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Dei uma surra no Cybertruck da Tesla por 48 horas. Sobrevivemos

O Cybertruck é um dos novos veículos mais polarizadores da história. Mas como é realmente dirigir um? Dan Neil levou o modelo ao limite — e além — por dois dias

Por Dan Neil The wall street Journal
Publicado em
7 min
traduzido do inglês por investnews

[Publicado originalmente em 22 de fevereiro de 2024]

QUANDO A TRILHA ENCHARCADA PELA CHUVA colapsou e o Cybertruck da Tesla começou a deslizar em direção a um barranco, de onde não parecia haver esperança de recuperação, considerei minhas opções. Pude voltar à minha primeira paixão, o teatro. Dava para chamar um guincho, que poderia suspendê-lo com um helicóptero. Pensei em apenas forçá-lo, contando com a tração nas quatro rodas e 1.027 kgf.m de eletro-torque para sair de onde estava. Então, foi isso que fiz.

SCHWAAASHHHH!! O veículo bateu em um carvalho, causando uma chuva de folhas, parando em um ângulo de 45 graus na diagonal. A copilota, minha filha Roz, de 16 anos, perguntou: “Você está bem, pai?”. 

Mas papai não estava bem. Ele estava furioso consigo mesmo, porque cinco minutos antes fez de tudo para sair e verificar um ponto cego da pista, recurso importante caso você esteja off-road sozinho. Lembre-se disso, Roz!

Agora, esse Cybertruck emprestado de US$ 100 mil ficou preso nos galhos de uma árvore como um forno elétrico em órbita. Droga! Conseguimos sair pela janela do passageiro — os vidros ainda funcionavam bem, observei. A distribuição de peso na parte inferior do veículo dificulta a capotagem. Ainda bem! O que eu realmente precisava agora era de uma ciber-pá e um ciber-guincho, sem os quais eu estaria ciber-ferrado.

Imagine que o Elon não existe. Não é difícil. A marca Tesla não aparece em nenhum lugar do lado de fora do carro. Da mesma forma, esqueça qualquer descrença que você possa ter na vantagem comercial do Cybertruck — embora a Tesla provavelmente já tenha recuperado seus custos de desenvolvimento com a obsessão da mídia.

Esta é uma obra de engenharia fenomenal. Claro, grande parte do heroísmo — os enormes giga-moldes de alumínio, os painéis de aço resistente, o maior e mais plano para-brisa do mundo — só foi necessário para construir o que parecia, a princípio, inconstruível. O Cybertruck ainda não é bem a máquina que Musk e o designer Franz von Holzhausen se propuseram a fazer há quatro anos, mas mesmo assim está anos à frente de qualquer outra.

Antes do meu test drive há duas semanas, a única coisa que eu sabia com certeza era que o Cybertruck deixava as pessoas loucas. Considere que é feio (opinião amplamente compartilhada). Em comparação com as picapes tradicionais? Último lugar no concurso de beleza de todos os tempos. Outros ainda viram nele a semiótica da masculinidade tóxica, uma estufa sugerindo um veículo paramilitar. O CEO da Tesla, Elon Musk, dobrou a aposta ao elogiar a resistência da carroceria a tiros de armas pequenas. Que babaca.

Minha opinião: a sensibilidade do Cybertruck pertence ao mundo livre de consequências dos jogos e interfaces gráficas, sua resistência a tiros é uma espécie de “God Mode”. Não é militarismo; é infantilismo.

De qualquer ângulo, o Cybertruck desafia uma vida inteira de expectativas e das convenções culturais do design da picape tradicional. É como uma casa modernista aparecendo de repente em um bairro de mansões neocoloniais. Oh-oh. Lá vem a Associação dos Proprietários de Imóveis empunhando tochas e enxadas.

As reclamações mais ridículas foram direcionadas ao aço inoxidável da carroceria. Relatos de oxidação da superfície foram alegremente divulgados pelas redes sociais como ciber-ferrugem. Dá para ver impressões digitais!

Cara! Ouve o que você está dizendo! Em primeiro lugar, aço inoxidável nunca foi nem será inoxidável. Pergunte para a Marinha. Segundo, a maioria dos 4X4 que vemos pelas ruas nunca sai do asfalto, por medo de arranhões na bela superfície resistente a marcas de dedos. Você vai de chapéu e botas para o baile country e se acha um caubói?

