A China já demonstrou que pode transformar em arma seu controle sobre cadeias de suprimento globais ao restringir o fluxo de minerais críticos de terras raras. O presidente Trump foi para a mesa de negociação quando a falta de materiais chineses ameaçou a produção americana, e na semana passada fechou uma trégua com o líder chinês Xi Jinping que, segundo ambos, deve facilitar o fluxo de terras raras.

Mas as ferramentas de Pequim vão além desses minerais críticos. Outros três setores em que a China tem o “gargalo” — baterias de íons de lítio, chips maduros e ingredientes farmacêuticos — dão uma ideia do que os EUA precisariam fazer para se livrar totalmente dessa vulnerabilidade.

Por trás do domínio chinês nas cadeias de suprimento estão políticas industriais construídas ao longo de décadas.

Quando empresas chinesas passam a dominar uma ampla faixa da cadeia, inundando os mercados globais com produtos de menor preço nesse processo, Pequim introduz controles de exportação que lhe permitem alavancar essa vantagem e impor dor ou ameaçar economias rivais. Às vezes, os países conseguem obter alternativas a um custo maior, mas em outros casos é difícil — ou quase impossível — encontrar fornecedores fora da China.

Em um ensaio de 2020, Xi afirmou que o controle de cadeias de suprimento não deveria ser transformado em arma, mas também disse que a China deve “apertar a dependência das cadeias industriais internacionais em relação ao nosso país” para dissuadir outros de prejudicar a China.

A seguir, um guia do manual da China para flexionar seu músculo exportador.

Baterias de íons de lítio

As baterias de íons de lítio são usadas em veículos elétricos, armazenamento de energia e eletrônicos de consumo. Quem as controla tem vantagem em tecnologia automotiva e energia verde.

Os dois maiores produtores globais de baterias são chineses: CATL e BYD. Mesmo quando uma bateria é fabricada em outro lugar, suas “entranhas” incluem uma contribuição chinesa significativa. Fornecedores chineses produzem 79% dos cátodos dentro das baterias e 92% dos ânodos, segundo a Benchmark Mineral Intelligence. As baterias também utilizam materiais como lítio, no qual produtores chineses detêm 63% de participação de mercado na versão química refinada. A China também controla 80% da oferta de cobalto refinado e 98% de grafite refinado.

Em 2015, Pequim declarou a meta de ampliar sua indústria doméstica de veículos elétricos, o que abriu as comportas para centenas de montadoras e fabricantes de baterias locais. Entre 2015 e 2019, Pequim estimulou as montadoras chinesas de EV a usar baterias produzidas localmente e aprovadas.

Neste ano, a China tomou medidas para manter seu controle garantindo que sua tecnologia não vaze para rivais. Em julho, Pequim disse que exigiria licenças para transferir ao exterior certas tecnologias ligadas à fabricação de baterias de íons de lítio e, em outubro, passou a exigir licenças de exportação para determinados equipamentos de fabricação e materiais de cátodo.

Semicondutores

A China responde hoje por cerca de um terço da capacidade global de produção de semicondutores “maduros”. Esses chips ainda são críticos para setores como automóveis, eletrônicos de consumo e defesa, embora sejam mais simples de produzir do que os chips de ponta.

Enquanto isso, minerais como gálio e germânio são amplamente usados em chips — tanto avançados quanto maduros — e em outros produtos semicondutores, como células fotovoltaicas. A China respondeu por 99% da produção global de gálio em 2024, segundo dados do Serviço Geológico dos EUA (USGS). A China é a principal produtora mundial de germânio, disse o USGS, sem fornecer números exatos.

A China gastou bilhões de dólares para construir capacidade de fabricação de semicondutores com vistas à autossuficiência. Isso gerou preocupações globais sobre excesso de capacidade chinesa em chips maduros, o que pode reduzir a rentabilidade de outros produtores e, em última instância, expulsá-los do mercado.

Em 2023, a China anunciou restrições de exportação ao gálio e ao germânio, exigindo licenças para envios ao exterior.

Recentemente, a China bloqueou a exportação de chips maduros produzidos por uma empresa holandesa chamada Nexperia, usados em lanternas e eletrônicos automotivos. Os chips são majoritariamente fabricados na Europa, mas acabam sendo exportados ao mundo a partir da China, onde ocorrem o processamento e a encapsulação.

A China disse que bloqueou essas exportações como retaliação depois de o governo holandês ter assumido o controle da Nexperia de seu antigo controlador chinês, que está numa lista de sanções comerciais dos EUA.

Após as conversas entre Trump e Xi na semana passada, a China afirmou que voltaria a permitir que os chips da Nexperia chegassem a clientes globais. Ainda assim, o caso mostrou as consequências quando um único fabricante de chips maduros, de tamanho relativamente modesto, fica impossibilitado de vender seus produtos. Montadoras globais como a Honda tiveram de fechar fábricas em poucas semanas após a medida chinesa.

Farmacêuticos

Embora os remédios vendidos em farmácias dos EUA ou sem prescrição geralmente não tragam “feito na China”, o país frequentemente fornece os ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) dos medicamentos ou os químicos precursores usados para produzir esses IFAs.

A maior parte do paracetamol (acetaminofeno) e do ibuprofeno importados pelos EUA vem da China. Esses são os ingredientes ativos de Tylenol e Advil, respectivamente. A China também é uma produtora relevante de ingredientes para antibióticos.

Os EUA importam muitos medicamentos de marca da Europa, enquanto, no caso dos genéricos, dependem fortemente da Índia. Ainda assim, uma parcela significativa dos ingredientes ativos usados nos genéricos fabricados na Índia tem origem na China.

Em 2015, a China tornou a produção de medicamentos e dispositivos médicosuma prioridade industrial. Mais recentemente, disse que planeja apoiar o desenvolvimento de medicamentos e dispositivos médicos inovadores nos próximos cinco anos.

Talvez ciente da sensibilidade de transformar remédios em ferramenta política, a China raramente ameaçou cortar o fornecimento de medicamentos aos EUA. Ainda assim, sinalizou consciência de sua alavancagem no início da pandemia de Covid-19, quando o mundo enfrentou escassez de máscaras e equipamentos de proteção individual devido a interrupções de fornecimento na China. Em março de 2020, a agência oficial Xinhua disse que, se a China restringisse as exportações de produtos médicos, os “EUA seriam lançados no vasto oceano do coronavírus”.

Escreva para Yoko Kubota em yoko.kubota@wsj.com

Traduzido do inglês por InvestNews