Cinco anos atrás, a Airbus fez uma aposta ousada: a fabricante de aviões lançaria uma aeronave movida a hidrogênio com emissão zero em 15 anos que, se bem-sucedida, marcaria a maior revolução na tecnologia da aviação desde o motor a jato.

Agora, a Airbus está pisando no freio. A empresa cortou o orçamento do projeto em um quarto, realocou funcionários e mandou os engenheiros restantes voltarem à prancheta, atrasando seus planos em até uma década.

A Airbus gastou mais de US$ 1,7 bilhão no projeto, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto, mas no ano passado concluiu que os desafios técnicos e a lenta adoção do hidrogênio na economia em geral significavam que o avião não estaria pronto antes de 2035.

O revés é um golpe no sonho da aviação limpa, que governos, investidores e clientes pressionaram a indústria a adotar.

A Airbus diz que os últimos cinco anos de trabalho e o dinheiro não foram desperdiçados. A empresa estabeleceu que o hidrogênio é tecnicamente viável e atrasar o projeto lhe dará mais tempo para ajustar a tecnologia, disseram executivos.

“Nosso destino não mudou”, disse Bruno Fichefeux, chefe de programas futuros da Airbus, em entrevista. “Para chegarmos lá, precisamos nos ajustar à realidade.”

“Momento histórico”

A Airbus revelou pela primeira vez a proposta de um trio de aviões movidos a hidrogênio no final de 2020. O mais ambicioso transportaria até 200 passageiros e teria um alcance de até duas mil milhas náuticas — o suficiente para voar de Nova York a Las Vegas.

“Este é um momento histórico”, disse o executivo-chefe da Airbus, Guillaume Faury, na época. “Pretendemos desempenhar um papel de liderança na transição mais importante que esta indústria já viu.”

A Airbus começou a agir, recrutando uma dúzia de companhias aéreas, da Delta à Air New Zealand, e mais de 200 aeroportos para determinar como o hidrogênio poderia ser incorporado às suas operações.

O plano gerou espanto. Executivos de companhias aéreas e fornecedores questionaram em particular se a meta de 2035 seria alcançável, já que a tecnologia de hidrogênio ainda estava em sua infância.

Houve uma série de desafios técnicos, principalmente as preocupações de segurança exemplificadas pelo desastre do Hindenburg em 1937. Os motores precisariam ser reconfigurados para funcionar com um combustível diferente. As aeronaves precisariam armazenar o hidrogênio na forma líquida a 423 graus negativos. A carga de combustível e o equipamento mais pesados comprometeriam o número de assentos e o alcance.

Um avião a hidrogênio também exigiria uma nova cadeia de suprimentos que produzisse o combustível em quantidades grandes o suficiente, seu transporte e o armazenamento com segurança nos aeroportos.

Executivos da Boeing, que exploraram o hidrogênio por anos, ficaram incomodados. 

“Não achamos que o hidrogênio seja a resposta”, disse o então CEO da Boeing, David Calhoun, em um dia do investidor no final de 2022, quando questionado sobre o que a empresa estava fazendo com a tecnologia.

Apesar do ceticismo, Faury estava determinado. Engenheiro de formação, o francês tentou convencer a liderança da Airbus a levar o hidrogênio a sério antes mesmo de se tornar CEO. Ele mencionava a ideia com tanta frequência que alguns executivos ficavam irritados quando ele tocava no assunto em reuniões, disseram ex-colegas.

Parte da motivação de Faury veio de seu tempo como chefe de pesquisa e desenvolvimento da Peugeot, a montadora francesa, em meados da década de 2010. A indústria automobilística foi pega de surpresa pela ascensão dos veículos elétricos, e Faury antevia o momento em que a Airbus pudesse enfrentar uma batalha semelhante, disseram pessoas familiarizadas com seu pensamento.

A Airbus também tinha um compromisso com um grande acionista — o Estado francês. A empresa foi uma das principais beneficiárias de um pacote de apoio governamental da era da Covid para o setor de aviação e aeroespacial de 15 bilhões de euros, equivalente a cerca de US$ 16,6 bilhões. O acordo exigia que a Airbus gastasse uma parte do dinheiro para trazer aeronaves verdes ao mercado até a década de 2030.

O projeto do hidrogênio ajudou a Airbus a ter acesso a um financiamento governamental adicional, além do financiamento verde privado. O dinheiro chegava às empresas com credenciais verdes, representando um risco potencial para a indústria da aviação, que responde por entre 2% e 3% das emissões globais de carbono.

O avião a hidrogênio também ajudou a atrair novos engenheiros em um momento em que a ativista verde Greta Thunberg ajudou a popularizar a “vergonha de voar” na Europa.

A Airbus acabou atribuindo ao projeto um orçamento anual de cerca de 400 milhões de euros, financiado principalmente por seus próprios cofres, de acordo com pessoas familiarizadas com seus acordos de financiamento. A empresa, que não detalha seus gastos com pesquisa e desenvolvimento, não quis fornecer uma explicação de seus gastos.

Outro “ciclo de desenvolvimento”

No ano passado, começou a ficar claro que a Airbus poderia precisar recuar na promessa de 2035.

O conceito inicial de uma aeronave de 200 assentos da empresa, que dependia da alimentação direta de hidrogênio para um motor a jato comum, era fundamentalmente falho: a combustão ainda produziria emissões de óxidos de nitrogênio. Os fabricantes de motores também hesitaram em investir pesadamente no projeto, de acordo com pessoas familiarizadas com o tema.

Em vez disso, a Airbus mudou o foco para células de combustível de hidrogênio, que usam uma reação química para gerar energia para um motor elétrico. Apenas vapor de água seria produzido, mas exigiria um redesenho mais radical da fuselagem e do sistema de propulsão. O avião transportaria apenas 100 passageiros por cerca de mil milhas náuticas. 

Com o tempo, até isso se mostrou desafiador devido ao peso extra das células de combustível e sua geração limitada de eletricidade. Em vez de um avião de fuselagem estreita que cobre curtas distâncias — o carro-chefe da indústria da aviação —, na melhor das hipóteses, a aeronave seria mais parecida com um turboélice regional menos atraente.

Enquanto isso, os executivos da Airbus observaram o entusiasmo pelo hidrogênio desaparecer. A BP e a finlandesa Neste, por exemplo, estão entre as empresas que cancelaram planos para novas usinas de hidrogênio.

No início de fevereiro, a Airbus disse aos trabalhadores que o orçamento do projeto de hidrogênio estava sendo cortado e seu cronograma, adiado. 

Mais tarde naquele mês, Faury disse que o projeto ainda não havia desenvolvido uma aeronave comercialmente viável que pudesse competir em preço e desempenho. Os engenheiros iniciariam um segundo “ciclo de desenvolvimento” para descobrir qual capacidade de assentos e alcance a aeronave a hidrogênio poderia ter, disse ele em uma teleconferência de resultados.

Em um evento da empresa em março, o CEO comparou o projeto ao Concorde, jato supersônico que foi relegado aos anais da história da aviação dado seu alto custo operacional. “Chegamos à conclusão de que seria errado estarmos certos cedo demais”, disse Faury.

Escreva para Benjamin Katz em [email protected]

Traduzido do inglês por InvestNews

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