Após 24 anos no poder, mais da metade deles em uma guerra contra seu próprio povo, Bashar al-Assad foi deposto neste domingo (8) durante uma incursão surpresa dos rebeldes sírios, que tomaram as principais cidades do país até chegarem à capital, Damasco. A Rússia confirmou que Assad renunciou ao cargo e saiu do país, deixando instruções para uma “transição pacífica de poder”.

A queda do ditador abre um novo capítulo de tensão para o Oriente Médio, que nas últimas semanas havia começado um processo de desescalada do conflito vizinho entre Israel e o Líbano.

Com isso, o preço do petróleo pode ser o principal afetado, a depender do grau de instabilidade da transição e de quem tomar o poder das reservas de petróleo sírias, as mais importantes da região ao Leste do Mediterrâneo. Antes da guerra, a produção chegava a 400 mil barris por dia, mas caiu para menos de 25 mil em 2018.

Mas, segundo analistas, outros fatores também pesam no interesse da comunidade internacional, com efeitos diretos na economia mundial. Os dois principais são a segurança e a migração, com a população síria representando mais de 6,3 milhões de refugiados no mundo, de acordo com a Acnur, das Nações Unidas.

Um quarto risco é que os grupos não consigam chegar a um acordo e o país acabe fragmentado e com novos focos de violência e desestabilização regional.

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Grupo levanta armas ao ar em Damasco, na Síria, em comemoração à queda de Bashar al-Assad
Grupo levanta armas ao ar em Damasco, na Síria, em comemoração à queda de Bashar al-Assad neste domingo (8). Foto: Ali Haj Suleiman/Getty Images

Vácuo de poder

A primeira preocupação, segundo os especialistas, é a dificuldade de a coalização de grupos rebeldes entrar em acordo a partir de agora. “Será extremamente desafiador para toda a coalização, porque é uma coalização diversa”, afirmou à CNN Becky Anderson, analista sênior do International Crisis Group, um think tank com base em Bruxelas.

“Alguns grupos são mais estruturados, mais organizados”, enquanto outros “são entidades mais locais”, explicou.

Em entrevista à Bloomberg, Freddy Khoueiry, analista de segurança global da RANE, disse que “o colapso provavelmente desencadeará um processo político para criar um governo provisório contestado entre facções rebeldes rivais”.

O grupo que liderou o avanço recente de insurgentes é o Hayat Tahrir al-Sham, também conhecido por HTS. Ele é sunita que se separou da al-Qaeda em 2016. Desde então, ele tenta se posicionar como mais moderado. Mesmo assim, foi designado como organização terrorista pelos EUA e outros países.

Ahmed Al-Sharaa, líder do grupo, e que adotou como nome Abu Mohammad al-Jolani, afirmou em entrevista à CNN na sexta (5) que não muçulmanos e outras minorias estariam seguros nas áreas sírias supervisionadas pelo HTS. Ele também atribuiu o sucesso das forças de oposição a uma maior disciplina e unidade.

“A revolução passou de caos e aleatoriedade para um estado de ordem”, afirmou ele.

Mulher comemora na rua em Damasco, na Síria, após a notícia de que Bashar al-Assad fugiu do país e renunciou à presidência
Mulher comemora na rua em Damasco, na Síria, após a notícia de que Bashar al-Assad fugiu do país e renunciou à presidência. Foto: Ali Haj Suleiman/Getty Images

Interesses externos

O pesquisador HA Hellyer, do Carnegie Endowment for International Peace, explicou, em entrevista à CNN, que o grupo parece focado em ocupar o quanto antes o vácuo de poder, mas será impossível fazer a transição de rebelião para autoridade governamental. “Eles vão precisar de ajuda e assistência. E agora que é do interesse de todos regionalmente, mas também internacionalmente, que a Síria consiga se reeguer.”

Segundo Khoueiry, da RANE, o processo de transição “provavelmente será lento e propenso a violência à medida que atores estrangeiros tentam moldar o equilíbrio de poder pós-guerra, tornando uma Síria instável e fragmentada o resultado mais provável no curto prazo.”

Além disso, ele disse que outros países devem atuar na moderação e estabilização do país, como Turquia, Catar e outras nações do Golfo e da Europa, trazendo seus próprios interesses à mesa.

A Turquia, por exemplo, tenta a todo custo evitar a expansão do Curdistão. E é o país que mais acolheu refugiados sírios desde o início da guerra (em 2022, eram cerca de 4 milhões), com impacto considerável na economia.

