O feriado na China na virada do mês até o último fim de semana provocou um aumento expressivo nas viagens domésticas, seja nas estradas, por trem-bala ou de avião. Porém, os dados sobre o consumo chinês durante a pausa prolongada de cerca de dez dias falharam em animar a economia.
Com isso, o mercado voltou a ponderar a necessidade de estímulos adicionais por parte de Pequim para atingir a meta de crescimento de cerca de 5% neste ano. Fontes citadas pela Bloomberg afirmam que as autoridades chinesas consideram elevar o déficit fiscal de 2023 em 1 trilhão de yuans (cerca de US$ 140 bilhões) para incentivar projetos de infraestrutura.
Se confirmada, será uma mudança de postura por parte das lideranças do país, uma vez que o governo chinês tem evitado até agora estímulos mais amplos. Ainda assim, não há qualquer sinal de que a China esteja prestes a tomar medidas ortodoxas, estimulando os gastos com consumo através de injeção “artificial” de dinheiro na economia.
De qualquer forma, a expectativa é de que o anúncio seja feito ainda neste mês. Embora o governo chinês possa mudar os planos, uma vez que novas medidas de estímulo ainda estão na mesa, o timing não surpreende. Isso porque essas especulações ressurgem após certa frustração com o desempenho da atividade durante a chamada Semana Dourada.
Dados sem brilho
O longo feriado começa em 1º de Outubro, quando é celebrada a fundação da República Popular da China em homenagem à vitória na Revolução Comunista em 1949. Em 2023, porém, a data foi seguida de outro feriado, conhecido como o Festival da Lua (ou de Meio Outono), ocorrido no fim de setembro. Foi, portanto, o feriado mais longo do país neste ano.
“No entanto, de um modo geral, os dados de atividade durante o feriado mostraram uma tendência mista”, comentam os analistas de ações da Ásia do Julius Baer, Richard Tang e Eric Mack. Para eles, enquanto as viagens mantiveram certa dinâmica, os gastos com entretenimento, consumo pessoal e serviços ficaram abaixo das expectativas.
De acordo com dados do Ministério da Cultura e Turismo (MOT) da China, durante o período oficial de oito dias do feriado, entre 29 de setembro e 6 de outubro, o número de viagens locais cresceu 4,1% em relação ao mesmo período de oito dias da pausa em 2019 – portanto antes da pandemia. De uma forma geral, houve preferência por distâncias maiores.
Segundo a Trip.com, as viagens entre províncias representaram mais de 50% de todas as reservas de viagens, um aumento duas vezes maior em relação ao ano passado, ultrapassando o período pré-covid-19. Já as receitas avançaram 1,5%, uma vez que a tarifa média dos voos domésticos segue 35% acima do nível pré-covid-19.
Ainda assim, os especialistas do banco suíço ressaltam que os dados são bem mais fracos do que o observado nos dois feriados prolongados anteriores no país neste ano, durante o Dia do Trabalho (maio) e o Festival do Barco do Dragão (junho). Nas ocasiões, as viagens domésticas saltaram 110% e 120%, respectivamente, em relação ao período pré-pandemia.
“A procura por viagens domésticas manteve o dinamismo durante o período da Semana Dourada, mas começou a registar alguns efeitos de redução gradual, como foi comum em muitos países cerca de seis meses ou um ano após a reabertura pós-pandemia”, afirmam Tang e Mack, do Julius Baer, em comentário.
Por outro lado, as viagens internacionais normalizaram-se ainda mais. Ainda de acordo com o site de viagens Trip.com, os principais destinos estrangeiros para turistas vindos da China foram: Cingapura, Malásia, Tailândia e Coreia, além das regiões administrativas especiais chinesas de Macau e Hong Kong. Nesses locais, a ocupação hoteleira atingiu mais de 85%.
Ao mesmo tempo, houve uma forte preferência por viagens autônomas, com o número de veículos nas rodovias expressas da China atingindo a marca recorde de 60 milhões ao longo dos oito dias. Dados do Ministério dos Transportes mostram que mais de 70% das viagens envolveram deslocamentos entre diferentes cidades e províncias.
Destinos turísticos como Pequim, Xangai e Hangzhou foram os mais procurados pelos viajantes, onde a demanda por transporte por aplicativos, como a Didi, aumentou 80%, chegando até a triplicar em relação a dias normais. Houve também um aumento substancial nas reservas de aluguel de carros, que cresceram seis vezes em relação ao ano anterior.
Apesar do intenso vaivém dentro e fora do território chinês, os dados da Semana Dourada para o consumo não apontam uma direção única.
Tanto que o movimento nas bilheterias de cinema foi decepcionante, com queda de 36% na receita em relação a 2019. Já o faturamento das principais redes de restaurantes monitoradas pelo Departamento de Comércio chinês mostrou aumento de 20% em relação ao mesmo feriado do ano passado.
Parece que muitos chineses optaram por manter o hábito de ficar em casa, mesmo com o fim das medidas de restrição da pandemia. Isso porque o volume de encomendas cresceu 9% no período de oito dias, em base anual, e disparou 130% em relação a 2019.
Vem aí mais estímulo?
Daí a necessidade de novas discussões entre os líderes chineses sobre a trajetória da segunda maior economia do mundo até o fim do ano.
“A China ainda carece de dados internos positivos para impulsionar o seu dinamismo e a economia chinesa pode ainda ser influenciada por fatores globais, como a taxa de juros nos EUA e a situação geopolítica no Oriente Médio no curto prazo”
analistas do Julius Baer
Assim, o ritmo de desaceleração da economia chinesa pode pesar ainda mais, a depender dos impactos vindos de fora. Por isso, a emissão de dívida adicional por parte do governo central pode fornecer apoio extra e mais recursos para reestruturar uma recuperação interna mais forte e mais rápida.
“A história da retomada da China pode ser uma corrida de revezamento, sendo inicialmente estimulada pelo investimento em infraestrutura, antes de ser impulsionado pelos gastos dos consumidores”, disse à Bloomberg o economista-chefe da Jones Lang Lasalle, Bruce Pang.
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