Mais intervenção estatal: a proposta de Kamala Harris para a economia dos EUA
Democrata promete usar créditos fiscais para estimular a indústria doméstica
Kamala Harris prometeu usar o poder do governo para apoiar a indústria americana e ajudar os EUA a vencer a China nas indústrias do futuro, adotando uma política que coloca a intervenção federal no centro de seu plano econômico.
Kamala disse na quarta-feira (25) que, se eleita presidente, pretende apoiar um novo crédito fiscal que investirá dezenas de bilhões de dólares na indústria doméstica. O crédito teria como objetivo criar empregos em áreas de ponta, como biotecnologia e produção aeroespacial, e fortalecer indústrias tradicionais, como a do ferro e aço.
O presidente Biden há muito defende essas ideias, dedicando centenas de bilhões de dólares ao apoio à fabricação de chips de computador, veículos elétricos, baterias e outros produtos de alta tecnologia do país.
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Donald Trump também colocou a manufatura americana no centro de sua campanha econômica, embora o ex-presidente pretenda usar tarifas de importação e um corte de impostos corporativos que visa apoiar os produtores domésticos. A campanha de Kamala criticou as propostas de Trump, dizendo que os custos das novas tarifas provavelmente seriam repassados aos consumidores americanos, elevando os preços.
Kamala pretende pagar pelos US$ 100 bilhões em créditos fiscais ao longo de uma década, aumentando os impostos sobre os ganhos estrangeiros das empresas americanas. O plano exige que o Congresso implemente o acordo global de imposto mínimo corporativo, disseram assessores de campanha.
A candidata adotou um tom moderado e pragmático em um discurso em Pittsburgh na quarta-feira, referindo-se a si mesma como uma capitalista que acredita em uma economia de mercado. Trump tenta pintá-la como uma ideóloga de esquerda, muitas vezes chamando-a de “camarada Kamala”.
“Um dos temas recorrentes da história americana é que, quando fazemos um esforço intencional para investir em nossa força industrial, isso leva a uma prosperidade e segurança extraordinárias — não apenas por anos, mas por gerações”, disse ela, antes de mencionar os investimentos do presidente Abraham Lincoln na ferrovia transcontinental, a construção de rodovias interestaduais do presidente Dwight Eisenhower e o apoio do presidente John F. Kennedy à corrida espacial.
Seus planos são basicamente uma extensão do esforço de anos de Biden para usar ferramentas e finanças do governo com vistas a impulsionar setores-chave da economia. A abordagem, conhecida no jargão econômico como “política industrial”, também é cada vez mais apoiada por alguns republicanos, que se afastaram um pouco de suas convicções de livre mercado para ajudar os EUA a competirem com a China, que usa empréstimos garantidos pelo Estado, ações e subsídios do governo para apoiar sua indústria.
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Robert Barbera, economista da Universidade Johns Hopkins, vê alguma justificativa na adoção do tipo de política industrial para a qual Kamala está tendendo — alguma capacidade de fabricação é necessária para a segurança econômica. “Você não quer se ver em uma posição na qual não consiga os chips de que precisa para colocar em seus carros e computadores porque a China lhe virou as costas”, disse ele.
Mas Barbera também acha que a ênfase que Kamala e Trump colocam nos empregos da indústria apenas explora o sentimentalismo de dias passados.
“Há um senso nostálgico sobre sua importância porque os empregos na indústria eram os mais bem pagos, eram altamente sindicalizados e eram criadores de tendências”, afirmou ele.
O emprego nas fábricas seguiu um caminho errático nos últimos anos. Ele cresceu nos primeiros dois anos do governo Trump — em janeiro de 2019, havia 462 mil empregos a mais na indústria do que quando ele assumiu o cargo em janeiro de 2017, já considerando o ajuste sazonal. Mas o número se estabilizou ao longo do ano seguinte e caiu drasticamente com a chegada da pandemia. Em janeiro de 2021, havia 178 mil empregos a menos nas indústrias do que quatro anos antes. Até agosto, os EUA adicionaram 739 mil empregos durante o governo Biden.
Mesmo assim, a indústria agora responde por apenas 8,1% dos empregos americanos, uma parcela ligeiramente menor do que no final do mandato do ex-presidente Barack Obama. Em 1950, era de 31% em média.
Michael Hicks, professor de economia da Universidade Estadual Ball, em Indiana, disse que os custos da política industrial para os contribuintes muitas vezes superam os benefícios. A criação de empregos por meio desses programas, explicou ele, pode ser relativamente baixa porque as fábricas de alta tecnologia tendem a ser altamente automatizadas.
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Hicks, oficial aposentado do Exército, disse que a abordagem é útil quando voltada para chips de computador e outros itens essenciais para a segurança nacional.
“Se isso estivesse sendo feito na fabricação têxtil local para que eu pudesse comprar jeans mais baratos, a resposta seria não, porque não há benefícios da migração da fabricação têxtil do Vietnã ou da China para os EUA”, afirmou ele. “Os benefícios dos incentivos em itens como microeletrônica, claramente vinculada à segurança nacional, seriam muito maiores.”
Em seu discurso, Kamala propôs os créditos fiscais como um aspecto chave da “Economia de Oportunidades”, que ela vem promovendo nas últimas semanas. O termo abrange muitas de suas políticas destinadas a auxiliar os americanos de classe média, incluindo mais ajuda para pais, cuidadores e compradores de casas e investimento em pequenas empresas, além da proibição da manipulação de preços para ajudar os consumidores a se recuperarem de vários anos de alta inflação.
Seu pronunciamento ocorreu no Economic Club de Pittsburgh, para um público provavelmente receptivo à ideia de restaurar a indústria americana. Ambos os partidos estão disputando o apoio de sindicatos e trabalhadores da manufatura, que são fundamentais para a votação em grandes estados-pêndulo.
Antes do início da votação antecipada nesses estados decisivos, Kamala procurou diminuir a vantagem que Trump tem com os eleitores quando o assunto é economia — e algumas pesquisas mostraram que a vantagem do ex-presidente está diminuindo.
Nas semanas finais da campanha, ambos os partidos estão fazendo promessas de ajudar a classe média com a redução da inflação e a criação de empregos mais lucrativos que não exijam educação universitária. O discurso de Kamala passou por uma série de outras propostas antes mencionadas, como a construção de milhões de casas para reduzir os custos de moradia e cortes de impostos para os americanos de classe média.
O plano de usar créditos fiscais para impulsionar a indústria teria alicerces na base que Biden lançou em 2022, quando apresentou ao Congresso as leis que deram centenas de bilhões de dólares em subsídios para fabricantes de semicondutores e produtores de energia limpa. Por meio de doações e créditos fiscais, esses fundos estimularam as empresas a realizar vastos projetos de construção em vários estados, incluindo um punhado de fábricas gigantes de chips de computador no Arizona, em Ohio, no Texas e além.
Kamala pagaria pelos novos créditos fiscais fazendo o Congresso implementar o acordo de imposto mínimo global que Biden e a secretária do Tesouro, Janet Yellen, negociaram em 2021.
O acordo visava estabelecer um piso para as taxas de imposto corporativo. Se Kamala seguir a proposta do governo Biden, os EUA imporão um imposto de 21% sobre as empresas americanas em cada país onde operam.
Os republicanos do Congresso se opõem amplamente ao acordo internacional.
Escreva para Jeanne Whalen na [email protected], Justin Lahart na [email protected] e Richard Rubin na [email protected]
traduzido do inglês por investnews