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O luxo tem seu preço — mas ele está ficando alto demais para os seus consumidores

Clientes agora se queixam dizendo ter menos retorno em lojas de grife

Por Carol Ryan The wall street Journal
Publicado em
7 min
traduzido do inglês por investnews

Não é coisa da cabeça dos consumidores: bens de luxo custam muito mais hoje em dia, sem que haja a contrapartida de uma qualidade melhor. As vendas fracas parecem um problema mais profundo do que algumas marcas admitem. 

Uma camiseta básica de algodão com o logotipo da Christian Dior custa agora US$ 1 mil. Os mocassins pretos mais simples da Gucci custam US$ 990. E que tal um cardigã Brunello Cucinelli por US$ 8.995? Os consumidores pagam por bens de luxo precisamente para se destacarem como alguém com condições para gastar grandes quantias de dinheiro. Mas, se as marcas ultrapassam certos limites, problemas comecem a aparecer. 

Psicólogos que estudam o comportamento do consumidor falam que as pessoas compram produtos de grife por razões emocionais. O principal deles é se destacar da multidão e mostrar sua posição na hierarquia social. As marcas de luxo gastam bilhões de dólares por ano em publicidade para garantir que seus produtos sejam símbolos de riqueza e sucesso na mente dos consumidores. 

Alguns compradores de artigos de luxo gostam de evidenciar sua riqueza mais que outros. As pessoas que querem aparecer são atraídas por grandes logos para evidenciar o óbvio.

Os ultra-ricos, por outro lado, não tentam evidenciar tanto sua riqueza. Eles compram as marcas de luxo mais caras, porém mais discretas, como Hermès. Um estudo mostrou que, para cada aumento de US$ 5 mil no preço dos produtos de luxo, o logotipo da marca encolhe um centímetro. Em outras palavras, é pouco provável que o sujeito que usa logos da cabeça aos pés seja um dos que mais gaste com luxo.

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Como os consumidores veem os bens de luxo como símbolos de status, estão dispostos a pagar muito caro por eles. Em geral, as marcas têm uma margem de lucro de oito a 12 vezes o custo de produção de seus produtos, de acordo com estimativas da Bernstein. Isso faz com que o setor seja extremamente lucrativo. As principais marcas de luxo conseguem ter margens operacionais acima de 30%. Em comparação, as do varejo tradicional, como Gap ou H&M, tem cerca de 7%. 

Na teoria econômica, as marcas de luxo são classificadas como “bens de Veblen”: uma categoria que inverte as leis usuais da economia. Em vez de reduzir a demanda quando os preços sobem, os bens de luxo são mais demandados quanto maior for o preço, uma vez que os consumidores interpretam o custo elevado como um sinal de que os produtos são preciosos e escassos.  

Contudo, não é isso que acontece hoje. O produto de luxo médio está 60% mais caro agora do que em 2019, mostra uma análise do HSBC. Mas a indústria está passando por um de seus momentos mais difíceis em anos. 

As oito marcas da categoria que já divulgaram seus resultados do terceiro trimestre tiveram uma redução média das vendas de 4%, em relação ao ano anterior. Há uma enorme divergência entre elas: marcas conhecidas pela qualidade e criatividade, como Hermès e Miu Miu, ainda vendem bem. A maioria das outras está sofrendo. A Gucci teve o pior desempenho do setor, com uma redução de 25% no trimestre.

Um pedestre passa por uma loja Miu Miu, operada pela Prada SpA, em Pequim, China. Foto: Giulia Marchi/Bloomberg

A desaceleração pode ser temporária. Os consumidores chineses, que impulsionaram mais da metade do crescimento da indústria de luxo nos últimos anos, vão ficando de lado, por consequência da queda do poder de compra. Mas outros consumidores passaram a se perguntar se esses produtos valem o preço cobrado hoje. 