O maior pecado do Cybertruck é forçar os fãs a confrontar essa dissonância cognitiva, provando que grandes picapes e 4X4 de aventura são de fato “comportadinhos”.

Duas horas e um veículo de resgate depois, nosso Cybertruck saiu ileso do mato, mas com algumas lascas de madeira encravadas na moldura da porta. Se estivéssemos em qualquer outro off-road moderno, nossa próxima parada teria sido uma oficina de funilaria.

Não havia regras para o meu test drive. Baixei o aplicativo da Tesla e peguei o veículo em Los Angeles. Eu só precisava devolvê-lo à fábrica em Fremont, na Califórnia, em 48 horas. Na verdade, poderia ter tido um pouco mais de explicações. Só descobri que os bloqueios diferenciais dianteiro e traseiro não estavam ativados quando fui parar em um bueiro de concreto em uma pista de obstáculos e tive que ser arrastado. (A Tesla vai ativar os bloqueios com uma atualização OTA — over the air — nas próximas semanas.)

Também não gostei do tamanho da distância entre os eixos — 3,8 metros. A suspensão pneumática adaptativa pode elevar a barriga do carro a mais de 43 centímetros do chão. Mas a grande distância entre eixos e o baixo ângulo de ruptura significam que o piso do Cybertruck vai arrastar no chão em trilhas mais difíceis.

Entre isso e aquilo, e sem querer, maltratei a base do Cybertruck, que por acaso é onde fica a bateria, protegida por uma dupla camada do mesmo ciber-aço usado na carroceria. Depois, no estacionamento em Fremont, abaixei para examinar os danos. Alguns arranhões. Nenhum amassado. Que bruxaria é essa?

Admito que tive a ideia errada sobre o Cybertruck a princípio. Esperava que fosse uma picape off-road quando, na verdade, é uma picape on-road. Considere os pneus. Os mesmos pneus de 35 polegadas que permitem ao Cybertruck andar como um mag-lev encantado por uma rodovia são, fora da pista, surpreendentemente indefesos, devido ao fato de serem inflados a 51 psi — algo perto do ébano na escala de dureza. A menor resistência ao rolamento dos pneus melhora o alcance (512 km), mas vem às custas da tração. A solução é enchê-los menos, mas depois é preciso encher novamente antes de pegar a estrada. Esqueci de trazer uma bomba de ar.

Na rodovia, ele é ciber-fabuloso — poderoso, silencioso e gostoso de dirigir. Rápido? Juro que seus cães de caça nunca mais olharão para você da mesma maneira. A avançada aceleração eletrônica nas quatro rodas gira 180 graus, como um kart. São necessários cinco minutos de remapeamento neural, mas depois é ótimo.

Eu só queria que fizessem o Cybertruck para terráqueos.

Seu conceito central, o para-brisa em forma de pico, acaba tendo um custo muito alto de visibilidade em todas as direções externas, especialmente nos cantos dianteiros, lembrando as minivans Pontiac dos anos 1990. Não eram bons antes também. Ninguém tem um torso tão longo. Claro, há câmeras olhando em todas as direções por você, mas isso não é exatamente o mesmo que conseguir ver o que acontece lá fora.

O para-brisa fica sujo e tende a permanecer assim, pois há menos escoamento por causa da falta de curvatura. O único limpador existente não espalha bem o fluido de limpeza por todo o vidro. E quando a janela coberta de lama capta o brilho do sol — como no topo de uma subida íngreme na Califórnia, no final da tarde — é como olhar para o raio da morte de Arquimedes. Ai! Cadê a estrada?

Desculpe. Sou apenas um humanoide.

2024 Tesla Cybertruck AWD Foundation Edition

Preço: US$ 100 mil

Propulsão: Bateria elétrica, com motores AC dianteiro e traseiro (400 kW); bateria de íons de lítio de 123 kWh, carregamento de 800V e bidirecional; tração integral coordenada.

Potência/torque: 600 cv/1.027 kgf.m

Comprimento/distância entre eixos/largura/altura: 568,2/380,7/241/179 centímetros

0-100 kph: 4,1 segundos

Peso do freio: 2.995 quilos

Capacidade de reboque: 5 toneladas

Alcance máximo: 512 km

Carregamento: 250 kW max, até 219 km em 15 minutos

Capacidade de carga: 3,4 metros cúbicos

traduzido do inglês por investnews