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Serviço Público com mais igualdade é urgente e esperado

Com o avanço da Agenda ESG na iniciativa privada, gestores e gestoras de governos têm que ampliar desafios e intensificar a implementação de práticas para promoção da igualdade étnico-racial.

Se promover mudanças em corporações privadas é uma corrida de obstáculos, que metáfora seria adequada ao serviço público brasileiro? Nos ocorre uma maratona de obstáculos, uma corrida longa, exaustiva, que requer muita preparação prévia, por ser mais extensa e extenuante que as outras. A promoção da igualdade étnico-racial no serviço público já está em curso há alguns anos, com diversas políticas de ações afirmativas implementadas, mas ganha novos contornos de urgência a partir de desafios apresentados com o avanço da Agenda ESG no âmbito privado.

Mulher em uma pista de corrida com obstáculos

Há uma expectativa, no Brasil, de que a liderança em relação à agenda ESG seja uma responsabilidade governamental, assim mostram resultados do relatório da Pesquisa Panorama ESG 2023, estudo inédito da Amcham Brasil, realizada em parceria com a consultoria Humanizadas. Além de demonstrar a popularização da pauta, também indica caminhos e o que dificulta as práticas. De acordo a pesquisa, os entrevistados acreditam que altos executivos precisam mudar sua relação com o tema e que o governo precisa continuar a abrir caminhos. 

Nesse estudo, a maioria de entrevistados apontam que a responsabilidade em liderar a agenda é de CEOs, Presidentes e Vice-presidentes de empresas (82%), e logo em seguida, do governo federal (69%). Alcançar sucesso no âmbito do ESG, segundo a pesquisa, depende diretamente da capacitação de lideranças e colaboradores das organizações (48%) e a previsão de orçamento dedicado para investimentos em iniciativas ESG (40%).

Esses resultados, mensurados em 2023, convergem com as recomendações do Grupo de Trabalho (GT) de Equidade Étnico-Racial, promovido pelo Movimento Pessoas à Frente e pela Mahin Consultoria Antirracista, em 2022. Esse GT reuniu aproximadamente 50 profissionais de governos ou que atuam junto à gestão de pessoas no setor público numa série de encontros e num processo de construção de 27 recomendações para vencer barreiras racistas em políticas de lideranças e gestão de pessoas no setor público. O documento “Recomendações para a Promoção de Equidade Étnico-Racial no Serviço Público Brasileiro” se mostra útil também para cenários corporativos.

Assim como nas grandes corporações, na administração pública do país existe sub-representação e/ou concentração de profissionais negros/as e indígenas em níveis mais baixos da hierarquia, ao passo que nos cargos com mais prestígio e remuneração a maioria é de homens brancos.

A composição de força de trabalho no serviço público e como ela se distribui nos organogramas e, em especial, como a hierarquia não representa a composição étnico-racial do povo brasileiro não é novidade, nem diferente, no setor privado. Gerar dados que mensurem essas desigualdades, de forma contínua e eficaz, é uma das recomendações do Grupo de Trabalho para o setor público que também deveria ser uma prática do setor privado.

Em 2023, com a mudança de gestão no Governo Federal, observamos algumas ações -implementadas já neste ano – que tanto estão alinhadas com a expectativa do setor privado, em relação à liderança da agenda ESG identificada no Panorama, quanto estão convergentes com as Recomendações do GT. Por exemplo, a atualização cadastral de servidores públicos federais é uma obrigação anual e, neste ano, o preenchimento da informação de cor/raça tornou-se obrigatória. 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, participa da cerimônia de posse das ministras da Igualdade Racial, Anielle Franco, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara Crédito: Agência Brasil

O Governo Federal informa que o objetivo é a ampliação de políticas públicas para a redução da desigualdade e o combate ao racismo dentro do setor público. Essa medida foi implementada a partir de uma parceria entre o Ministério da Igualdade Racial e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). Com essa medida obrigatória, a autodeclaração passa a fazer parte da pasta funcional do servidor.

Essa medida é uma ferramenta para a implementação de outra política de promoção da igualdade, de forma que a atualização cadastral deve auxiliar o governo a identificar onde estão as pessoas negras na ocupação de cargos de liderança. Com esses dados, o governo terá meios para aplicar o que determina o Decreto nº 11.443/2023, que objetiva garantir o preenchimento de, no mínimo, 30% de pessoas negras (pretas e pardas) na ocupação em Cargos Comissionados Executivos (CCE) e Funções Comissionadas Executivas (FCE) 

No documento “Recomendações para a Promoção de Equidade Étnico-Racial no Serviço Público Brasileiro” está essa afirmação: “Se assumirmos que a criação de uma burocracia representativa é prioridade, o contexto brasileiro apresenta um desafio básico: a escassez generalizada de dados públicos que possibilitem identificar, avaliar e acompanhar o nível de maturidade da equidade étnico-racial na composição do funcionalismo público.” Com a atualização cadastral em andamento – foi iniciada em 01 de junho e termina em 31 de julho – o Governo brasileiro está atendendo ao que recomenda o GT de Equidade Étnico-Racial em relação à mensuração.

O documento das Recomendações inclui as ações de Capacitação, também identificadas como fundamentais na Pesquisa Panorama ESG 2023. A abertura de uma edição extraordinária do curso Liderança Premium para pessoas negras é outra iniciativa do Governo Federal que, também neste ano, se alinha a ambas as iniciativas. 

Esse é o primeiro curso de liderança premium do Fiar (Formação e Iniciativas Antirracistas: tecendo caminhos para a igualdade racial), resultante de parceria da Enap com o Ministério da Igualdade Racial (MIR). A chamada do curso indica que o objetivo é “acelerar a formação de pessoas negras para assumirem cargos de liderança, conforme prevê o Decreto nº11.443/23”. No capítulo II, Art. 3º, o Decreto estabelece: “Os órgãos e as entidades da administração pública federal deverão preencher percentual dos Cargos Comissionados Executivos – CCE e Funções Comissionadas Executivas – FCE com pessoas negras de, no mínimo: I – trinta por cento para os níveis de 1 a 12; e II – trinta por cento para os níveis de 13 a 17.” Além disso, a legislação também estabelece que esses percentuais mínimos deverão ser alcançados até a data de 31 de dezembro de 2025.

O setor público – nesse caso, o Governo Federal – demonstra que, em diálogo com a sociedade civil organizada, tem capacidade, meios e vontade política – nesse momento – para se alinhar à Agenda ESG, e buscar ser a liderança que outros segmentos socioeconômicos identificam como necessária. A corrida é de obstáculos, mas o pódio não é impossível. Como subsídios, recomendo a leitura e estudo do documento construído pelo GT de Equidade Étnico-Racial com atenção. Embora seja direcionado ao setor público é um material riquíssimo para compreender a burocracia brasileira e subsidiar boas práticas também no setor privado. 

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