A trágica busca de Matthew Perry, de ‘Friends’, para sair do vício
Astro passou a vida em busca da cura em um mundo disposto a vendê-la
Ele gastou US$ 350 mil em voos particulares para uma clínica de tratamento na Suíça. Passou um mês em um centro de desintoxicação na praia e sofreu por 36 dias seguidos contando seus traumas em uma clínica terapêutica na Flórida. Foi a centenas de reuniões do Alcoólicos Anônimos. Fez hipnose.
Matthew Perry tentou inúmeros métodos para ficar bem. Quando o ator se tornou um ícone geracional no programa de TV “Friends”, nos bastidores ele lutava para encontrar um tratamento para seu vício de anos em drogas e álcool.
“Ele estava sempre procurando coisas diferentes”, disse Jon Paul Crimi, amigo de Perry que se tornou instrutor de respiração depois que o ator o apresentou à terapia. “Tentou diferentes terapias e diferentes modalidades.”
Foi essa busca persistente por uma solução que levou Perry a experimentar a cetamina, a droga dissociativa que os promotores federais, em um caso revelado na semana passada, alegaram que seu assistente, médicos e traficantes de drogas conspiraram para lhe fornecer. Cinco pessoas enfrentam acusações criminais de falsa prescrição, venda ou injeção de cetamina, que levou ao vício em espiral de Perry e à sua morte.
“Eu me pergunto quanto esse idiota vai pagar”, dizia uma mensagem de texto de um médico, que foi preso na semana passada, para outro enquanto os dois homens discutiam quanto cobrar. O colega médico para quem ele enviava mensagens de texto declarou-se culpado em um acordo judicial por conspirar para distribuir cetamina para Perry.
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Perto do fim da vida, Perry recebia de seis a oito injeções de cetamina por dia, dadas por seu assistente, de acordo com os registros do tribunal. Antes que o ator fosse para o que seria o último banho em sua banheira de hidromassagem, disse a seu assistente para aplica uma dose grande. Ele foi encontrado em outubro, sua morte atribuída aos “efeitos agudos da cetamina”.
Entrevistas com amigos e associados de Perry, bem como seus próprios escritos e as acusações tornadas públicas na semana passada, apresentam um retrato de um ator cujas famosas piadas e timing cômico mascararam uma trajetória mais sombria e recorrente: a da busca desesperada por uma cura.
Perry havia se mudado recentemente para uma casa de US$ 6 milhões em Pacific Palisades, com vista para o mar. A maioria dos vizinhos próximos não percebeu que ele morava lá antes de ver a movimentação do lado de fora na noite em que o ator morreu.
A cerca de três quilômetros da casa fica o Lake Shrine, retiro de autopercepção fundado por um monge hindu em 1950. Perry disse uma vez que teve um progresso lá ao completar uma atividade dos Alcoólicos Anônimos na qual analisou dezenas de seus relacionamentos. O endereço tranquilo abriga parte das cinzas de Mohandas Gandhi.
A Los Angeles de Perry estava cheia de locais assim — a clínica de sobriedade onde ele ficou por um tempo, as reabilitações de luxo à beira-mar para as quais voltava todos os dias quando as filmagens terminavam, a mansão em Malibu que ele doou como refúgio para outros viciados em recuperação.
“Ele também trabalhou muito em si mesmo, mas acho que ficava cada vez mais difícil a cada recaída”, contou Crimi.
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A morte por overdose da estrela do “Saturday Night Live” Chris Farley em 1997 levou Perry a se internar no programa de reabilitação da Fundação Hazelden Betty Ford em Minnesota, escreveu ele em suas memórias de 2022. Outras estadias de desintoxicação ou reabilitação continuaram durante as filmagens de “Friends”, em locações em Marina del Rey e Malibu.
Durante um tratamento, segundo o livro de memórias, Perry pegou o “Grande Livro dos Alcoólicos Anônimos” e começou a frequentar as reuniões do AA — inclusive no dia seguinte da gravação do 236º episódio final de “Friends” em 2004.
Quando o vício se mostrou descontrolado, Perry tentou mudar de ares, escreveu ele em suas memórias, e viajar para um novo local ou começar um novo trabalho para escapar. “Eu ainda pensava que se me retirasse da situação em que estava, conseguiria parar com todas as drogas e bebidas e ir à luta”, escreveu ele no livro de memórias, “Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível”.
Sua tentativa de se livrar do vício ao longo dos anos o levou a lugares distantes, incluindo centros de tratamento em Utah, na Suíça e na Pensilvânia.
“Eles acham que me conhecem”
Depois de trabalhar esporadicamente como ator na casa dos 20 anos, Perry foi contratado para “Friends”, grande sucesso da NBC que teve dez temporadas, e transformou seu personagem, Chandler Bing, no preferido dos fãs, frequentemente imitado.
A “peça da Geração X de Neil Simon”, como o programa foi chamado por um crítico, inspirou memes, especulação (Ross vai se casar com Rachel?), e interesse fervoroso. O episódio “The One After the Super Bowl” foi assistido por 52,9 milhões de pessoas, a maior audiência de uma série pós-Super Bowl da história.
“Friends” tornou Perry rico e famoso. Ele namorou Julia Roberts. Comprou uma cobertura de US$ 20 milhões porque parecia um lugar em que seu herói, Batman, viveria.
Seu livro de memórias mostrou aos fãs sua luta excruciante contra o vício durante essa ascensão. Ele deixara o set de “Friends” para ir para a reabilitação no Promises em Malibu, e disse em uma entrevista que não conseguia se lembrar das filmagens “em algum lugar entre a terceira e a sexta temporada”. E tinha um companheiro sóbrio com ele no set em partes das filmagens.
