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O combustível que move o Choque Chinês 2.0: moeda fraca e deflação

Preços em queda, aliados à inflação em outros lugares e câmbio mais baixo, turbinam o boom de exportações da China

Por Jason Douglas The wall street Journal
Publicado em
7 min
traduzido do inglês por investnews

Ao explicar o recente aumento das exportações da China, que alarmou líderes empresariais e políticos nos Estados Unidos e na Europa, muitos culparam os generosos subsídios chineses à manufatura do país e sua imensa capacidade industrial. 

Mas há outro fator em jogo: a moeda chinesa e a inflação — ou a ausência dela. 

A taxa de câmbio efetiva real da China, que ajusta as diferenças de inflação entre esta e seus principais parceiros comerciais, está de volta ao que era em 2014, revelando uma década de valorização constante. 

Essa fraqueza da moeda chinesa, também conhecida como renminbi, está turbinando as vendas externas da China em detrimento de outras nações exportadoras. 

Isso também está aumentando a pressão sobre outras economias e suas moedas, especialmente na Ásia, que estão simultaneamente sentindo a pressão do fortalecimento do dólar americano.

Para os EUA, que entraram em conflito com a China por causa do yuan no passado, a queda da moeda ajustada pela inflação significa que os produtos fabricados na China estão ainda mais baratos do que antes, tendência refletida nos baixos preços de importação. Isso torna os produtos chineses extremamente atraentes para os americanos, minando o objetivo das autoridades dos EUA de reduzir a dependência de Pequim.

“Ainda há um enorme incentivo para usar a cadeia de suprimentos chinesa”, disse Brad Setser, membro sênior do Conselho de Relações Internacionais. “A China é incrivelmente competitiva com essa taxa de câmbio.” 

Em comparação com algumas moedas de seus principais parceiros comerciais, o yuan da China caiu 6% em relação a um pico recente em março de 2022, de acordo com dados do Bank for International Settlements (Banco de Compensações Internacionais, BIS na sigla em inglês), grupo internacional de bancos centrais. A queda reflete o crescimento lento da economia chinesa, que está lutando com uma crise imobiliária prolongada e gastos modestos do consumidor. 

O benefício oculto da deflação

A taxa de câmbio efetiva real da China — que controla não apenas com quem o país negocia, mas também as diferenças em sua inflação — caiu 14% no mesmo período. O país está flertando com a deflação, que a maioria dos economistas vê como uma coisa ruim, porque pesa sobre os gastos e dificulta o enfrentamento das dívidas. Mas há um benefício oculto que é tornar as exportações chinesas ainda mais competitivas nos mercados mundiais, especialmente quando a inflação está alta nos EUA e em outros lugares. 

A diferença entre as taxas de câmbio nominais e reais da China é a maior desde o início da coleta de dados do BIS, em 1994. 

A taxa de câmbio real correspondente dos EUA subiu 6% desde o início de 2022. 

A depreciação real do yuan “está claramente contribuindo para maiores exportações” da China, disse Krishna Srinivasan, diretor do departamento de Ásia e Pacífico do Fundo Monetário Internacional.

O volume das exportações chinesas em fevereiro foi cerca de 10% maior do que em março de 2022. O volume de exportação mundial aumentou apenas 1,4% no mesmo período, de acordo com dados do CPB Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis (Escritório Neerlandês para Análise de Política Econômica). 

Autoridades estrangeiras se preocupam com uma repetição do choque chinês do início dos anos 2000, quando reformas pró-mercado na China e sua entrada na Organização Mundial do Comércio alimentaram um boom de exportações que foi um benefício para os consumidores, mas esmagou indústrias concorrentes nos EUA e em outros lugares. 

Em abril, a secretária do Tesouro Americano Janet Yellen alertou a China de que sua crescente capacidade de fabricação, alimentada por investimentos estatais, ameaçava empregos em outros lugares. A China denunciou tais críticas como uma cortina de fumaça para o protecionismo. 

Outras nações asiáticas sofrem o impacto

O crescimento das exportações da China afeta principalmente seus vizinhos asiáticos, muitos dos quais competem diretamente em produtos como eletrônicos, aço, semicondutores básicos e móveis. 

O volume de exportação de emergentes da Ásia caiu quase 2% nos dois anos em que o da China subiu 10%, mostram dados do CPB. Mesmo o volume de exportação do Japão enfraqueceu, apesar de uma forte depreciação cambial, prejudicado em parte pela crescente influência da China no setor automobilístico. 

Isso é indício de um crescimento mais fraco e derruba as moedas desses países em relação ao dólar, piorando a pressão de depreciação causada por um dólar forte, que está aumentando em toda a Ásia. 

O won coreano perdeu 5% em relação ao dólar desde o início do ano, enquanto o ringgit malaio caiu 3% e o dong vietnamita, 4,5%.

O banco central da Indonésia apresentou um aumento surpresa da taxa de juros em abril, citando o enfraquecimento da rupia e o risco de ressurgimento da inflação. Tóquio gastou dezenas de bilhões de dólares em reservas cambiais para defender um iene em queda. 

Como grande parte da competitividade do yuan vem por meio de diferenciais de inflação, isso complica os esforços estrangeiros para revertê-la. Em 2019, quando os EUA sob o presidente Donald Trump acusaram a China de manipular a moeda, pediram que as autoridades chinesas parassem de intervir nos mercados de câmbio e deixassem o yuan subir. 

Mas agora, as autoridades chinesas estão trabalhando não para enfraquecer a moeda, mas para sustentá-la, dizem muitos analistas, ou pelo menos garantir que a depreciação seja gradual e administrada. Autoridades chinesas temem que uma forte depreciação desencadeie fuga de capitais e eleve o custo de importações importantes, como petróleo. 

Por que soluções antigas podem não ajudar

Isso significa que renovar os apelos para que Pequim afrouxe seu controle sobre a taxa de câmbio provavelmente resultaria em um yuan ainda mais fraco e maior pressão sobre as exportações e moedas de outros países. 

“O mundo teria um desafio ainda maior na competição com a China”, disse Frederic Neumann, economista-chefe para a Ásia do HSBC. 

A reversão da depreciação do yuan real poderia ser feita impulsionando a inflação na China, mas isso provavelmente exigiria estímulos fiscais mais agressivos, aos quais Pequim resiste em parte devido aos temores de aumento da dívida. Medidas mais drásticas para reduzir a inflação nos EUA e em outros lugares, como aumentar as taxas de juros, também podem ajudar, mas no curto prazo pressionariam ainda mais o yuan em relação a outras moedas.  

“Por enquanto, Pequim e Washington podem estar unidos em querer manter a posição do yuan em relação ao dólar”, disse Eswar Prasad, professor de economia e política comercial da Universidade Cornell.

Escreva para Jason Douglas em [email protected]

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