Um dos motivos é a relativa proteção da economia brasileira, ainda bastante fechada e mais dependente da China do que dos Estados Unidos. Segundo esses investidores, o país teria condições de suportar as tarifas de 50% — caso entrem mesmo em vigor. Além disso, há a percepção de que o embate entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode repetir um roteiro conhecido: choque inicial nos mercados, seguido de recuperação conforme o presidente dos EUA recua das ameaças — padrão já apelidado de “TACO trade”.
“É cedo para fazer grandes mudanças”, disse Greg Lesko, gestor da Deltec Asset Management especializado em mercados emergentes, que mantém posição acima da média no Brasil. “Mesmo que as tarifas se mantenham altas, não é o fim do mundo.”
O Brasil virou uma das melhores apostas entre os emergentes no momento em que os investidores globais começaram a reduzir exposição aos EUA, por conta da política America First de Trump. O dólar caiu frente à maioria das moedas emergentes no primeiro semestre, o que impulsionou ganhos de dois dígitos em títulos de dívida local.
Apesar dos riscos de uma escalada da guerra comercial e da eleição presidencial no Brasil em 2026, os mercados começam a dar sinais de estabilização. O real, que havia caído quase 3% na quarta-feira (9) com o anúncio das tarifas, subiu 0,7% no dia seguinte, superando outras moedas emergentes. A Bolsa reduziu perdas e fechou a quinta-feira em queda de apenas 0,5%.
“O fato de a economia brasileira não depender tanto das exportações torna o país mais resiliente a choques tarifários”, disse Chetan Sehgal, gestor da Franklin Templeton que tem o Brasil entre suas principais apostas. “Não queremos agir no curtíssimo prazo. Preferimos esperar a estabilização antes de tomar decisões.”
Embora os EUA sejam o segundo maior parceiro comercial do Brasil, as exportações para lá representam apenas 2% do PIB. A maior parte é composta por commodities como petróleo, minério de ferro, café e carne. O Brasil pretende ampliar mercados no Oriente Médio, Sul da Ásia e Sul Global, segundo o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.
Lula adotou tom semelhante em entrevistas à imprensa brasileira na quinta-feira (10), dizendo que o Brasil pode sobreviver sem comércio com os EUA e buscará novos parceiros. O governo tentará negociar até o prazo de 1º de agosto, quando as tarifas devem começar a valer, mas não descarta retaliações.
“É uma questão administrável. A China é 2,5 vezes mais importante para o Brasil do que os EUA, e muitos dos produtos exportados para os americanos são substituíveis”, disse Edwin Gutierrez, chefe de dívida soberana da Aberdeen. Segundo ele, o impacto das tarifas é mais limitado sobre os juros do que sobre o câmbio.
Ainda não está claro como a ameaça tarifária vai evoluir. Ao contrário de outros países, o Brasil tem déficit com os EUA — o que reduz margem de negociação. Além disso, Trump indicou motivações políticas, ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e às redes sociais nos EUA, o que dificulta a interlocução sem parecer ingerência nos assuntos internos do Brasil.
Trump também não deu sinais de recuo. Disse a jornalistas, na sexta-feira (11), que Bolsonaro está sendo tratado de forma “injusta”. A declaração fez o real recuar momentaneamente.
Mesmo assim, UBS Wealth e Bradesco BBI reafirmaram recomendações positivas para ações brasileiras, dizendo que as tarifas de 50% dificilmente serão mantidas.
O embate pode até beneficiar Lula, que enfrenta economia em desaceleração e baixa popularidade às vésperas das eleições de 2026, nas quais pretende disputar um quarto mandato.
“Ele agora pode apelar ao sentimento patriótico e se apresentar como defensor da soberania nacional, o que pode ser vantajoso no aquecimento da campanha”, disse Thierry Larose, gestor da Vontobel.
A turbulência com tarifas não deve se limitar ao Brasil. Moedas e bolsas de países emergentes caíram na sexta-feira após Trump sugerir tarifas de 15% a 20% sobre a maioria dos parceiros comerciais dos EUA e ameaçar o Canadá com uma tarifa de 35%.
No caso brasileiro, o banco central poderá ter mais espaço para cortar juros se a economia for afetada, o que pode tornar os títulos locais ainda mais atraentes, segundo Matthew Graves, gestor da PPM America.
“Os próximos dias devem ser turbulentos para os investidores estrangeiros no Brasil”, afirmou Larose. “Mas como investidores de longo prazo, acreditamos que o pragmatismo deve prevalecer — e qualquer queda forte pode ser uma oportunidade para comprar ativos brasileiros.”