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A busca final de um cientista para curar a esquizofrenia. Ele conseguirá?

E. Scolnick criou dezenas de remédios; sua missão é correr contra o tempo e curar milhões, inclusive seu filho

Por Amy Dockser Marcus The wall street Journal
Publicado em
12 min
traduzido do inglês por investnews

O médico Edward Scolnick acha que precisa de cinco, talvez mais dez anos para resolver um dos maiores mistérios do cérebro.

Scolnick, de 84 anos, passou a maior parte das últimas duas décadas tentando entender e encontrar melhores maneiras de tratar a esquizofrenia e o transtorno bipolar, doenças mentais de dezenas de milhões de pessoas, incluindo seu filho. 

“Eu sei que posso decifrá-la”, disse Scolnick, notável desenvolvedor de medicamentos que passou sua carreira analisando os blocos de construção do DNA para desenvolver novos tratamentos.

Muito antes de sua última busca, Scolnick passou 22 anos na gigante farmacêutica Merck, principalmente como chefe de pesquisa de laboratório. Ele liderou o desenvolvimento de mais de duas dúzias de medicamentos, incluindo a primeira estatina aprovada para reduzir o colesterol, um tratamento para osteoporose e uma terapia anti-HIV.

Ele também era o cientista-chefe da empresa durante o desenvolvimento e lançamento do analgésico e anti-inflamatório Vioxx, em 1999. Mais tarde, pesquisadores publicaram um estudo no qual estimaram que dezenas de milhares de pessoas morreram de ataque cardíaco depois de tomar o medicamento antes que a Merck o retirasse do mercado em 2004. A empresa pagou US$ 4,85 bilhões para resolver ações judiciais com pessoas que alegaram ter sido prejudicadas pela droga. 

Scolnick deixou o cargo de chefe do laboratório de pesquisa da Merck em 2002. Disse a amigos que queria passar o resto de sua vida profissional em busca de um tratamento psiquiátrico melhor. Ele acreditava que os avanços nas tecnologias genéticas permitiriam até mesmo a resolução de condições tão complexas quanto a esquizofrenia, que causa alucinações e delírios, e o transtorno bipolar, que provoca mudanças extremas de humor.

Descobertas nos anos seguintes mostram que ele estava no caminho certo.

Em 2021, Scolnick soube que um grupo de cientistas que analisava o DNA de milhares de pessoas com esquizofrenia havia encontrado mutações em dez genes que aumentavam substancialmente o risco de desenvolver a doença. Eles estimaram que uma mutação em um único gene, chamado Setd1a, aumentava o risco em 20 vezes.

“Isso fez me tirou do sério”, disse Scolnick. Ele começou a buscar uma nova classe de tratamentos chamada de inibidores de LSD1 na esperança de desenvolver um novo medicamento. Scolnick recrutou o médico Hugh Young Rienhoff Jr., que recentemente desenvolveu um inibidor de LSD1 para tratar doenças do sangue.

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Scolnick espera que o trabalho leve ao primeiro medicamento aprovado para ajudar com sintomas cognitivos — como a dificuldade em prestar atenção e fazer planos — para pessoas com esquizofrenia. O declínio cognitivo causado pela doença acaba com a capacidade de manter um emprego e gerenciar o dia a dia.

Rienhoff prevê que os testes de segurança de um novo medicamento começarão já no ano que vem, primeiro em animais. Ele disse que percebeu a paixão de Scolnick ao trabalhar em um tratamento inovador, mas não entendia completamente o porquê, até que Scolnick lhe contou sobre os problemas de seu filho com uma doença mental.

Jason Scolnick, de 54 anos, disse que seu médico há anos ajusta regularmente seus medicamentos para transtorno bipolar visando minimizar os efeitos colaterais debilitantes. Usar os medicamentos atualmente prescritos para esquizofrenia ou transtorno bipolar é como fazer quimioterapia, disse ele. “Não há garantia de que funcionará e faz você se sentir péssimo, mas a alternativa é o câncer piorar ou matá-lo.”

Ainda há um longo caminho pela frente para qualquer nova droga. Leva mais de uma década, em média, para que um medicamento de um laboratório de pesquisa seja aprovado pelo governo e chegue aos pacientes.

Ed Scolnick tenta aproveitar ao máximo seus dias. Em maio, ele subiu ao púlpito em uma reunião de cientistas para relatar como chegou aos inibidores de LSD1 como um caminho para o tratamento da esquizofrenia. 

Phillip Sharp, desenvolvedor de medicamentos, ganhador do Prêmio Nobel e professor emérito do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, estava na plateia. Sharp, que conhece Scolnick há anos, disse que ficou emocionado com o fato de seu amigo dedicar seu tempo e atenção a uma droga que ele provavelmente não verá concretizada.

Rienhoff disse que Scolnick pediu a ele que terminasse o trabalho caso não esteja mais por aqui.

“Esta será minha última missão”, disse Scolnick.