Teerã, por sua vez, perde boa parte da influência na região com a fuga de Assad. O Hezbollah, que apoiava o ditador sírio, atualmente está enfraquecido com a escalada de conflito entre Israel e o Líbano, que desescalou nas últimas semanas, após meses de tensão.

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Há ainda o papel da Rússia. Em nota divulgada neste domingo (8), o ministro de Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, afirmou que “a Rússia não participou dessas negociações” que levaram à fuga de Assad e que “a Federação Russa está em contato com todos os grupos da oposição síria”.

Rússia e Irã foram os dois grandes financiadores de Assad na brutal repressão contra a população síria desde 2011, que deixou mais de 600 mil mortos e fez com que 12 milhões de pessoas fugissem de suas casas – mais da metade do total de habitantes.

A reconstrução do país, principalmente nos enclaves de maior resistência – e mais atingidos por ataques aéreos promovidos pela Rússia – também deve envolver interesses de várias partes.

EUA e Israel observam

Menos claro ainda está o papel dos Estados Unidos, que evitaram se envolver no conflito desde o início. No sábado (7), quando os rebeldes chegaram a Damasco, o próximo presidente americano, Donald Trump, foi às redes sociais para dizer que os EUA não deveriam “ter nada a ver” com os desenvolvimentos na Síria.

“Isso não é nossa luta. Deixe que se desenrole. Não se envolvam!”, disse ele, que também afirmou que a Rússia “não estava mais interessada em proteger [Assad]”.

O governo americano atual, na administração do presidente Joe Biden, também mostrou pouca inclinação para intervir e afirmou que os EUA não têm nada a ver com a rebelião do HTS.

Os EUA e Israel estão observando cautelosamente. Assad não era aliado deles e Washington impôs sanções severas ao governo sírio. Mas o HTS é designado como organização terrorista pelos EUA e outros países ocidentais.

Vizinha da Síria, Israel informou na manhã de domingo (8) que havia destacado forças em uma zona de amortecimento próxima à fronteira para proteger as comunidades das Colinas de Golã, que fica entre os dois países.

O exército israelense acrescentou que não está envolvido com o que está acontecendo na Síria.

Danny Danon, embaixador de Israel nas Nações Unidas, afirmou que “deve-se lembrar que esses rebeldes não são amantes de Sião”, durante entrevista à emissora israelense Channel 14. “É verdade que todos hoje estão celebrando o enfraquecimento do Irã — algo que certamente é muito significativo do ponto de vista regional. Mas há também a preocupação de que partes alinhadas com organizações terroristas” possam usar as armas de Assad contra Israel.

Da Europa, as mensagens iniciais após a derrocada de Assad foram de apelo por moderação.

A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, alertou em um comunicado que “o país não deve agora cair nas mãos de outros radicais — seja qual for o disfarce”. Já a França pediu aos seus parceiros que “façam o possível para ajudar os sírios a encontrar o caminho para a reconciliação e reconstrução por meio de uma solução política inclusiva”.

Retrato de Bashar al-Assad em Damasco
Retrato de Bashar al-Assad em uma rua em Damasco, em foto de 2014. Foto: Izzet Keribar

O caminho até a queda de Assad

Bashar al-Assad herdou a presidência da Síria em 2000, após a morte de seu pai, que promoveu um governo autoritário no país por 29 anos. Assad júnior assumiu com promessas de reforma e liberalização econômica.

O tom mudou um ano depois, com a repressão de protestos pró-democracia. Em 2011, no auge da Primavera Árabe, quando chefes de estado árabes no Egito, Tunísia, Líbia e Iêmen cederam a levantes. os protestos de rua também chegara à Síria.

Mas a reação violenta de Assad aos manifestantes escalou o conflito para uma guerra civil prolongada e fortaleceu grupos radicais, incluindo o Estado Islâmico.

Os EUA e outras nações ocidentais acusaram o ditador de usar bombas de barril, tortura e armas químicas para sufocar a dissidência.

Ele se beneficiou do fato de que a oposição estava fragmentada em centenas de grupos predominantemente islamistas, que os EUA e seus aliados apoiavam apenas com cautela. O ex-presidente Barack Obama e seu sucessor, Donald Trump, ordenaram ondas de ataques aéreos contra redutos de Assad, mas tinham pouco apetite por uma intervenção mais profunda.