O cobre virou uma questão de Estado para o presidente americano Donald Trump. Com o anúncio de um tarifaço de 50% sobre as importações do metal, os Estados Unidos escancararam a intenção de reduzir a dependência da China e retomar o controle sobre cadeias estratégicas — como já haviam feito com aço, alumínio e terras raras.
A medida mexeu com os preços, agitou mineradoras e colocou o cobre nas trincheiras da guerra tarifária promovida por Trump. O Brasil, embora com participação modesta nas exportações para os EUA — e também alvo de outro tarifaço —, encontra uma janela de oportunidades interessante para suas empresas.
Com minas em operação, expertise consolidada na atividade e projetos de expansão em andamento, as companhias brasileiras podem não apenas ampliar sua produção, mas também exportar know-how, entrando no jogo com investimentos diretos em solo americano.
“Para empresas brasileiras, é uma chance de levar seu conhecimento e investimentos para os Estados Unidos”, reforça Gilberto Cardoso, executivo com passagens por Vale, BHP e ArcelorMittal, hoje CEO da consultoria Tarraco Commodities.
O ‘petróleo’ moderno
O cobre é considerado o “petróleo” da transição energética. É a commodity por trás de tudo que exige condutividade: datacenters, carros elétricos, baterias, painéis solares, turbinas eólicas… Não à toa, no mercado, ele é chamado de Dr. Copper, por ser um termômetro da saúde da economia global. E hoje, mais do que nunca, também virou a rainha das commodities: estratégico e altamente disputado.
A volatilidade recente nas ações de gigantes do setor, como Antofagasta, Rio Tinto e BHP, mostra como o mercado reage a qualquer movimento regulatório envolvendo o cobre, mesmo antes de seus efeitos práticos se concretizarem, segundo Cardoso.
A tarifa de Trump foi apenas o estopim em um mercado já tensionado. Nos EUA, as cotações do cobre refinado passaram dos US$ 5,70 por libra-peso — um recorde histórico — após o anúncio da taxação.
O curioso é que essa disparada acontece mesmo com a economia global em ritmo morno. Como destacou um editorial recente do The Wall Street Journal, o cobre está subindo não porque o mundo esteja crescendo, mas porque o mineral está ficando escasso — desarranjando o receituário clássico do Dr. Copper, segundo o qual preços altos indicam uma economia aquecida.
As cotações atuais refletem mais um descompasso entre oferta e demanda, impulsionado por estoques baixos, gargalos na produção e movimentos de antecipação diante da guerra comercial. Também lançam luz sobre um problema estrutural: há capacidade ociosa de fundição, mas escassez de minério de cobre concentrado.
Para entender melhor a cadeia do cobre, vamos ao início.
Tudo começa na mina, onde o minério é moído e tratado até virar concentrado de cobre, um pó com cerca de 25% a 30% de pureza. Em seguida, esse material é enviado para fundições — os chamados smelters — que separam as impurezas e produzem os cátodos metálicos, mais conhecidos como cobre refinado: placas com até 99,99% de pureza, padrão negociado no mercado internacional.
Com a oferta global do minério concentrado apertada, as fundições estão disputando palmo a palmo a matéria-prima. “A relação de troca dos smelters está negativa. É como se eles estivessem pagando para produzir cátodo, isso é inédito”, diz Cardoso.
Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais crítica. O país tem apenas duas fundições operacionais e precisa enviar boa parte da sua produção bruta para refino no exterior — em geral, na China e Indonésia, justamente o elo que Trump quer contornar.
E o Brasil?
Apesar de representar menos de 1% das exportações globais de cobre refinado e cerca de 1,5% das vendas do concentrado, o Brasil carrega um trunfo: tem minério, escala e já sabe operar.
A produção nacional está concentrada no Pará, onde a Vale opera as minas de Sossego e Salobo — esta última em expansão com um investimento de US$ 1,1 bilhão. A mineradora brasileira produziu mais de 348,2 mil toneladas de concentrado de cobre em 2024, segundo os dados mais recentes.
Embora o principal destino da produção brasileira ainda seja a Ásia e a Europa, Gilberto Cardoso enxerga uma oportunidade mais estratégica do que simplesmente exportar minério para os EUA: investir diretamente por lá. Com escassez de concentrado, demanda em alta e incentivos à mineração doméstica, os Estados Unidos se tornaram terreno fértil para a atuação de empresas brasileiras.
“As companhias podem aproveitar essa janela para investir nos EUA e participar da reorganização da cadeia global de suprimentos, com maior protagonismo americano. É isso que o Trump quer”, afirma Cardoso, que vê espaço tanto para joint ventures com grupos locais quanto para a criação de junior minings de capital brasileiro atuando em solo americano.
Outro nome que poderia se posicionar nesse cenário é a Paranapanema, que já teve destaque como produtora de cobre refinado no Brasil. A companhia, que está em recuperação judicial, enfrenta dificuldades financeiras há anos, mas mantém plantas operacionais e conhecimento técnico.
Corrida iniciada
Nos Estados Unidos, o anúncio das tarifas acelerou projetos que estavam há anos na gaveta. A Ivanhoe Electric, por exemplo, já perfurou mais de 300 poços no Arizona e pretende iniciar a construção da primeira grande mina de cobre do país em mais de uma década, como mostrou o The Wall Street Journal.
O objetivo: produzir cátodos prontos para venda antes do fim de 2028, contornando a escassez de refinarias e respondendo à demanda crescente por fios e conexões na era elétrica. É uma corrida de bilhões — e com tempo contado. A média mundial para desenvolver uma mina de cobre é de 16 a 34 anos. A Ivanhoe quer fazer isso em menos de cinco.
Nesse novo xadrez, os EUA querem segurança de fornecimento, enquanto o Brasil tem capital geológico, conhecimento técnico e empresas prontas para o jogo.
A corrida é americana. Mas o Brasil pode (e talvez deva) correr junto.