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FTX: o caso raro da corretora cripto que faliu e vai pagar as vítimas – com juros

Antes vistos como uma perda quase total para os clientes, os ativos da FTX se recuperaram desde seu pedido de falência em 2022

Por Andrew Scurria The wall street Journal
Publicado em
7 min
traduzido do inglês por investnews

A extinta corretora de criptomoedas FTX disse que terá dinheiro mais que o suficiente para pagar totalmente, e com juros, seus milhões de clientes fraudados, um resultado que parecia impensável quando a falência foi decretada em 2022.

A FTX disse em documentos judiciais na terça-feira (7) que terá entre US$ 14,5 bilhões e US$ 16,3 bilhões em dinheiro após liquidar suas participações em criptomoedas e outros investimentos, mais do que suficiente para cobrir os cerca de US$ 11 bilhões que clientes e credores não governamentais têm a receber.

Esse dinheiro dos clientes está preso desde novembro de 2022, quando Sam Bankman-Fried cedeu o controle da FTX a uma nova equipe de gestão, que pediu a falência, dando início a um dos maiores esforços de todos os tempos para recuperar fundos desviados.

A equipe gestora encontrou fundos suficientes para compensar os credores graças a um aumento nos preços das criptomoedas e à venda de participações que a empresa adquiriu — com o dinheiro dos usuários — em projetos especulativos de criptomoedas e outros empreendimentos de tecnologia. O processo de falência deu à FTX o tempo necessário para encontrar compradores e tapar o buraco de quase US$ 9 bilhões no balanço com base no qual a falência foi pedida.

Se aprovado na justiça, o plano de reembolso tornaria a FTX o raro caso de fraude financeira que compensa suas vítimas na íntegra e com relativa rapidez. A título de comparação, os correntistas da empresa de Bernard Madoff esperaram mais de uma década e meia para que seu dinheiro roubado lhes fosse restituído após sua prisão em 2008 por operar um esquema de pirâmide.

Além dos milhões de clientes individuais da FTX, algumas das maiores empresas de investimento de Wall Street estão entre as ganhadoras. Elas apostaram que, quando a FTX pediu falência, muitos de seus clientes iriam preferir, ou precisar, sacar seus créditos contra a corretora, em vez de esperar anos para ver quanto conseguiriam recuperar.

Gestores de ativos, incluindo Oaktree Capital Management, Attestor, Canyon Capital, Farallon Capital Management e Silver Point Capital, detêm mais de US$ 3 bilhões em dívidas compradas de clientes, mostram documentos judiciais. As empresas não responderam os pedidos de comentários.

Logo depois que a FTX pediu falência, os créditos dos clientes poderiam ser comprados por apenas US$ 0,03, disse Thomas Braziel, investidor em dívidas e criptoativos cuja empresa comprou créditos de clientes da FTX. Os clientes que venderam seus créditos por centavos de dólar podem estar arrependidos. A FTX disse na terça-feira que 98% de seus usuários agora devem recuperar 118% de seus saldos de conta.

“Isso é histórico”, afirmou Braziel. “Esse deve ser o maior retorno de todos os tempos” para credores em uma falência.

A FTX disse anteriormente que conseguiria pagar seus milhões de usuários mais ou menos integralmente pelos valores que tinham em suas contas de negociação de criptomoedas quando a empresa entrou com o pedido de falência. Na terça-feira, ela garantiu que não apenas cobriria esses saldos de conta na íntegra, mas também pagaria juros de 9% para a maioria dos usuários, a contar do pedido de falência. 

Os promotores dos EUA chamaram a FTX de fraude maciça e acusaram Bankman-Fried e outros ex-executivos de fraude. Bankman-Fried foi condenado em março a 25 anos de prisão por roubar bilhões de dólares de clientes. O plano de falência apresentado na terça-feira foi a primeira vez que a FTX confirmou que espera que os usuários recuperem seus fundos na íntegra.