Pura sorte 

Mais de 60 anos atrás, os médicos por acaso se depararam com drogas que poderiam ser usadas para o tratamento de doenças mentais. Os medicamentos aliviaram os sintomas muito antes de os pesquisadores saberem como as doenças mentais funcionavam. O lítio, por exemplo, estabilizava o humor de pacientes com transtorno bipolar, e a clozapina reprimia alucinações e delírios da esquizofrenia.

Desde então, os cientistas descobriram que os transtornos psiquiátricos podem resultar de diversas interações entre centenas de genes, em arranjos indeterminados que variam de acordo com os indivíduos e dentro das famílias. Para encontrar as mutações genéticas que apresentam um risco maior, os pesquisadores tiveram que primeiro comparar o DNA de pessoas com doenças mentais com o daquelas sem a doença.

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Depois de deixar a Merck, Scolnick foi contratado em 2004 pelo Instituto Broad, uma parceria do MIT e Harvard, para liderar pesquisas sobre transtornos psiquiátricos. Ele desenvolveu laços com Ted Stanley, empresário cujo filho também sofria de doenças mentais. Em 2007, Stanley doou US$ 100 milhões para lançar o Centro Stanley para Pesquisa Psiquiátrica do Broad, liderado por Scolnick durante cinco anos.

Em meados de 2017, o Broad organizou um consórcio internacional para aproveitar recursos e a mais recente tecnologia genética que acabou analisando o DNA de cerca de 24 mil pessoas com esquizofrenia e mais de 97 mil pessoas saudáveis. A busca de pistas úteis em uma montanha de dados levaria anos. 

Scolnick se aposentou como cientista-chefe do Centro Stanley em 2020 por motivos de saúde. Ele jogava bridge em competições e acordava cedo para nadar. Scolnick visitava o Broad para reuniões científicas e palestras. Ele também falava regularmente com um dos principais pesquisadores da análise de DNA.

Em 2021, esse pesquisador contou os últimos resultados a Scolnick: a mutação do gene Setd1a aumentava substancialmente o risco de desenvolver a esquizofrenia. 

Scolnick, inspirado pela descoberta, vasculhou trabalhos de pesquisa e descobriu que a Takeda Pharmaceutical havia desenvolvido e testado um inibidor de LSD1 para a síndrome de Kabuki, distúrbio genético que pode causar deficiências cognitivas em crianças. Durante uma visita ao laboratório da Takeda em Cambridge, em Massachusetts, e em videochamadas de acompanhamento, a empresa compartilhou dados com Scolnick que mostravam melhora na cognição em camundongos que recebiam a droga.

A Takeda disse que abandonou o projeto depois de concluir que não era “uma opção terapêutica viável”. No entanto, as descobertas da empresa convenceram Scolnick de que um inibidor enzimático especializado poderia melhorar os sintomas cognitivos sem efeitos colaterais graves. 

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Desenvolver esse tipo de droga era um trabalho muito grande, e muito caro, para um homem sozinho, disse Scolnick. Esse projeto poderia custar centenas de milhões de dólares.

Então, o acaso.

Morgan Sheng, à esquerda, codiretor do Stanley Center for Psychiatric Research, falando com Scolnick em Cambridge, Massachusetts. Foto: Alyssa Schukar/WSJ

Em janeiro de 2023, Scolnick assistiu a uma palestra de Rienhoff organizada pela Blackstone, empresa de investimentos com sede em Nova York. Scolnick, consultor sênior da Blackstone Life Sciences, queria saber mais sobre o inibidor de LSD1 que Rienhoff desenvolveu para tratar doenças do sangue. No mesmo mês, a Merck concluiu a aquisição da empresa de Rienhoff, a Imago BioSciences, por US$ 1,4 bilhão. 

Scolnick e Rienhoff haviam conversado durante um jantar da Blackstone anos antes. Durante a refeição, Scolnick compartilhou histórias com seus companheiros de mesa sobre o desenvolvimento do Crixivan, o medicamento anti-HIV da Merck. “Eu estava ouvindo um pedaço da história, não apenas a história do HIV”, disse Rienhoff.

Scolnick ficou emocionado descrevendo como os desenvolvedores de medicamentos, enfrentando vários obstáculos, têm dúvidas sobre continuar ou não em busca de uma solução definitiva. Ele pressionou para que o estudo continuasse, dada sua urgência. Na época, a AIDS estava matando dezenas de milhares de pessoas por ano nos EUA.

“Eu disse a Ed: ‘Você está pensando como um médico, não como um cientista’”, contou Rienhoff. “Esse foi o começo do nosso relacionamento.”

Após a apresentação de Rienhoff no ano passado, Scolnick soube que ele era um especialista na enzima que acreditava ser a chave para uma droga inovadora. Em conversas, Scolnick fez Rienhoff pensar em usar inibidores de LSD1 na esquizofrenia e em outras doenças neuropsiquiátricas.  

