Os últimos anos não foram simples para o setor de educação. Desde a pandemia, as empresas vêm lidando com perda de alunos, aumento da inadimplência e, em muitos casos, um pesado endividamento. E, olhando para frente, a perspectiva ainda exige cautela: os juros altos encarecem as dívidas e também impactam a capacidade de seus clientes pagarem as mensalidades.

Em paralelo, o setor aguarda pela nova regulamentação do Ministério da Educação (MEC) para cursos de Ensino à Distância, que deve deixar as regras bem mais rígidas, o que pode atrapalhar os esforços das empresas para atrair mais alunos.

Toda essa situação resume os desafios Ânima, dona das marcas Anhembi Morumbi e São Judas e segunda maior companhia do fragmentado setor de graduação privada no Brasil. E o cenário macroeconômico pode agravar esse quadro.

“Estamos super vigilantes, navegando com cautela olhando pelo espelhinho retrovisor e para frente, para fazer os ajustes necessários”, afirma Paula Harraca, CEO da companhia, em entrevista ao InvestNews.

O que pesa a favor da empresa em um cenário como esse é a sua ampla diversificação: o grupo tem hoje 122 mil alunos matriculados no ensino digital e 203 mil alunos de graduação no presencial. Desses, 13 mil estão nos cursos de medicina – o mais rentável do setor.

Em entrevista ao InvestNews, Paula observou que, mesmo com um número menor de alunos, a vertical Inspirali, sob a qual estão os cursos de medicina, responde por metade da rentabilidade do grupo.

Segundo a agência de classificação de risco Fitch, a expectativa é de que a base de alunos dos cursos de medicina da Ânima cresça entre 2% e 3% em 2026. E vem mais por aí: a Ânima já teve 23 propostas de novos cursos aprovadas no programa Mais Médicos III, do governo federal.

Esse avanço dos cursos de medicina ajuda a compensar a queda no segmento digital, que deve ser de 5% em 2025, segundo a Fitch. “A Ânima enfrenta o desafio de retomar o crescimento no número de alunos de graduação presencial, excluindo medicina, após três anos de retração da base, em meio a um ambiente de negócios instável”, acrescenta a agência, em relatório.

Consolidação

A Ânima foi uma das empresas de educação que tiveram forte crescimento baseado em aquisições de empresas menores. Hoje, o grupo possui 25 marcas, sendo 18 delas instituições de ensino superior, entre elas as universidade São Judas e Anhembi Morumbi de São Paulo, UniBH e Centro Universitário UNA, de Minas Gerais, UniRitter, de Porto Alegre, e UniCuritiba, do Paraná.

Além dessas, a Ânima engloba outras verticais de educação em áreas específicas como a Le Cordon Bleu, da área de hospitalidade e gastronomia, Singularity University: Uma iniciativa na área de tecnologia e inovação e HSM, com foco em educação executiva e gestão.

Paula Harraca assumiu o comando da companhia em junho do ano passado com o desafio de garantir crescimento de receia e a qualidade dos cursos. Isso passa por cautela na gestão financeira e redução da alavancagem. E pela construção de uma “receita de qualidade” e mais estável – o que inclui, por exemplo, atrelar bolsas de estudos ao desempenho curricular.

Paula vem de uma experiência totalmente diferente: por 20 anos, a executiva trabalhou na siderúrgica ArcelorMittal. Mas, como filha de professora universitária, ela vê semelhanças entre os dois setores. Uma delas tem a ver com o fato de que tanto o aço como a educação são elementos que ajudam a determinar o nível de competitividade e inovação de uma economia. “Ambos fazem parte do alicerce do país”, diz. “O que eu trago do aço é a disciplina, olhar no resultado e nas pessoas com bom equilíbrio. Porque as pessoas geram o resultado, mas sem resultado a empresa não tem perenidade.”

Endividamento

A perspectiva de que os juros vão permanecer altos por mais tempo faz com que a companhia esteja mais atenta a esse risco. E torna mais importante reduzir a alavancagem e melhorar métricas de eficiência – a alavancagem da companhia mostrou uma leve alta após seis trimestres de queda e hoje está em 2,8 vezes.

Já a margem de EBITDA, medida de rentabiidade, aumentou para 27% em 2024, uma das maiores em seu nicho de atuação, comparada a 23% em 2023 e à média de 16% entre 2019 e 2022.

Para isso, Paula diz que é preciso o tempo todo “olhar pra dentro de casa, saber como ser extremamente eficiente nos usos dos recursos sabendo que o cenário pode piorar lá na frente, e por isso navegando com cautela, com prudência.”

A melhora da rentabilidade e da geração de caixa levaram a agência de classificação de risco Fitch a subir a nota da Ânima para ‘AA’ na última quinta-feira (10). “Esses fatores, em conjunto com maior disciplina na gestão de investimentos, contribuíram para uma trajetória de redução da alavancagem”, diz a Fitch. “As iniciativas de gestão de passivos para reduzir o custo financeiro e alongar o perfil de vencimento da dívida também foram incorporadas na ação de rating.”

O desafio do EAD

Um dos focos de atenção é o ensino à distância, que impulsionou o crescimento do aumento do número de alunos nas instituições privadas de ensino superior nos últimos anos. Segundo Paula, o novo marco regulatório do MEC é resultado da constatação de que o aumento na quantidade de EAD não garantiu a qualidade. Algumas carreiras, como as da saúde e pedagogia, provavelmente não poderão mais ser 100% online.

Ao mesmo tempo, oferecer cursos à distância ou híbridos tem seu papel: garante alcance de alunos que estão em regiões muito distantes, afirma Paula. E a Ânima já está aprimorando seu portfólio híbrido em resposta a essas mudanças. Uma das apostas da companhia são os polos de EAD, espécie de bases que a empresa mantém em locais mais distantes, por meio de parcerias.

São locais que servem de centro de estudos, onde os alunos podem ter acessos a recursos tecnológicos. E que também funcionam como escritórios comerciais. “O EAD tornou-se mais relevante para a Ânima após a aquisição dos ativos da Laureate em 2021, e o foco agora é em proporcionar uma experiência de aprendizagem digital de qualidade”, diz Paula.

Retenção de alunos

Conter a evasão de alunos também está na agenda do dia da executiva. E, claro, a dificuldade dos alunos de arcar com as mensalidades tem muito a ver com isso: segundo Paula, quando se olha os motivos apontados pelos alunos, os três mais frequentes têm a ver com questões financeiras. Isso inclui dificuldades com sistemas de financiamento como Fies ou Prouni, ou a própria situação financeira dos alunos devido à inflação e aos reajustes nas mensalidades.

Mas a perda de alunos não tem a ver apenas com questões financeiras. Existem muitos casos em que o aluno simplesmente não se identifica com o curso (dois a cada dez alunos que abandonam a faculdade dizem que aquele curso “não é para eles”.

A CEO da Ânima diz que entende que muitos alunos chegam ao ensino superior com falta de preparo em diversas áreas, como questões socioemocionais, cognitivas, nível de raciocínio lógico e interpretação de texto. E isso impacta o desempenho do aluno e, consequentemente, o nível de evasão.

As faculdades da Ânima traçaram estratégias para enfrentar esse problema, que envolve a avaliação de competências e identificação das áreas em que o aluno vai precisar de suporte, logo no início do curso. E, a partir daí, são oferecidos programas de nivelamento, que podem incluir cursos de idiomas, raciocínio lógico, interpretação de texto, tomada de decisões e competências comportamentais.

O objetivo, segundo Paula, é ajudar os alunos a superar desafios, como lidar com frustrações e desenvolver hábitos de estudo.