A nona temporada foi a única em que esteve completamente sóbrio — também foi o único ano em que sua atuação no programa lhe rendeu uma indicação individual ao Emmy, escreveu ele.
Crimi, o instrutor de respiração, conheceu Perry por meio de um conhecido em comum que morou em uma casa de reabilitação com ele. Ele conhecia celebridades, mas Perry era outro nível de fama.
Os dois uma vez assistiram a um jogo da final da Stanley Cup em Los Angeles em uma sala VIP, lembrou Crimi, com Vince Vaughn, Will Ferrell e Zac Efron. Todo mundo parecia querer uma foto com Perry.
“Cara, sem querer ofender”, Crimi se lembra de ter dito a Perry. “Mas há muitos nomes grandes aqui. Por que todo mundo quer uma de foto com você?”
“É simples”, disse Perry. “Will Ferrell tem seis metros de altura na tela. Eu sou a mesma pessoa, o mesmo personagem, na sua sala há 20 anos, e eles acham que me conhecem.”
Preso na segunda marcha
A morte de Perry aos 54 anos atingiu várias gerações de fãs ao mesmo tempo. Depois que “Friends” terminou, a série teve uma segunda vida surpreendente nas plataformas de streaming, com fãs nascidos após o término do programa abraçando sua representação de uma Manhattan analógica, desprovida de smartphones e aplicativos de namoro.
O trabalho de Perry depois de “Friends” foi mais esporádico do que alguns de seus colegas de elenco, a maioria dos quais fez a transição para outros papéis na TV e no cinema. Ele estrelou o curta “Studio 60 on the Sunset Strip”, de Aaron Sorkin, teve participação recorrente em “The Good Wife” e trabalhou em alguns programas que logo foram cancelados. Uma peça que escreveu, “The End of Longing”, estreou no Reino Unido e off-Broadway, mas não agradou os críticos.
A peça “equivale a uma recaída”, disse uma análise no New York Times. “O papel que Perry escreveu para si mesmo é um Chandler que se tornou uma semente, um bêbado contumaz chamado Jack, que tenta fazer seu caminho até os 40 e tantos anos com sarcasmo e uma última réstia de charme.”
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Depois de “Friends”, Perry entrou e saiu da reabilitação, mas também buscou tratamentos não tradicionais. Passou várias semanas na Flórida fazendo terapia, que envolveu reviver os traumas de sua vida, até que “todo mundo estivesse desmaiando, vomitando e tremendo”, escreveu ele. Não fica claro se medicamentos ou outras substâncias fizeram parte desse tratamento.
Perry foi para a reabilitação novamente, desta vez na Pensilvânia, e se internou em uma clínica de vida sóbria. Ele introduziu Crimi a técnicas de respiração que inspirariam o amigo a se tornar um instrutor.
Quando lhe disseram que teria de parar de fumar se quisesse viver além dos 60 anos, Perry contratou um hipnotizador de Los Angeles, Kerry Gaynor, que o ajudou a largar o vício, escreveu o ator em suas memórias. (Gaynor não quis comentar.)
Quase todo mundo ainda o conhecia como o cara de “Friends”, e Perry parecia ter uma relação de amor e ódio com a atenção. Ele foi de jato particular para o tratamento na Suíça “já que todos no mundo reconheceram meu maldito rosto”, escreveu ele.
Tentando melhorar
Em suas memórias, Perry disse que recebeu infusões diárias de cetamina enquanto estava na Suíça para ajudar com a dor e a depressão. “Tomar cetamina é como ser atingido na cabeça com uma pá gigante e feliz”, escreveu ele. “Mas a ressaca era difícil e superava a pá. A cetamina não era para mim.”
Mais tarde, acabou sendo consumido pela droga. Seu assistente gastou mais de US$ 67 mil em cetamina para Perry em apenas algumas semanas, por meio de médicos ou traficantes, de acordo com documentos judiciais.
O assistente fez um grande esforço para obter o medicamento, incluindo compras de frascos adicionais de um médico em uma rua de Santa Monica tarde da noite no início de outubro de 2023, disseram os registros do tribunal. Mais tarde, o mesmo médico injetou cetamina em Perry dentro de um veículo em um estacionamento de Long Beach. Uma encomenda no final de outubro para o ator foi tão grande que um traficante adicionou pirulitos de cetamina como um “brinde”, mostram os documentos do tribunal.
Seu assistente administrou pelo menos seis injeções da droga em cada um dos três dias antes da morte de Perry, dizem os documentos.
O assistente e uma outra pessoa se declararam culpados de acusações relacionadas ao acesso e consumo de cetamina do ator.
Dois outros foram presos: a mulher que supostamente vendeu a cetamina que foi injetada em Perry no dia em que ele morreu e o médico que injetou a droga nele no carro. Esse médico enfrenta acusações de distribuição de cetamina e alteração e falsificação de documentos relacionados à investigação federal.
Os promotores federais alegam que essas pessoas se concentraram em sua própria ganância e em ganhar dinheiro, e não no bem-estar do ator. Ambas se declararam inocentes.
Crimi trabalhou como companheiro sóbrio de outras celebridades, acompanhando-as aos sets para garantir que ficassem limpas e participassem das reuniões. Ele seguiu de perto como as celebridades que lutam contra o vício podem ser pegas em uma narrativa pública sobre suas recuperações e recaídas.
“Nós os colocamos neste pedestal incrível: tão talentosos, tão incríveis. E então os derrubamos e torcemos para que se levantem novamente”, disse ele.
Perry atravessou a montanha-russa do vício, contou Crimi, mas “estava sempre tentando melhorar. Ele queria melhorar.”
Escreva para Erich Schwartzel em [email protected] e Sara Ashley O’Brien em [email protected]
traduzido do inglês por investnews