‘Inflação do Encolhimento’ está no ar, online e em qualquer outro lugar
Você paga mais por “extras” que costumavam fazer parte do preço total. O Índice de Preço ao Consumidor não mede isso
[Publicado originalmente em 04 de fevereiro de 2024]
Caso você não tenha visto o memorando da Casa Branca, a economia dos EUA está maravilhosa. Nunca esteve melhor. Os preços das ações e os empregos estão aumentando. A inflação e as taxas de hipoteca estão caindo. Vivemos dias felizes novamente. No entanto, muitos americanos continuam infelizes. O que está acontecendo?
Uma explicação pode ser que as métricas de inflação governamentais não refletem totalmente o aumento dos preços. Claro, a inflação está se aproximando da meta de 2% do Federal Reserve, mas os números podem enganar.
A chamada “Inflação do Encolhimento” (“Shrinkflation”), ou seja, pagar o mesmo preço por quantidades visivelmente menores da mesma coisa, não está aparecendo apenas no corredor do supermercado. Está em todos os lugares. Os americanos podem estar pagando os mesmos preços de um ano atrás, mas muitas vezes estão recebendo menos.
Veja as passagens aéreas, que o índice de preços ao consumidor medido pelo Departamento do Trabalho mostra terem caído 9,4% em 2023. Isso soa bem, até que você considere que o cálculo leva muito em conta a “menor tarifa disponível” para uma viagem — normalmente oferecida por companhias aéreas econômicas, que exigem que os clientes paguem mais para trazer uma bagagem de mão e selecionar um assento na classe econômica básica. Os passageiros também têm menos espaço para as pernas, além de ter que pagar por bebidas ou lanches.
As companhias aéreas de baixo custo cortaram suas tarifas para atrair mais clientes, embora as tradicionais também tenham desmembrado seus preços cada vez mais para competir. É por isso que você terá que pagar US$ 50 extras se não quiser ficar no assento 32B, e US$ 30 a mais por uma bagagem de mão. Os preços diferenciados podem agradar alguns americanos, mas a maioria não gosta de pagar mais pelos mesmos serviços que costumava obter como parte do custo da passagem.
Então aproveite as tarifas “baixas” de hoje, porque elas só vão subir. Os custos trabalhistas das companhias aéreas aumentam rapidamente devido aos contratos sindicais de pilotos recentemente renegociados. Enquanto isso, as aéreas de baixo custo estão sangrando. Mesmo a JetBlue teve perdas na maioria dos trimestres desde o início da pandemia.
As empresas não podem continuar com prejuízos sem que algo aconteça — pelo menos não em um mundo de taxas de juros normais. Quando o dinheiro estava barato, elas conseguiam fazer empréstimos e levantar capital a baixo custo. Muitas vendiam produtos e serviços com prejuízo para competir por clientes. Lembram das guerras tarifárias na última década entre os aplicativos de carona compartilhada, o Uber e o Lyft.
Infelizmente, a era do dinheiro barato acabou, e as empresas e seus investidores estão priorizando a lucratividade. Isso significa preços mais altos.
Considere os serviços de streaming de vídeo, a maioria dos quais têm perdido dinheiro. Vários aumentaram os preços no final do ano passado em cerca de 20%. O serviço sem anúncios do Disney+ subiu de US$ 11 por mês para US$ 14. No entanto, o CPI mostra que os preços dos serviços de assinatura de vídeo aumentaram apenas 2% no último ano. Como pode ser?
Os serviços de streaming introduziram recentemente planos de baixo custo com anúncios. Se você não quiser pagar mais, terá que sofrer com comerciais. A Inflação do Encolhimento chegou até na conta Prime da Amazon. Em 29 de janeiro, a empresa começou a cobrar US$ 2,99 extras por mês — ou US$ 35,88 por ano, em relação a uma assinatura Prime padrão — para transmitir filmes e programas de TV sem anúncios.
Não se pode esperar que as empresas subsidiem os consumidores com prejuízos para sempre. Os investidores, compreensivelmente, querem ver lucros. É assim que o capitalismo funciona. Mas mesmo assim é irritante.
Além disso, o aumento dos gastos recorrentes também irrita. Há alguns anos, o aumento dos preços de bens de consumo, como carros usados, impulsionou a inflação. Os preços dos bens caíram nos últimos meses, pressionando para baixo a inflação total. Mas os americanos não compram carros ou eletrodomésticos todos os meses. Eles pagam regularmente o seguro-saúde, o seguro de automóvel e o residencial, que estão aumentando rapidamente.
As taxas de seguro de carros subiram 20,3% ao longo do ano passado, de acordo com o CPI, porque os custos dispararam com reparo de veículos, peças e aluguel, além de litígios. Os prêmios de seguro normalmente aumentam com certa defasagem porque precisam ser aprovados por reguladores estaduais. Os custos dos sinistros continuam a aumentar, por isso os preços não param de subir.
As operadoras de saúde também estão renegociando contratos com seguradoras, que começam a repassar seus custos crescentes. Espera-se que os custos dos planos de saúde patronais aumentem em média 6% este ano, em comparação com cerca de 3% a 4% na década anterior. Os custos médios familiares para planos com coparticipação de empregadores cresceram 7% no ano passado.
Por que o CPI mostra que os preços dos planos de saúde caíram 27,1% desde dezembro de 2022? O Departamento do Trabalho calcula a inflação do seguro-saúde usando um método complicado que se baseia no desconto do salário dos segurados.
Mais uma vez, os números da inflação não contam a história completa. Como outro exemplo, o indicador de inflação preferido do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) leva em conta os chamados efeitos de substituição. Mas quando você compra frango porque não pode comprar carne de vaca, está sofrendo o efeito da inflação.
Economistas progressistas e os políticos do Partido Democrata dizem aos americanos para não serem tão mal-humorados, porque a inflação caiu. “Nossa economia não está em um estado ideal. “Está melhor”, dizia a coluna de Paul Krugman no jornal “The New York Times” na semana passada. Talvez pareça assim lá do alto, quando você está voando em classe executiva — nem tanto quando você está espremido no assento 32B.
traduzido do inglês por investnews