A Coca-Cola atendeu o pedido de Trump. Vale lembrar: na semana passada, ele disse que tinha convencido a Coca a mudar uma parte de sua fórmula nos EUA: trocar o xarope de milho por açúcar de cana.

Ele postou na Truth Social, seu “Twitter” particular: “Estive conversando com a Coca-Cola sobre o uso de açúcar de cana VERDADEIRO nos Estados Unidos, e eles concordaram em fazer isso” 

Nesta terça, a empresa confirmou: vai lançar uma versão do refrigerante “com açúcar de cana produzido nos Estados Unidos”.

De fato. A mensagem de Trump não especificava se seria uma mudança completa ou só uma versão adocicada de outro jeito – com o mesmo tipo de açúcar usado na maior parte do mundo.

Só que essa história é mais complexa do que parece. Para entendê-la, temos de olhar para o comércio internacional do açúcar de cana, e para o país que domina o mercado global nessa seara: o Brasil.

Brasil, o país do açúcar

Os EUA produzem produzem 4 milhões de toneladas de cana de açúcar por ano, contra um consumo interno de 7,5 milhões. 

Ou seja, 3,5 milhões vêm de fora; praticamente um terço, daqui do Brasil: exportamos um milhão de toneladas anuais para os EUA. Somos, de longe, o maior fornecedor. E poderia ser até mais. O Brasil, afinal, é o maior produtor do mundo, com 43 milhões de toneladas em 2024. Dá basicamente um quarto de todo açúcar de cana global. Mais de 70% é exportado: 31,7 milhões.  

Para dar uma ideia: só existe mais um megaprodutor num patamar parecido: a Índia. São 35 milhões. Mas vai quase tudo para as 1,4 bilhões de bocas locais. A exportação é restrita pelo governo a 1 milhão de toneladas por ano, para evitar o desabastecimento.   

Plantação de cana de açúcar na Austrália. Foto: Getty Images

Bom, a indústria de refrigerantes é a maior consumidora de xarope de milho nos EUA – 55% da produção; o resto vai basicamente em alimentos ultraprocessados.

Numa realidade em que o xarope acabasse banido de todos os refrigerantes, como imaginou-se num primeiro momento após a mensagem de Trump, criaria-se automaticamente um déficit adicional de 4 milhões de toneladas de açúcar nos EUA. As importações teriam de subir 114% – das atuais 3,5 milhões de toneladas para 7,5 bilhões.  

Para ter uma ideia mais clara de quais seriam os fornecedores naturais dessa demanda extra, basta olhar a lista de maiores exportadores de açúcar para os EUA:   

PaísQuantidade de açúcar exportada para os EUA (em toneladas)
Brasil 1,029 milhão
México   497 mil
República Dominicana  189 mil
Filipinas  145 mil
Austrália  89 mil
Fonte: USDA

O México é o segundo país que mais envia cana de açúcar. Mas não é um grande player do mercado global. Produz 5,4 milhões de toneladas por ano, uma fração do Brasil. E exporta pouco. Foram menos de 800 mil toneladas no ano passado.

O México tem a vantagem tarifária no comércio com os americanos: 30% para eles, contra os 50% que teremos de enfrentar a partir de 1º de agosto (caso nada mude).  

Só que, mesmo se 100% das exportações deles passassem a ter os EUA como destino, ainda assim, não daria nem para o começo daquele eventual déficit de 4 milhões. 

“[O açúcar necessário numa realidade assim] provavelmente virá do Brasil”, disse o consultor Michael McDougall, um especialista no mercado global de açúcar, à Reuters.

Ou seja: só seria viável trocar o xarope por “açúcar verdadeiro” em toda a indústria de refrigerantes dos EUA se a ideia fosse ampliar o comércio com o Brasil. Não é o caso agora, logicamente.

E por que xarope de milho? 

Porque é mais barato. A Coca-Cola é feita com açúcar (de cana ou de beterraba) no mundo todo. Era assim nos EUA também até os anos 1980. Dali para a frente, os fabricantes foram mudando para o HFCS (Xarope de Milho com Alta concentração de Frutose, na sigla em inglês).

Isso porque a produção local de milho nos EUA é mastodôntica; e recebe subsídios igualmente paquidérmicos. Para a indústria, mudar para a cana significaria gastar 35% para adoçar as versões “não-zero” dos refrigerantes.  

Foto: Getty Images

Até por isso a fala de Donald Trump foi uma surpresa. Ele também disse, aliás, que Coca-Cola com açúcar de cana “é simplesmente melhor”. Faz sentido? Vamos ver.

E por que mudar para açúcar de cana?

Talvez só um sommelier de refrigerante consiga sentir a diferença no sabor. E caso o “simplesmente melhor” da mensagem tenha a ver com saúde, também não se aplica.

Todo especialista diz que o ideal é cortar refrigerante da dieta, por conta da carga pesada de açúcar at all,  seja ele na forma de frutose (HFCS), seja na forma de sacarose (o de cana). Venha de uma fonte ou de outra a coisa é sempre uma bomba de calorias vazias.  

Só vale lembrar que o maior produtor de cana dos EUA é a Flórida, responsável por 50%. E que o condado de Palm Beach, ao norte de Miami e Fort Lauderdale, fornece 70% dessa fatia. 

A mansão de Mar-a-Lago, residência declarada de Trump vive quando não está na Casa Branca, fica em Palm Beach.

Agora, com a Coca-Cola garantindo alguma demanda extra para o açúcar de cana americano, vários vizinhos de Trump certamente estão agradecidos.