Quando estava grávida de seu primeiro filho, a jornalista Sarah Germano, de Sorocaba (SP), descobriu que é portadora da pouco conhecida síndrome de Marfan – um distúrbio raro que inibe a produção de colágeno.
O diagnóstico veio em 2014 e foi feito por meio de um exame clínico, daqueles em que as respostas a uma série de questionários indicaram características compatíveis com a síndrome. Foi assim porque, naquela época, um teste genético era muito caro, mais de R$ 10 mil. E, pior, não era certeiro: havia o risco de trazer um resultado inconclusivo.
A síndrome de Marfan é um distúrbio raro do tecido conjuntivo (aquele que dá sustentação aos órgãos), causado por mutações no gene que codifica uma proteína chamada fibrilina. Essa condição pode deixar ossos e articulações mais flexíveis. No limite, ela pode provocar uma dilatação excessiva da aorta, a principal artéria do corpo humano, o que seria fatal.
Sarah foi atrás de um diagnóstico depois de ler uma reportagem sobre o campeão mundial de natação Michael Phelps. O texto dizia que uma série de características do atleta eram compatíveis com a síndrome: hiperflexibilidade, cabeça afunilada, pernas e braços longos. Na verdade, não se sabe se o nadador realmente tem a síndrome – apenas que essas características ajudam a torná-lo um ótimo nadador.
De todo modo, Sarah, que tem 1,90 metro de altura, se identificou. E logo pensou no pai, também alto (2m), e que morreu em 1996, aos 37 anos, vítima de um ataque cardíaco fulminante – evento que teoricamente, poderia ser explicado pela dilatação excessiva da aorta.
Desde então, Sarah passou a fazer um acompanhamento regular com um geneticista e um cardiologista – que, felizmente, nunca mostrou nenhuma alteração. Ainda assim, por muito tempo, ela conviveu com uma dúvida: será não teria sido tudo uma grande coincidência, e o diagnóstico estaria simplesmente errado?
Somente oito anos e muita evolução tecnológica depois, Sarah conseguiu fazer o exame no laboratório Delboni, do grupo Dasa. O preço já era bem menor: R$ 2,5 mil (considerando a inflação do período, a diferença de preço é realmente gritante; os R$ 10 mil de 2014 teriam virado R$ 17 mil). E a precisão era bem maior. O teste indicou que Sarah é mesmo portadora da síndrome. “Foi um choque de realidade, porque eu tinha uma certa esperança de que não fosse esse o resultado”, diz.
O sequenciamento genético de nova geração, tecnologia que permite examinar o DNA de maneira mais detalhada, surgiu em 2010 e mudou a realidade da medicina diagnóstica. Hoje, é possível hoje analisar uma grande quantidade de DNAs e, com isso, identificar a pré-disposição de cada indivíduo para milhares de doenças: câncer, diabetes, problemas cardiovasculares ou demências, como o mal de Alzheimer.
Os testes, como vimos aqui, também ficaram mais assertivos e mais baratos. E isso abriu espaço para uma espécie de boom, segundo Wagner Baratela, head de Genética do Grupo Fleury. “O conhecimento, que antes estava restrito a doenças graves, ampliou-se. Passou a ser possível fazer testes preventivos”, diz.
O caso mais famoso de uso da genética para prevenir o avanço de doenças é o da atriz Angelina Jolie. A mãe dela morreu de câncer de mama aos 56 anos. Isso motivou Angelina a fazer um teste genético, em 2013, aos 37 anos, para avaliar se ela teria chances de desenvolver a doença também. E o exame mostrou uma anomalia no gene chamado BRCA1.
As chances de Angelina também desenvolver câncer de mama eram altíssimas: 87%. Para câncer de ovário, a probabilidade era de 50%. Diante desses riscos, a atriz optou por uma cirurgia de dupla mastectomia. Mais tarde, retirou também os ovários.
Dez anos depois do caso de Angelina, a medicina genética já ocupa papel importante como instrumento de prevenção e tratamento de doenças. Mas não é só isso. Essa tecnologia passou a ser aplicada também na busca pura e simples por mais qualidade de vida.
Você não é todo mundo
Mutações genéticas são comuns, todo mundo tem. São elas que fazem verdade a máxima de que “cada indivíduo é único”. O desafio, explica Baratela, é entender qual o impacto dessa mutação: ela apenas traz uma peculiaridade ou muda, por exemplo, a capacidade daquela pessoa digerir um alimento?
Hoje, com a genômica, dá para descobrir muitas dessas peculiaridades. Tipo auto-conhecimento mesmo. E muita gente tem recorrido a ela em busca de respostas para questões do dia a dia, algumas relevantes para a saúde, outras nem tanto: qual antidepressivo tem mais afinidade com o seu organismo; qual a dieta mais adequada, qual o melhor esporte, qual o risco de perder os cabelos. São questionamentos centrais para uma geração que vislumbra a longevidade e está disposta a investir – gastar, em português claro – em diversos recursos para viver esses anos adicionais com mais qualidade.
