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Fale sobre a herança agora ou aguente problemas depois

A parte mais difícil do planejamento patrimonial não é escrever o testamento, mas falar abertamente sobre isso com a família

Por Ashlea Ebeling The wall street Journal
Publicado em
6 min
traduzido do inglês por investnews

Morte e dinheiro não são assuntos divertidos para a hora do jantar. No entanto, as famílias que arranjam tempo para essa difícil conversa agora conseguem se poupar de arrependimentos profundos e possivelmente a perda de milhões de dólares.

Mais de US$ 84 trilhões foram ou devem ser transferidos de grandes e pequenos patrimônios entre 2021 e 2045, de acordo com a Cerulli Associates. Essa onda de heranças trouxe um aumento de ações judiciais e outros conflitos relacionados ao patrimônio familiar.

Às vezes, as discussões são entre um filho que cuidou da mãe e outro que não cuidou. Há também os filhos de um primeiro casamento que acabam deserdados após o segundo.

No geral, cerca de um terço dos americanos diz que não planeja conversar sobre herança com sua família, de acordo com um novo estudo feito pela empresa de serviços financeiros Edward Jones com a consultoria NEXT360 Partners e a empresa de pesquisa Morning Consult.

“O choque e a incerteza não são um bom presságio para os herdeiros”, disse Caitlin DiMillo, consultora de clientes da Spinnaker Trust em Portland, no Maine. 

É importante que os herdeiros ouçam da geração mais velha — quando todos os envolvidos ainda podem se sentar à mesa — por que as coisas foram distribuídas de uma certa maneira, por mais desconfortável que isso seja, afirmou ela. 

Stephen Lane, corretor de imóveis em Geneva, em Illinois, lamenta não ter falado com sua mãe sobre o testamento. Ele ainda está às voltas com isso quase uma década após a morte dela. 

Lane conta que sua mãe disse a suas três filhas que queria que elas ficassem com os anéis de brilhantes da família, mas não o fez por escrito. O testamento deixou tudo para o segundo marido.

Sua mãe, uma professora primária que se casou novamente depois que ele e seu irmão mais velho eram maiores, mostrou a eles onde seu testamento estava guardado, mas os dois não fizeram nada para vê-lo. 

“Provavelmente deveríamos ter pressionado mais e dito: ‘Mostre-nos o documento, mãe. O que você quer que seja feito vai ser feito do jeito que você quer’”, disse Lane, de 62 anos.

A conversa geracional sobre herança (gráfico original em inglês)

As famílias mistas são uma fonte crescente de conflitos nas disputas patrimoniais, e é especialmente importante que falem sobre a transferência de riqueza, avisou Lena Haas, chefe de consultoria e soluções de gestão de patrimônio da Edward Jones. O ressentimento é comum, não importa como os bens são divididos entre filhos de casamentos diferentes. 

“Essa não é uma conversa única e definitiva. A dinâmica familiar sempre muda”, disse. 

Não dá para contar que seu novo cônjuge irá cuidar de seus filhos do primeiro casamento, mas, para isso, é possível criar um trust ou provisões em seu testamento, além de contas de títulos e imóveis. 

Filhos adultos e seus pais dizem que encontraram maneiras diferentes de abordar perguntas difíceis. Alguns começam as conversas com décadas de antecedência.

Converse logo e com frequência

Uma vez que os pais sintam que seus filhos são maduros o suficiente, é hora de começar a conversa, disse Stephen DeFilippis, gerente de patrimônio em Wheaton, em Illinois. O filho de DeFilippis, Troy DeFilippis, consultor financeiro de 29 anos que trabalha com o pai, diz que teve acesso aos livros aos 23 anos, quando se juntou à empresa. Ele e seu pai têm um plano de sucessão dos negócios, e conversou com sua mãe e sua irmã sobre o que receberiam quando o pai morresse.

“Eu sei o que ele quer deixar para a gente. Isso me ajuda a planejar”, disse. 

Os tópicos a serem abordados vão além de apenas valores em dólares, instruíram consultores financeiros. A discussão também pode abordar os custos de cuidado, caridade e educação.

Muitas famílias evitam a discussão até que um problema de saúde imprevisto ou outro evento da vida a tornem urgente e ainda mais estressante. 

Rebecca Shoval, diretora de operações do escritório de investimento imobiliário de sua família, disse que seus pais a incluíram nas negociações de transferência de riqueza desde que venderam seu negócio de seguros e começaram a diversificar. Quando seu pai, então com 72 anos, foi hospitalizado repentinamente durante a pandemia, ela e seu planejador patrimonial conseguiram garantir que tudo estivesse em ordem. 

“Conforme as pessoas vão envelhecendo, pode ser complicado falar sobre essas coisas”, afirmou ela. 

Hora e lugar

O jantar de Ação de Graças, com as tensões que o acompanham, não é a melhor escolha para muitas famílias, disse Joseph Coughlin, diretor do AgeLab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e conselheiro sênior da Next360 Partners. 

“Tem que ser uma conversa, não um confronto”, disse Coughlin.

As famílias que moram distantes nem sempre têm escolha. Ann Herring, diretora de educação executiva em Chicago, diz que a conversa de herança com seu pai de 94 anos, que mora em Michigan, está em andamento há décadas, com revisões anuais durante as visitas de férias. Quando a esposa teve Alzheimer, ele fez uma procuração em nome dela. 

Agora, Herring está administrando o patrimônio de sua falecida mãe, e a conversa com seu pai continuou nesse último Natal. Ele compartilhou senhas que haviam sido alteradas, e falaram sobre algo mais complicado: presentes vitalícios para a família. Falar pessoalmente pode ser algo “mais simpático, sem parecer uma transação comercial”, afirmou Herring.

Doação em vida

Uma forma de evitar surpresas: dar aos herdeiros toda ou parte de sua herança enquanto você ainda está vivo.

Doug Fogwell, executivo de marketing aposentado em Winfield, em Illinois, conta que, uma vez, seus pais se sentaram com ele e suas duas irmãs.

Eles optaram por levar os filhos, cônjuges e mais tarde netos, em 23 viagens com todas as despesas pagas, desde um acampamento em Indiana até uma viagem para o Taiti.

“Eles brincavam: ‘Estamos gastando sua herança’”, contou ele. 

Isso está se tornando mais comum. Cerca de 68% das pessoas na década anterior à aposentadoria disseram que prefeririam distribuir o dinheiro da herança antes de morrer, segundo o estudo da Edward Jones.

O pai de Fogwell morreu em 2014, e não haverá muito para herdar depois que sua mãe, hoje com 94 anos, morrer, disse Fogwell. Mas ele e seus irmãos têm essas lembranças e uma tradição familiar de união. 

“É um grande legado que eles deixaram e que estamos passando para nossos filhos também”, contou ele.

Escreva para Ashlea Ebeling em [email protected]

traduzido do inglês por investnews