Quando Scolnick levantou a ideia de desenvolver um novo medicamento, Rienhoff disse que poderia fazê-lo. Rienhoff fundou a Aluco BioSciences este ano como um primeiro passo. Para ir da hematologia, sua especialidade, para a neuropsiquiatria, Rienhoff contou que está se encontrado com médicos e neurocientistas, mergulhando em várias teorias sobre as causas da esquizofrenia e buscando potenciais colaboradores. 

Rienhoff tem uma equipe de químicos que fabrica e testa compostos em laboratórios nos EUA e no exterior.

“Estou otimista de que algo sairá daí”, disse Rienhoff. “Eu consigo fazer isso, mas não teria feito se não fosse pelo Ed. De certa forma, estou de fato fazendo isso por ele.”

‘Antes de morrer’

Jason Scolnick mora em um apartamento iluminado em Watertown, em Massachusetts, a cerca de 25 minutos de carro de seus pais. Há violões encostados em uma parede, e uma foto de paisagem tirada por sua mãe pendurada na outra. Ele às vezes assiste a jogos de futebol na TV com seu pai. Sua vida agora contrasta com anos de luta.

Jason se formou na Universidade de Harvard em 1992 e trabalhou no departamento de economia de uma empresa de biotecnologia. Antes de aceitar o emprego, começou a se sentir paranoico. No trabalho, não conseguia olhar os colegas nos olhos. Os médicos suspeitaram de transtorno bipolar e lhe prescreveram medicamentos que o deixavam tão cansado que era difícil se manter acordado enquanto dirigia. Ele começou a faltar ao trabalho, depois pediu demissão e foi morar com os pais na Filadélfia.

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Os médicos de Jason finalmente encontraram um regime de drogas que ele conseguiria tolerar após dois anos de tentativas. 

Aos 25 anos, Jason voltou para Boston para estudar violão na Escola de Música Berklee, mas desistiu depois de menos de um ano. Durante esses meses, contou ele, sua paranoia havia retornado e ele abusava do álcool. Uma noite em 1995, continuou Jason, ele tomou comprimidos com a intenção de acabar com sua vida. Acordou alucinando e ligou para um amigo, que chamou uma ambulância.

Jason Scolnick praticando violão em casa. Foto: Alyssa Schukar/WSJ

Jason voltou a morar com seus pais em 1996, no mesmo ano em que a Administração de Alimentos e Medicamentos aprovou a droga anti-HIV da Merck que seu pai ajudou a desenvolver. Ele tentou vários medicamentos ao longo dos anos, incluindo um que o levou ao hospital. 

“Eles chamam os antipsicóticos de tranquilizantes fortes por um bom motivo”, disse Jason. “Eles tomam conta de sua cabeça, e você tem que tomar grandes quantidades de café para enfrentar o modo que eles fazem você se sentir. Não é só cansaço, mas também uma dificuldade cognitiva.”

A falta de tratamentos eficazes entristecia e frustrava seu pai, que construiu uma carreira desenvolvendo medicamentos para condições até então intratáveis.

Jason, que está sóbrio há mais de uma década, cursa agora seu segundo ano de um programa de mestrado na Universidade Lesley, estudando para se tornar conselheiro clínico de saúde mental e musicoterapeuta. Ele afirma que seu psiquiatra é o grande responsável por calibrar seus medicamentos e sua terapia. 

“Não há ninguém que eu conheça que possa simplesmente tomar remédio e ficar bem”, disse Jason.

Seu pai concorda, até certo ponto.

“Não será apenas uma droga mágica que vai consertar o que as pessoas com doenças mentais realmente graves têm”, disse Ed Scolnick. 

Mas, como pai e cientista, ele sente que certos novos tratamentos melhorarão a vida de muitas pessoas. “Há uma necessidade de medicamentos melhores”, disse ele, acreditando que está no caminho certo. Outros também trabalham nisso. 

A empresa de biotecnologia Oryzon Genomics, na Espanha, está desenvolvendo inibidores de LSD1 para o câncer e outras condições. Pesquisadores da Universidade de Columbia testaram a droga da Oryzon em camundongos e descobriram que ela reverteu as deficiências cognitivas causadas pela mutação genética Setd1a, ligada à esquizofrenia. A Oryzon está realizando um pequeno estudo na Espanha do inibidor de LSD1 em pacientes com esquizofrenia. 

O dr. Joseph Gogos, que liderou a pesquisa da Columbia, disse que é possível que esses tratamentos sejam aprovados para humanos.

Scolnick tem mais certeza — de um novo tratamento revolucionário e de que estará vivo para testemunhá-lo.

“Antes de morrer, veremos novos medicamentos, novos diagnósticos, melhores resultados para pacientes que sofrem com esquizofrenia ou doença bipolar”, disse ele. “Não ficarei feliz em morrer. Mas vou morrer feliz por ter ajudado.”

Escreva para Amy Dockser Marcus em [email protected]

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