O avanço da tecnologia combinada à busca incansável pelo bem-estar fomentou a criação de um verdadeiro mercado em torno dos testes genéticos. Tanto laboratórios especializados quanto os grandes nomes da saúde diagnóstica, como Fleury, Dasa e o Hospital Albert Einstein, oferecem produtos de mapeamento genético.
Além da probabilidade de o cliente desenvolver determinadas doenças, os testes trazem informações sobre o metabolismo, propensão a perder peso, vantagens atléticas, relação com o sono…
E tudo muito fácil: o próprio paciente pode comprar um teste, sem um pedido médico. E a custos relativamente baixos: os preços pesquisados pelo InvestNews variam de R$ 500 a R$ 2,5 mil dependendo do laboratório e do espectro de análises feitas pelo exame.
Em geral, é possível comprar o kit – aquele coletor que parece um cotonete – pela internet. E enviar a amostra pelo correio. O resultado costuma sair em até 30 dias. Em todos os casos, existem diferentes níveis de mapeamento: quanto mais amplo, mais caro.
O Fleury, um dos pioneiros no uso da genética na medicina diagnóstica, criou em dezembro de 2020 a Sommos DNA, plataforma de testes genéticos com foco no atendimento direto ao consumidor. Sem abrir os números exatos, a empresa diz que o número de exames contratados por meio dessa plataforma cresceu mais de 15 vezes desde então.
Segundo Wagner Baratela, são principalmente adultos jovens, ao redor de 40 anos, que procuram esses exames. É um público mais “antenado” em relação ao avanço da tecnologia. Que sabe que conta com maior expectativa de vida e quer amenizar o impacto do envelhecimento.
Também existe um esforço por parte dos laboratórios em levar esses testes diretamente para os consultórios de médicos e nutricionistas. Afinal, esses profissionais podem se valer do recurso da genômica para direcionar tratamentos.
É o caso do DNA Club, laboratório com 28 anos de atividade, e que passou a oferecer os testes genéticos em 2019. O laboratório trabalha junto a uma rede consultórios médicos e de nutricionistas. Um deles é a clínica de bem-estar Huna, em São Paulo, de Patricia Rodrigues, que também é uma das acionistas do DNA Club.
Essa clínica é muito procurada por clientes em busca de emagrecimento e melhora de disposição física. Assim, Patricia viu aí uma oportunidade de oferecer também o pacote de testes, que analisa 171 marcadores genéticos – genes que definem as características do indivíduo.
Na clínica, o resultado é sempre lido junto de uma nutricionista. É uma maneira de evitar sustos com as informações, diz Patricia. E, principalmente, oferecer instruções práticas para lidar com eventuais propensões a doenças. “Fazer o teste só faz sentido se o paciente tiver uma orientação sobre o que fazer com o diagnóstico”, afirma.
Predestinação?
Quando se pensa em doenças, o que o mapeamento genético consegue oferecer é uma probabilidade. E, quanto a isso, Baratela, do Fleury, é enfático: a herança genética é apenas uma das variáveis. A ciência já provou que, para alguns tipos de câncer, há um componente de hereditariedade responsável por 20% a 30% das chances de a doença aparecer – ainda que em algumas famílias as probabilidades sejam maiores.
Mas há várias outras causas, a começar pelo estilo de vida. “O peso exato de cada fator para que a doença realmente apareça ainda não está muito claro”, admite. “Por isso, um resultado mal interpretado pode trazer mais problemas do que soluções.”
Ricardo di Lazzaro, diretor médico da Dasa Genômica, ressalta que o exame genético traz probabilidades. Não pode ser lido como uma sentença. Por isso é importante que o cliente procure um especialista para ler o resultado.
O perigo, explica o especialista, é que cuidados básicos sejam negligenciados em função desse teste. Por exemplo, alguém deixar de usar protetor solar por não ter identificado um risco maior de desenvolver câncer de pele.
O inverso também pode ser traumático. Patricia Rodrigues, do DNA Club, detectou uma probabilidade de desenvolver demência no futuro. A informação é impactante. Mas, em vez de lamentar, a empresária viu nessa informação a oportunidade de adotar medidas que retardem, ou evitem completamente, a doença – sempre sob a orientação de um profissional.
Para entender como os clientes lidam com os exames, o Dasa fez uma pesquisa junto a 1.500 usuários. Identificou que 70% tomaram alguma atitude. Desses, 77% mudaram a alimentação e 71% passaram a fazer atividade física. Apenas metade levou o resultado para um profissional de saúde. Na verdade, são medidas que qualquer um, com ou sem teste genético, deveria adotar. “Mas o teste engaja”, diz di Lazzaro. “Talvez esse seja o principal ganho”.
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