A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Americanas aproxima-se do fim em meio a trocas de acusações entre executivos ligados à companhia, mas sem impactos reais para a empresa, na visão do mercado. Nesta terça-feira (5), deputado Carlos Chiodini leu seu relatório, que não imputa responsabilidades pela alegada fraude fiscal e deve ser votado na semana que vem.

Apesar de muitas falas e notas dos executivos convocados nos últimos dias, especialista ouvido pelo InvestNews afirma que a falta de encaminhamentos concretos faz com que CPI esteja perto de acabar “em pizza”. A CPI da Americanas teve sua primeira audiência pública no dia 6 de junho e, desde então, a ação AMER3 acumula queda de mais de 12%.

Sessão de plenário com deputados e secretários sentados, tela exibindo participantes e timer digital zerado.
Brasília (DF)05/09/2023 Relator da CPI das lojas Americanas deputado, Carlos Chiodini, ler seu relatório na comissão. Foto Lula Marques/ Agência Brasil

Destaques da CPI

Presidente da companhia por duas décadas, Miguel Gutierrez enviou uma carta de 17 páginas aos parlamentares nesta segunda-feira (4). No documento, ele afirma que “nunca soube” que a pressão dos controladores da Americanas por resultados “teria levado a atos de manipulação da contabilidade”. Diz também que o setor tinha “forte influência e controle” dos “acionistas de referência”.

Em junho, o atual presidente da Americanas, Leonardo Coelho, acusou Gutierrez e sua equipe de fraude ao — entre outras coisas — criar contratos de publicidade falsos para reduzir custos no balanço, que dispararam para R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022. As informações foram creditadas a uma investigação independente. Além disso, parte do dinheiro foi transferido para contas de fornecedores para cobrir o buraco, disse Coelho.

Na segunda-feira, Gutierrez disse que a alegação era falsa e que o comitê independente não teve participação na “acusação” que a empresa fez contra ele.

“Me tornei conveniente ‘bode expiatório’ para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”, afirma Miguel Gutierrez no documento enviado aos parlamentares.

A resposta da diretoria da Americanas

Os “acionistas de referência” mencionados por Gutierres são os homens mais ricos do Brasil: Jorge Paulo Lemann, Marcelo Telles e Carlos Sicupira, fundadores do fundo de aquisições 3G Capital. Nas últimas décadas, o trio realizou grandes fusões e aquisições, que resultaram na Anheuser-Busch Inbev e na Kraft Heinz.

Em nota, a Americanas afirmou que “refuta veementemente as argumentações” do executivo e que “as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas, capitaneada pelo senhor Miguel Gutierrez”.

Três homens de terno sorrindo. Um em pé com braços cruzados, um sentado, e outro em pé com a mão no bolso.
Jorge Paulo Lemman (centro), Telles e Carlos Alberto Sucupira (esq), da 3G Capital (Crédito: Divulgação)

A holding LTS, do trio de bilionários, também emitiu nota acusando Miguel Gutierrez de fazer delações falsas e sem provas. A nota faz ainda menção ao fato de que Gutierrez não compareceu a primeira data em que foi convocado a falar na CPI.

Gutierrez também é cidadão espanhol e está no país europeu. O executivo citou problemas de saúde para explicar por que não pôde retornar ao Brasil para falar perante a CPI no Congresso.

A responsabilidade pela fraude

Felipe Pontes, sócio da L4 Capital, afirma em nota que, ainda que Gutierrez não esteja envolvido diretamente na fraude, é impossível isentá-lo totalmente de responsabilidade.

“O CEO não vai fazer os lançamentos de débito ou crédito, mas ele é responsável sim! (…) Basta ver o que diz o artigo 176 da Lei 6.404, que é a Lei das S.A. ou Lei da Contabilidade”, escreve Pontes.

Para o analista, o discurso de Gutierrez é “estratégia traçada por advogados”. Porém ele destaca que, assim como o ex-CEO, os conselheiros também possuem alguma responsabilidade.

CPI não trouxe impactos para a ação da Americanas

Para Rodrigo Salvador, planejador financeiro e sócio da HCI Invest, “a CPI não trouxe um fato novo”. Assim, o papel da Americanas não foi impactado pois a Comissão não foi capaz de trazer uma contribuição significativa ao caso. “Parece que ficou em cima do muro”, diz. “Seguindo a maioria das CPIs, acabou em pizza.”

Para Salvador, após a queda de mais de 90% no começo do ano, a ação da Americanas tem apresentado forte volatilidade, em um preço muito baixo. Nos últimos dias, foi inclusive possível notar uma alta de mais de 10%, porém é uma oscilação dentro do esperado devido ao seu baixo preço.

No longo prazo, o analista afirma que os desdobramentos da recuperação judicial terão mais repercussão no mercado do que a CPI. Entre os pontos de atenção, Salvador destaca o futuro da participação da 3G na empresa, a negociação com os credores e o plano de reestruturação. “Isso sim vai ditar se a empresa vai quebrar, se vai se levantar, se vai ser incorporada por outra grande varejista, enfim.”

Desdobramentos políticos da CPI

O deputado Carlos Chiodini (MDB-SC), relator da CPI da Americanas na Câmara, decidiu não imputar responsabilidades pela fraude fiscal multibilionária da varejista em seu relatório, mas sugere uma série de medidas para aumentar a responsabilização no mercado financeiro.

Homem de terno falando ao microfone em mesa. Bandeira do Brasil ao fundo. Ambiente oficial.
Brasília (DF)05/09/2023 Relator da CPI das lojas Americanas deputado, Carlos Chiodini, ler seu relatório na comissão. Foto Lula Marques/ Agência Brasil

Divulgado nesta segunda-feira, o relatório propôs quatro medidas a serem consideradas pelo Congresso com o objetivo de reforçar a regulação do mercado.

Uma vez aprovado o relatório de Chiodini na CPI, os projetos sugeridos ainda terão de passar por toda a tradicional tramitação na Câmara e no Senado.

(* com informações da Bloomberg e da Reuters)