Ao inaugurar sua nova fábrica em Passos (MG), nesta quinta-feira (6), a Heineken coloca o pé no acelerador da produção de cerveja puro malte no Brasil e aumenta o tom numa guerra cada vez mais ruidosa com a Ambev, líder do mercado de cerveja e cujas estimativas apontam ter tomado a liderança do segmento premium após dez anos de liderança da garrafa verdinha.

A unidade mineira nasce com capacidade de 5 milhões de hectolitros (equivalente a 500 milhões de litros ou 1,4 bilhão de latas de 350 ml) por ano e será totalmente dedicada à produção de Heineken e Amstel. O volume pode dobrar de tamanho conforme a demanda aumenta, segundo a empresa. Será uma das três maiores fábricas do grupo no país – no total, são 14 unidades fabris do grupo no país. “Passos vem para solucionar um problema de falta de produto. Há uma demanda latente pelos nossos rótulos”, diz o CEO da Heineken Brasil, Maurício Giamerallo.

O mercado dos rótulos mais nobres de cerveja é onde está o crescimento de uma categoria que patina em 2025. De 2019 até o ano passado, os rótulos premium cresceram 10% segundo a consultoria Euromonitor. Já dados da consultoria Nielsen apontam que o segmento premium respondia por cerca de 4% do consumo de cerveja em 2012, mas hoje já responde por 24% do total. Um avanço que ajuda a explicar porque esse nicho virou o palco da disputa entre as líderes de mercado.

Na última semana, ao divulgar seus números do terceiro trimestre, a Ambev alegou ter tomado a dianteira da categoria premium, com o aumento das vendas de Original, Stella Artois, Spaten e Corona, além de Chope Brahma (cuja venda é quase exclusivamente em bares e restaurantes). Foi o 18º trimestre de crescimento de vendas desses rótulos. 

A Heineken, por sua vez, contesta. Do segmento premium, 60% são de cervejas puro malte, subcategoria dominada pelo grupo holandês. As puro malte são as cervejas cuja receita tem apenas três ingredientes: água, malte e lúpulo.

“De cada 10 garrafas de puro malte vendidas no Brasil, 6,5 são nossas”, afirma Giamerallo. O executivo questiona, também, o fato de a lista de cervejas premium da concorrente incluir rótulos que levam arroz, milho e outros adjuntos na receita. “Nós temos Kaiser, Bavaria, Skin, Sol. Não são puro malte. São cervejas boas. Meu concorrente também tem cervejas boas que não são puro malte. Só não pode custar a mesma coisa que o puro malte.”

Entre os rótulos puro malte, o grupo tem a própria Heineken, a Eisenbahn e a Amstel, marca que não integra a categoria premium. Pela definição de mercado, definida pela consultoria Nielsen e amplamente usada pelas fabricantes, os rótulos premium são vendidos a um preço 30% maior do que as marcas de maior volume de consumo: as cervejas mainstream, segmento que inclui as marcas Brahma, Skol (ambas da Ambev), Itaipava (do Grupo Petrópolis) e a própria Amstel.

E aí entra outro argumento da Heineken: a Ambev está vendendo latinhas Original de 269 ml que estão abaixo do índice de preço estabelecido pela Nielsen. A reportagem tentou contato com a consultoria mas não houve retorno até a publicação. A Ambev observa que vende a versão de 269 ml há pelo menos três anos nos supermercados e afirma que todo seu portfólio premium está dentro da classificação de preço premium da Nielsen.  

Enquanto isso, a briga também está mais quente no regulador do mercado. Como antecipou o InvestNews, a Heineken voltou a questionar no Cade a prática de exclusividade em bares e eventos, lembrando que o acordo firmado com a autarquia limita esse tipo de contrato a 15% dos pontos de venda em determinadas áreas. 

Em pesquisas encomendadas pela empresa, porém, haveria regiões em que esse índice estaria muito acima disso — caso da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, citada como exemplo em que a exclusividade da rival chegaria a 70% dos bares. “O bar hoje que não vende Heineken é porque tem contrato de exclusividade. É só comparar com os supermercados. Veja se tem algum supermercado no Brasil que não tem Heineken”, diz Giamerallo. Todos os grupos podem manter contratos de exclusividade, respeitando os limites estabelecidos.

A discussão técnica se mistura com a geografia do consumo. Nos supermercados, onde a Heineken destaca que há “liberdade de escolha”, a marca diz ter 48% de participação no segmento premium. Nos bares, cenário em que predominam contratos de exclusividade com fabricantes, esse número cai para cerca de 20%. No total do mercado premium, apenas a marca Heineken — sem contar Eisenbahn — responderia por 43% do volume, segundo o executivo.

Procurada, a Ambev declarou que está cumprindo integralmente os acordos celebrados com o Cade, como o de 2023, e é auditada por uma empresa independente. 

Mais volume na briga

Passos entra como peça física dessa narrativa. Construída em cerca de dois anos e meio, a unidade é a primeira construída do zero pelo grupo no país. Começa operando com capacidade de 5 milhões de hectolitros, mas pode dobrar esse número numa segunda fase. O foco inicial estará em Heineken e Amstel. Ao concentrar a produção dessas marcas em Passos, a empresa diz liberar espaço em outras cervejarias para rótulos como Eisenbahn, que tem crescido em ritmo intenso e ganhado mais atenção do grupo.

A escolha da bacia do Rio Grande como local de captação veio acompanhada de um programa de pagamento por serviços ambientais em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA), para tentar preservar o entorno no longo prazo. A companhia ainda mira o potencial turístico da Serra da Canastra e promete um centro de visitação “Heineken Inside Star” na cidade.

Todo esse plano é colocado de pé depois de um ano que o próprio executivo classifica como difícil para a categoria. Segundo Giamerallo, 2025 foi “um ano muito ruim para a cerveja”, sobretudo por causa do clima mais ameno, mas a Heineken diz ter atravessado o período com recorde de participação de mercado — ainda que com queda de volume. No terceiro trimestre, a companhia reportou uma queda de dois dígitos médios no volumes de cerveja (algo em torno de 15%).

A aposta é que 2026 seja o oposto: mais feriados, mais calor e Copa do Mundo devem ajudar a encher mais copos. A nova fábrica de Passos, para a companhia, é a garantia de que haverá cerveja suficiente para isso — e, na leitura da Heineken, “do tipo certo” de cerveja para justificar o preço que o consumidor vê na gôndola.