Escassez: a estratégia dos tênis On e Hoka para manter a aura no varejo
Marcas inspiram-se no mercado de luxo: entregam quantidades menores do que poderiam, para se tornar mais desejadas
Os tênis Hoka, os calçados On, as botas Ugg e as sandálias Birkenstock não são muito parecidos, mas têm uma coisa em comum: nenhum deles passa muito tempo nas prateleiras. O que essas empresas estão fazendo certo?
É importante garantir o conforto, o desempenho e o estilo de um calçado. Mas essas marcas também se inspiraram em um aspecto do manual das marcas de luxo, sendo exigentes sobre onde disponibilizam seus produtos e sobre o ritmo do crescimento.
A Deckers Outdoor, proprietária da Hoka e da Ugg, teve um crescimento saudável em ambas as marcas. As vendas da Ugg, sua maior marca, aumentaram 16% no último ano fiscal e devem crescer mais 7,4% no atual ano fiscal. A receita da Hoka, sua segunda maior marca, conseguiu uma impressionante taxa composta de crescimento anual de aproximadamente 50% nos últimos quatro anos, enquanto sua concorrente, a On, teve um crescimento composto médio de mais de 65% no mesmo período. Espera-se que as receitas da On e da Hoka cresçam cerca de 25% este ano. A marca de sandálias Birkenstock deve aumentar a receita em uma porcentagem de dois dígitos em cada um dos próximos anos.
Analistas do setor dizem que a Deckers se destaca pela maneira meticulosa como aloca o estoque. A empresa aprendeu a lição com as botas Ugg, que eram populares no início dos anos 2000, mas que acabaram decaindo. Em 2016, a empresa tomou a decisão de parar de distribuir por meio de certos varejistas, saindo de cerca de 200 lojas. Deu então preferência de estreitar sua distribuição por meio de parceiros maiores, como Amazon e Macy’s. Esse esforço, juntamente com os badalados lançamentos de oferta limitada de alguns estilos — como as Ultra Mini Platforms — ajudou a aumentar o prestígio da marca.
A Deckers aplicou esses métodos à Hoka, que adquiriu em 2012. A empresa tem apresentado os calçados Hoka aos parceiros de varejo em um “ritmo lento e deliberado” e tem sido exigente quanto às lojas com as quais trabalha, de acordo com Joseph Civello, analista de ações da Truist Securities. A marca também direciona estilos por loja: por exemplo, coloca tênis de desempenho em lojas especializadas em corridas, ao mesmo tempo em que prioriza calçados de estilo moderno em locais como a Foot Locker para atrair os sneakerheads, ou colecionadores de tênis, de acordo com Civello.
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Rival da Hoka, a On, também optou por uma estratégia seletiva, embora tenha cometido alguns erros ao longo do caminho. A empresa parou de vender na ponta de estoque americana de calçados DSW e em lojas que classifica como varejistas de calçados “confortáveis” na Europa, onde a marca não estava atingindo o público certo. Seus atuais parceiros de varejo incluem lojas especializadas em corrida, como Fleet Feet e a loja de departamentos de luxo Nordstrom.
A Birkenstock é outro exemplo: a marca normalmente envia aos varejistas cerca de 75% do que eles gostariam de encomendar, de acordo com uma nota de pesquisa da Evercore. Em uma conferência do setor em setembro, o presidente da Birkenstock Americas, David Kahan, disse que o modelo de escassez impulsiona a “urgência da compra” dos consumidores. “Ninguém está comprando o produto e comparando o preço — [perguntando]: posso comprá-lo mais barato em outro lugar?”, disse ele.
A estratégia seletiva está claramente aparecendo nos resultados financeiros dessas empresas: Deckers Outdoor, On e Birkenstock possuem margens brutas superiores a 55%. As margens brutas de 60% da On estão mais próximas das da gigante de luxo LVMH do que das da Nike.
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Acertar a quantidade de estoque é importante, mas também é importante obter a combinação certa de locais de vendas. Essas marcas teriam mais lucro se começassem a canalizar mais vendas por meio de suas próprias lojas e sites. Mas, como a Nike descobriu da maneira mais difícil, as empresas também podem dar um tiro no pé tentando abandonar os intermediários de modo muito rápido. Startups de tênis como a Hoka provavelmente se beneficiaram da decisão da Nike de sair abruptamente das lojas de varejo, observa Paul Lejuez, analista de ações do Citi. Deckers Outdoor, On e Birkenstock estão aumentando a participação de calçados vendidos diretamente, mas fazem isso aos poucos. Os parceiros de varejo ainda respondem por cerca de 60% das vendas nas três empresas.
O varejo está repleto de casos em que o desejo das marcas por um crescimento rápido saiu pela culatra. A Under Armour, por exemplo, foi alvo de uma investigação contábil há alguns anos, depois de ter sido acusada de tentar inflar os números de vendas trimestrais, pedindo aos varejistas que aceitassem os produtos com antecedência e redirecionando as mercadorias para redes de preços baixos como a T.J. Maxx nos últimos dias de um trimestre. A empresa resolveu essas questões sem admitir ou negar irregularidades. Quer as alegações fossem verdadeiras ou não, a superexposição da Under Armour a vendedores populares barateou a imagem da marca, que ainda está tentando se recuperar.
A VF, que adquiriu a popular marca de streetwear Supreme em 2020, não conseguiu manter a credibilidade desta nas ruas, possivelmente porque disponibilizou produtos demais. Ela vendeu a Supreme para a EssilorLuxottica no início deste ano.
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As empresas de capital aberto têm a tendência de pensar no curto prazo porque estão em dívida com investidores que desejam ver o crescimento trimestre a trimestre. Esse não é o caso dos conglomerados de luxo europeus, que são negociados publicamente, mas ainda são controlados pela família e, portanto, podem frear o crescimento da receita de curto prazo em favor do prestígio de longo prazo.
Para manter a sequência de sucesso, os investidores dessas marcas de calçados populares podem precisar adotar a paciência das famílias de conglomerados de luxo.
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traduzido do inglês por investnews