A guinada na sorte dos clientes veio com uma recuperação do preço das criptomoedas. Uma grande parte dos ativos da FTX está ligada ao mercado volátil de ativos digitais, muitos dos quais aumentaram de valor desde o pedido de falência — especialmente o solana, um token intimamente ligado a Bankman-Fried, que se multiplicou sete vezes desde o pedido de falência.

Alguns clientes reclamaram, no entanto, que estão sendo reembolsados em dinheiro — e não na criptomoeda que detinham — com base nos valores em suas contas congeladas da FTX. Isso significa que perderam a valorização dos ativos em criptomoedas, quando os preços voltaram a subir após o colapso de 2022.

A advogada de falências de Saul Ewing, Candice Kline, disse que ser pago integralmente na falência difere de ser integralizado em um sentido econômico.

“O valor real de mercado, o valor do dinheiro corrigido, além dos juros, e o custo de oportunidade ainda perseguirão os credores que saboreiam essa boa notícia”, disse ela.

Além da recente alta nos preços do bitcoin, do ether e do solana, clientes e investidores se beneficiaram do aumento do valor dos investimentos de capital de risco da FTX e seu sucesso em encontrar e recuperar ativos que foram transferidos da empresa pouco antes de seu pedido de falência, disse Erin Broderick, advogada de um grupo que processa a FTX. Por exemplo, a corretora vendeu a maior parte de sua participação na Anthropic, startup de inteligência artificial apoiada pelo Google e Amazon.com, por US$ 884 milhões este ano — 267% acima do preço de compra original.

A professora de direito da Universidade Brigham Young, Brook Gotberg, disse que avaliar dívidas de falência nem sempre é simples e que isso depende do tipo de relacionamento que uma empresa tem com seus clientes. 

“Se o devido for apenas o valor em dólar da criptomoeda no momento do pedido de falência, os credores da FTX serão pagos integralmente”, disse ela. “Se o devido for a criptomoeda em si, os credores da FTX não estarão recebendo o valor total.”

Os detentores do token proprietário da FTX, o FTT — outra criação de Bankman-Fried —, não receberão nada de acordo com o plano da FTX; nem os detentores de ações da bolsa — entre eles a Sequoia Capital, o Plano de Aposentadoria de Professores de Ontario e o SoftBank Group —, nem as várias celebridades que apoiavam a FTX, incluindo o quarterback da NFL Tom Brady e a modelo Gisele Bündchen.

Sob a liderança de Bankman-Fried, a empresa gastou dinheiro dos clientes em “investimentos ruins ou sem liquidez, autopropaganda, endosso de celebridades, doações políticas e gastos pessoais luxuosos”, disseram os documentos judiciais da FTX na terça-feira. Os ativos recuperados para os clientes desde a falência incluem imóveis de luxo na antiga propriedade da FTX nas Bahamas e dois jatos particulares. A empresa aventou, mas depois abandonou, planos para retomar a corretagem de criptomoedas.

Os promotores disseram que o roubo de fundos de clientes por Bankman-Fried causou US$ 10 bilhões em perdas, gerando comparações com Madoff. Após a falência da FTX, Bankman-Fried argumentou que os clientes poderiam ser ressarcidos.  Antes de sua sentença, Bankman-Fried afirmou que a FTX era “solvente no momento do pedido de falência” e que “o dano aos clientes, credores e investidores é zero” por causa do provável resultado da falência da FTX.

John J. Ray III, especialista em recuperação que assumiu o controle da FTX, disse em resposta que o esforço de reintegração de ativos da empresa desde 2022 “não significa que não houve roubo”.

“Significa, sim, que conseguimos alguns deles de volta”, declarou Ray em um documento de março no caso criminal de Bankman-Fried. “E há muitos outros que não conseguimos de volta.”

O juiz distrital Lewis Kaplan afirmou que a possibilidade de os clientes recuperarem seu dinheiro não pesou em sua decisão pela condenação de Bankman-Fried, que apelou de sua condenação e da sentença.

Escreva para Becky Yerak em [email protected], Soma Biswas em [email protected] e Andrew Scurria em [email protected]

traduzido do inglês por investnews