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As margens brutas aumentaram em todo o setor de luxo desde o final de 2019 — período em que as marcas aumentaram os preços no ritmo mais rápido em décadas. A LVMH, proprietária da Louis Vuitton, aumentou sua margem bruta em mais de dois pontos percentuais nesse período; a da Richemont, proprietária da Cartier, subiu sete. 

Isso pode ser explicado em parte pelo aumento dos gastos dos consumidores chineses durante a pandemia na China continental, onde os preços dos bens de luxo são mais altos. Mas margens brutas mais robustas também são um sinal de que os preços cobrados pelas empresas do setor subiram mais rapidamente do que os investimentos na qualidade de suas matérias-primas. 

“Os preços foram usados como forma de lidar com uma avalanche de demanda dessas marcas durante a pandemia”, diz Luca Solca, analista de luxo da Bernstein. “Mas se os clientes têm que pagar preços mais altos, você tem que dar a eles algo novo e surpreendente.”

Uma maneira de descobrir se o aumento de preço prejudicou o apelo é observar o que está sendo dito online sobre as marcas. Com base em uma análise da Brandwatch, empresa de dados das redes sociais, houve um aumento nos comentários negativos sobre marcas de luxo há alguns meses, o que coincidiu com controvérsias sobre a cadeia de suprimentos do setor. 

Uma pesquisa italiana mostrou que as bolsas Christian Dior vendidas por cerca de US$ 2.800 são feitas por apenas US$ 58. Mas os consumidores rapidamente superaram essa ideia e as opiniões negativas diminuíram. 

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Ainda assim, os debates — especificamente sobre preços — são muito negativos. Com base em uma análise do humor predominante nas postagens sobre preços de marcas de luxo, entre janeiro e outubro deste ano, a principal emoção de mais de 60% dos comentários era de revolta, decepção ou tristeza, aponta a Brandwatch. 

Certamente, as marcas de luxo podem estar adotando preços mais altos para tentar contornar uma tensão crescente em seus negócios. Nas últimas duas décadas, elas aumentaram as vendas “democratizando” o acesso ao luxo. Ao entrar em categorias mais baratas, como cosméticos, óculos de sol e bolsas pequenas, atraíram intencionalmente milhões de novos consumidores de classe média.

Bernard Arnault, bilionário e presidente da LVMH Moet Hennessy Louis Vuitton SE, durante uma coletiva de imprensa da companhia em Paris, França, na segunda-feira, 24 de julho de 2023. Foto: Benjamin Girette/Bloomberg

Visar essa ampla base de compradores mais do que triplicou o valor das vendas globais do setor desde 2000 e criou algumas das maiores fortunas da Europa. Bernard Arnault, o fundador da LVMH, é atualmente a terceira pessoa mais rica do mundo. Por um tempo, sua empresa teve a ação mais valiosa da Europa — que só foi ultrapassada em 2023, pela farmacêutica que produz o Ozempic, a Novo Nordisk. 

Mas as redes sociais estão dificultando a manutenção da exclusividade das marcas de luxo. “As redes sociais mostram o que os outros estão vestindo, mas quando parte do que você está vendendo é a raridade, isso pode ser um desafio”, diz Jonah Berger, professor de marketing da Universidade da Pensilvânia. “As coisas podem parecer menos escassas, e as empresas inteligentes estão tentando pensar em como gerenciar isso.” Uma maneira de diminuir o risco da superexposição é vender menos itens a preços muito mais altos.

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O problema é que a opção pela democratização acabou deixando as marcas muito mais dependentes, em termos de receita, de consumidores que, mesmo que não sejam ricos, estejam uma situação confortável. Mais da metade das vendas da indústria de artigos de luxo vem de compradores que gastam menos de US$ 3 mil por ano em produtos de grife. Aliená-los com aumentos de preços pode inevitavelmente fazer as vendas sofrerem. 

Se a verdadeira arte de vender produtos de luxo é fazer com que os compradores se sintam privilegiados por desembolsar milhares de dólares em produtos com preços muito acima de seu valor funcional, algumas marcas estão perdendo seu toque de midas.

Escreva para Carol Ryan em [email protected]

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