A temporada de colheita de soja nos EUA é sombria, com preços próximos às mínimas e nenhuma carga vendida para a China. Agora, outra ameaça se aproxima: os produtores brasileiros se preparam para expandir o plantio e inundar o mercado.

O Brasil deve aumentar a área plantada em 3,7% nesta temporada e semear mais 1,7 milhão de hectares, informou a Conab na semana passada.

Esse é o maior aumento em três anos. Se as condições climáticas permanecerem favoráveis, o Brasil produzirá um recorde de 177,7 milhões de toneladas de soja.

Soja brasileira

Este é o mais novo desafio para os produtores americanos, que veem o Brasil como seu principal concorrente.

A China já vem priorizando a soja do Brasil, à medida que as tensões comerciais entre Pequim e Washington se prolongam.

A perspectiva de outra grande safra brasileira reduz ainda mais a necessidade de as processadoras chinesas fazerem pedidos de soja dos EUA.

“Com a guerra comercial entre EUA e China, o Brasil exportou muito mais soja, o que incentiva os produtores a expandir a área”, disse Rafael Silveira, analista da consultoria Safras & Mercado.

A melhora sobre a perspectiva da safra brasileira ocorre depois que os agricultores americanos reduziram o plantio de soja para o menor nível desde o primeiro mandato do presidente Donald Trump e a disputa comercial inicial com a China em 2019.

Embora o plantio de menos grãos tenha ajudado a minimizar a pressão do desvio da China do fornecimento americano, a desaceleração comercial faz parte da mudança de longo prazo na demanda que está afetando os produtores americanos.

O governo Trump sinalizou recentemente que os agricultores podem precisar de mais ajuda do governo.

“Os EUA estão apenas entregando participação de mercado ao Brasil, o que não é bom para nós a longo prazo”, disse Stephen Nicholson, estrategista global do setor de grãos e oleaginosas do banco Rabobank, no Missouri.

O Brasil continuou a enviar muitos volumes de soja para a China em setembro, enquanto os EUA ainda estão colhendo. Um total de 3,6 milhões de toneladas de soja foram enviadas para a China na primeira quinzena de setembro, segundo dados da agência marítima Alphamar. Isso representa um aumento de 68% em relação ao mesmo período do ano passado.

“Se a safra brasileira for plantada a tempo, eles poderão ter soja pronta para exportação em janeiro”, disse Matthew Kruse, presidente da Commstock Investments. Se a China não comprar nada dos EUA até lá, isso mostrará que “eles não precisam mais da nossa soja”, disse ele.

De fato, a perspectiva da Conab para a safra brasileira é superior a muitas estimativas do mercado. Consultorias como Safras & Mercado, Pátria Agronegócios e AgRural projetam uma taxa de crescimento da área entre 1,2% e 2%.

Custo da dívida

Os produtores rurais brasileiros também estão preocupados com o alto custo da dívida devido às taxas de juros no país, de acordo com Zilto Donadello, produtor de soja e milho no Mato Grosso, estado com maior produção. Mesmo assim, a expansão é vista como um movimento natural.

“O Brasil é um país em desenvolvimento, a cada ano há alguma expansão”, disse Donadello. “Os produtores rurais são otimistas por natureza”, acrescentou.

Mesmo com o aumento dos custos de produção da soja devido aos preços mais altos dos fertilizantes no Brasil, os produtores ainda podem lucrar.

Com a produtividade média, espera-se que os produtores do Mato Grosso registrem lucro antes de juros e impostos de R$ 1.103 por hectare, de acordo com o Instituto Nacional de Agricultura (Imea). Esse ainda é um retorno saudável, embora seja 44% menor do que no ano passado, quando a produtividade elevada impulsionou os lucros na região.

Enquanto isso, os agricultores do principal estado produtor de soja dos EUA, Illinois, podem perder dinheiro com o cultivo da cultura este ano, de acordo com estimativas da Universidade de Illinois.

As projeções iniciais apontam para um pequeno aumento no plantio de soja nos EUA no próximo ano.

Como os agricultores americanos costumam alternar entre as duas culturas mais amplamente semeadas, soja e milho, alguns hectares naturalmente retornarão à soja após um pico no plantio de milho este ano.

O Instituto de Pesquisa de Políticas Agrícolas e Alimentares da Universidade do Missouri estimou no início deste mês que a semeadura de soja nos EUA atingirá 82,6 milhões de acres no próximo ano, acima dos 80,9 milhões deste ano.

Isso sinaliza um aumento na oferta global, enquanto a demanda chinesa não está crescendo tão rápido quanto nos anos anteriores, disse Daniele Siqueira, analista da AgRural. Embora isso possa ser um problema em potencial, ela disse que o problema para o Brasil está sendo atenuado pelas tensões comerciais. “Se não fosse pela guerra comercial, acabaríamos com estoques altos e talvez houvesse preços mais baixos”, disse Siqueira.