundation, alertou que o plano de Trump de criar uma reserva estratégica nacional para o bitcoin poderia ser contraproducente.

“A ideia é ser uma rede apolítica e neutra em termos de valor”, disse ele. “Se as pessoas acreditam que o governo dos EUA tem uma participação muito grande em seu sucesso, não sei como elas se sentirão em relação a isso em outras partes do mundo.”

Renascimento X colapso

O renascimento das criptomoedas não era tido como algo certo. As coisas pareciam promissoras há alguns anos, quando o empresário Sam Bankman-Fried transformou a exchange FTX em um fenômeno digno do direito de dar o nome a uma arena de Miami e de veicular um anúncio no Super Bowl estrelado por Larry David. Isso deu lugar ao escandaloso colapso da FTX em 2022 e a processos criminais — Bankman-Fried foi condenado a 25 anos de prisão por acusação de fraude —, aumentando o escrutínio regulatório.

O clima é decididamente diferente agora. O bitcoin está sendo negociado com valores recordes. A indústria acredita que, com o apoio de Trump, a legislação para criar uma estrutura regulatória para as stablecoins — tokens atrelados a moedas reais como o dólar — acelerará a integração das criptomoedas.

Grandes bancos, incluindo JPMorgan Chase, Bank of America e Citigroup, estão explorando a possibilidade de emitir sua própria stablecoin conjunta, informou o Wall Street Journal. A nova orientação do Departamento do Trabalho pode facilitar a inclusão de criptomoedas nos planos 401(k).

Tempo com o vice

Como a conferência mostrou, os executivos de elite das criptomoedas raramente são outsiders — na verdade são os grandes insiders de Washington. Em um salão no terceiro andar do Venetian Hotel, passando por 20 seguranças e três divisórias, entusiastas do bitcoin conversaram com Vance em uma reunião privada de uma hora. 

Michael Saylor, presidente executivo da Strategy, empresa de software que fez do estoque de bitcoin a peça central de seus negócios, defendeu a leniência fiscal para os mineradores de bitcoin, que realizam os complexos feitos computacionais necessários para desbloquear unidades da moeda, de acordo com pessoas familiarizadas com sua exchange. 

Saylor argumentou que os mineradores só deveriam pagar impostos sobre as vendas de tokens. Ele comparou a situção à possibilidade de um estúdio de cinema ter de pagar impostos sobre um roteiro com base na previsão de que seria um sucesso de bilheteria.

O evento foi organizado pela Gemini, exchange de criptomoedas controlada pelos gêmeos Winklevoss, envolvidos na fundação do Facebook. Cartões de visita vistos por um repórter do The Wall Street Journal traziam o logotipo MAGA. Donald Trump Jr. e o conselheiro de criptomoedas da Casa Branca, David Sacks, estavam no evento. Sam Kazemian, fundador da empresa de stablecoin Frax, defendeu a capacidade dos contribuintes de usar tokens atrelados ao dólar para pagar impostos.

Vance não indicou o que poderia fazer, mas falou sobre a necessidade de tornar a indústria mais legítima, segundo três pessoas que estavam lá. 

Sem conflito de interesses

No ano passado, Trump usou a Conferência Bitcoin para se declarar um grande aliado da indústria. No evento deste ano, ele e sua família eram parte da indústria.

A Trump Media & Technology Group, empresa de rede social do presidente, anunciou planos de levantar US$ 2,5 bilhões para comprar bitcoins, inspirada no manual de Saylor, da Strategy. Isso daria aos Trumps o controle sobre uma das maiores reservas privadas de bitcoin. 

“É o ativo mais quente da Terra, sem dúvida”, disse Eric Trump, um dos filhos do presidente. “Não há conflito de interesses. Não tenho nada a ver com Washington, D.C.”

“As mesmas pessoas que estavam atacando a comunidade cripto estavam nos atacando violentamente, sem motivo algum”, disse o jovem Trump, “e, na verdade, isso uniu uma indústria e nossa família”.

Os defensores de uma reserva nacional de bitcoin acreditam que a medida emprestaria o prestígio do governo dos EUA à moeda. “É uma coisa boa, porque quanto mais as pessoas souberem sobre bitcoin, obviamente, maior será seu valor”, disse T.J. Slingby, que trabalha para um grupo de defesa de criptomoedas na Califórnia, sobre o apoio do governo ao bitcoin.

Um empreendimento controlado pela família Trump, a World Liberty Financial, também lançou uma stablecoin que seria afetada diretamente pela legislação que está avançando no Congresso.

Tina Mataia, ex-funcionária de telecomunicações da Nova Zelândia, está no bitcoin há cinco anos e veio à conferência pela primeira vez, atraída pela mensagem política antiwoke de Trump. Ela está preocupada com a incursão de Trump em criptomoedas. Os principais detentores da memecoin de Trump recentemente foram convidados para um jantar com o presidente, atraindo críticas de democratas e grupos de vigilância do governo.

“Não compraria, mesmo respeitando o homem”, disse Mataia.

‘Vivemos no mundo real’

O bitcoin foi defendido em seus primeiros dias por idealistas libertários que sonhavam com uma moeda totalmente privada e segura, fora do alcance de governos e instituições financeiras.

As conferências anteriores estavam preocupadas com os detalhes mais sutis da moeda e da liberdade pessoal, e contavam com a presença de tipos mais paranoicos, disse o desenvolvedor de bitcoin Tadge Dryja. “Nós pensávamos: ‘Será que vão bombardear este lugar e matar todos nós porque querem destruir o bitcoin?’”, disse ele.

Por fim, uma abordagem mais pragmática se estabeleceu, que vê a união com governos e instituições financeiras como a maneira de tornar o bitcoin valioso na vida diária — como uma reserva de valor ou uma maneira de comprar coisas. 

“Por mais que os primeiros adeptos do bitcoin fossem libertários, imaginando que a moeda poderia existir em seu próprio mundo, vivemos no mundo real”, disse Dan Morehead, CEO da Pantera Capital, empresa de investimentos focada em criptomoedas. “E o mundo real tem reguladores e o governo estará envolvido.”

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