Endividada e pressionada por juros altos, a Cosan de Rubens Ometto precisou de um resgate bilionário. Quem apareceu com a boia de salvação foi André Esteves que, no processo, sagrou-se como o verdadeiro vencedor a longo prazo.

Ao liderar a capitalização da companhia, o principal sócio do BTG Pactual não apenas garantiu fôlego às finanças, mas também se tornou o maior acionista de um conglomerado dono de ferrovias, usinas de etanol, postos de combustíveis e plantas de gás natural — negócios que faturam cerca de R$ 45 bilhões por ano. Uma influência sobre o PIB sem igual.

O plano foi dividido em duas ofertas de ações que podem somar até R$ 10 bilhões. Na primeira, já garantida por BTG Pactual, Perfin e Aguassanta (holding da família Ometto), o aporte será de R$ 7,25 bilhões ao preço de R$ 5 por ação — R$ 4,5 bilhões do BTG, R$ 2 bilhões da Perfin e R$ 750 milhões da Aguassanta. Essa etapa prevê ainda um lote adicional (hot issue) de até R$ 1,8 bilhão. A segunda oferta dará direito de preferência aos minoritários pelo mesmo valor por ação. Ambas as operações ainda precisam de aprovação em assembleia de acionistas.

Ao final, o BTG Pactual sairá como maior acionista individual da Cosan, com 23,3% do capital, seguido pela Aguassanta (21,3%) e pela Perfin — gestora da qual o próprio BTG é sócio — com 10,4%. O free float sobe para 45%. Se já era o banqueiro mais influente do Brasil, agora Esteves também se firma como um dos principais empresários do país.

André Esteves
Andre Esteves. Crédito: Bloomberg

A origem da crise financeira da Cosan remonta a uma aposta frustrada na Vale. Em 2022, o grupo desembolsou R$ 18,5 bilhões para comprar quase 5% da mineradora e tentar influenciar a sucessão no comando da empresa. O plano fracassou e, em janeiro deste ano, Ometto vendeu toda a participação, arrecadando R$ 9,1 bilhões. A operação, porém, deixou cicatrizes: em 2024, a dívida líquida da Cosan disparou quase 60% em um ano.

No fim de junho, a Cosan carregava uma dívida bruta consolidada de R$ 93 bilhões, equivalente a 3,4 vezes o Ebitda dos últimos 12 meses. Só na holding corporativa, o passivo líquido chegava a R$ 17,5 bilhões, com custo médio de CDI + 0,88% ao ano e prazo médio de 6,2 anos. A capitalização de até R$ 10 bilhões deve reduzir quase pela metade essa dívida da holding e gerar uma economia estimada em pouco mais de R$ 1 bilhão por ano em juros.

Contrastes

Rubens Ometto é figura de estilo expansivo: verborrágico em declarações, presente nos bastidores e dono de frases de efeito. André Esteves opera de maneira oposta: mais reservado, adepto dos panos quentes, costura acordos discretos e prefere fechar negócios longe dos holofotes. O contraste simboliza uma transição geracional e de estilos no capitalismo brasileiro.

A sobreposição BTG–Perfin reforça essa dinâmica. O BTG não só lidera o aporte direto para resgatar a Cosan, mas já detém participação minoritária na Perfin — gestora de recursos com mais de R$ 20 bilhões sob gestão. Esse vínculo indireto amplia sua influência sobre decisões estratégicas, além da participação formal na Cosan.

E não se trata apenas de dinheiro. Ferrovias, combustíveis, gás natural e biocombustíveis são setores altamente regulados, dependentes de concessões públicas e políticas de governo. Ao assumir protagonismo nesses segmentos, Esteves conquista um assento privilegiado na mesa onde se decidem os rumos da infraestrutura e da energia no Brasil.

Sucessão na próxima década

Apesar da maior fatia estar com o BTG, o arranjo societário garante a Ometto um respiro. Por meio do acordo de acionistas, ele preserva 50,01% das ações vinculadas ao bloco de controle, assegurando a condição de controlador. Isso porque o veículo que será o novo controlador da Cosan não terá todas as ações de BTG e Perfin.

A blindagem vai além: o acordo garante a Rubens Ometto três mandatos como presidente do conselho, posição que ele poderá ocupar até 2031, quando completará 81 anos.

Retrato de homem sorrindo, de óculos e camisa azul, com logo da Cosan em relevo ao fundo.
Rubens Ometto, controlador da Cosan. Crédito: Cosan/Divulgação

A própria Cosan admite que a operação também responde a um tema sensível: a sucessão de Ometto. “A operação foi estruturada para endereçar a sucessão do controlador de maneira organizada, preservando a perenidade da Cosan”, afirmou o CEO da Cosan, Marcelo Martins, em teleconferência com analistas. “No futuro, quando o Rubens não estiver mais à frente, a companhia terá governança definida e sócios comprometidos de longo prazo.”

Chamou atenção também a postura de André Esteves, que vem evitando assumir o protagonismo do negócio. Em uma declaração protocolar, o banqueiro se limitou a dizer ao Brazil Journal que “é um privilégio para o BTG se tornar sócio do Rubens nesta coleção de ativos de classe mundial e irreplicáveis que ele construiu ao longo dos últimos anos”.

Na teleconferência com analistas, o representante do BTG foi Renato Mazzola, sócio responsável por infraestrutura e private equity. “Quero enfatizar nossa confiança e forte crença que temos bastante valor nos ativos para tirar nos próximos anos. Nós estaremos juntos por muitos anos pela frente.”

Zona de influência

Com mais de 57 mil colaboradores e presença em setores estratégicos, a Cosan atua em energia, logística e agronegócio. Entre seus negócios estão a Raízen, joint venture com a Shell e líder global em bioenergia e combustíveis; a Compass, dona da Comgás e com participação em distribuidoras de gás pelo país; a Moove, multinacional de lubrificantes com presença em mais de 40 países; a Rumo, maior operadora privada de ferrovias do Brasil, com 13,5 mil km de trilhos; e a Radar, que administra 306 mil hectares de terras em oito estados.

Empresas do grupo Cosan
Empresas investidas pelo grupo Cosan (InvestNews)

É esse império diversificado que transforma a entrada do BTG numa virada de chave. Mais do que socorrer a Cosan, André Esteves crava um movimento que projeta o banco para além do mercado financeiro, convertendo-o em sócio direto de setores vitais da economia real.

Não é um passo isolado. O BTG já é acionista de empresas como Eneva (energia), V.tal (fibra ótica), Beontag (etiquetas e tecnologia), Estapar (estacionamentos) e participa de ativos de infraestrutura via fundos.

Em 2023, Esteves tentou outro salto: a fusão da Eneva com a Vibra, que criaria uma gigante de energia. Principal entusiasta da operação, queria fincar os pés de vez na economia real. As negociações não avançaram, mas a ambição ficou registrada.

Aos 57 anos, com fortuna de R$ 51 bilhões segundo a Forbes e as ações do BTG em alta de mais de 40% em um ano, Esteves é descrito como conciliador, mas também agressivo e arrojado ao fechar negócios. Preso na Lava Jato em 2015, mostrou resiliência para voltar ao topo com ainda mais influência.

Se a fusão Eneva–Vibra teria dado a Esteves o protagonismo em energia, a aliança com a Cosan representa algo ainda maior. O banqueiro sempre buscou montar um grande grupo da economia real. Com a Cosan, ele finalmente conseguiu.