Em 2022, ganhou um novo controlador após converter suas dívidas em ações e passou a se chamar Veste em meio ao processo de reestruturação que mudou radicalmente a estratégia adotada em sua origem: atualmente, 88% das vendas são feitas a preço cheio – nada mais de saldão. Há seis anos, esse indicador era bem menor: 60%.
Agora, em 2025, a Veste caminha para fechar ter seu ano mais rentável desde 2020, quando a empresa apresentou um plano de recuperação extrajudicial. E num momento em que o acionista majoritário acaba de mudar: em outubro, a gestora WNT, ligada a Daniel Vorcaro, vendeu os 49,7% que detinha da varejista de moda para o BTG Pactual.
Nos nove meses deste ano, o Ebitda passou de R$ 2 milhões nos nove primeiros meses de 2020 para R$ 189,9 milhões no mesmo período de 2025, um avanço de quase 87 vezes. O lucro líquido chegou a R$ 15 milhões de janeiro a setembro deste ano, contra um prejuízo de R$ 92 milhões do mesmo intervalo de 2020. É que, embora o maior fôlego tenha vindo da redução da pressão financeira, o operacional também foi recalibrado.
Ao longo dos últimos anos, a companhia ajustou as coleções, reduziu estoques, fechou lojas e reformou as unidades que manteve. Enquanto isso, reformulou seu plano de vendas digitais e de venda para lojas multimarcas.
A quase extinção de liquidações simboliza isso. As marcas, todas de tíquetes-médios elevados (a mais cara é a Bo.Bô, com tíquete médio de R$ 3.047; a mais barata é a John John, R$ 641), tiveram anos de muitas promoções.
A empresa passou a usar mais seus dados e modelos preditivos para encomendar as coleções para os fornecedores. Mas também criou uma “jornada de venda” para as peças: agora, se as peças de algum modelo não vendem no ritmo esperado em uma loja, elas voltam para o centro de distribuição da Veste na capital paulista e “ficam descansando”, conta Alexandre Afrange, CEO. Daí voltam à venda em outra unidade em que o modelo teve melhor desempenho.
O objetivo é evitar que o cliente tenha a percepção de que se não comprar naquele momento, pouco depois poderá encontrar a mesma peça a preços mais baixos. Só as peças remanescentes dessas etapas acabam indo mesmo para o outlet.
Um exemplo da melhoria de mix ficou evidente nas coleções outono-inverno, que nos últimos anos (por causa dos dias mais quentes fora de estação) deram dor de cabeça para todo o setor de vestuário e exigiram adaptações. Na Veste, a estratégia tem sido não apostar tanto em casacos pesados, que são importados e, portanto, mais caros. São compras calculadas e de modelos mais clássicos. A maior parte da coleção, diz Afrange, é pensada para uso de camadas. “Focamos mais em composição de peças. Então se esfria, o cliente leva mais peças. Se esquenta, ele pode levar menos peças para compor o look, mas não deixa de comprar.”
Franquias e venda digital
A conversão de dívida em ações deixou a Veste mais leve e abriu espaço no caixa para reformar lojas, especialmente as unidades da Le Lis, que é o principal nome do grupo, respondendo por metade da receita. Atualmente, 40% das lojas já estão no novo conceito de loja que foi criado para a marca. No caso das lojas que já operam no novo modelo há pelo menos um ano, o Ebitda cresceu 58%, segundo a CFO, Elisa Bastos de Lima.
Na Dudalina, as lojas reformadas registram aumento de 30% do Ebitda. A marca famosa pelas camisas sociais e, por bastante tempo, comum entre os ‘faria-limers’ acabou perdendo a força de marca nos últimos anos. Agora, segundo os executivos, está mais alinhada com as mudanças nas regras de dress code do trabalho, que ficaram um pouco mais despojadas e casuais pós-pandemia.

A marca também foi a escolhida para o plano de expansão via franquias. Hoje são 21 franquias e 37 lojas próprias. A meta é ter 30 franquias de Dudalina no começo de 2026. “É uma marca cuja coleção é mais perene, tem menos necessidade de liquidação, o que é um ponto importante para o franqueado”, diz Afrange. O plano de franquias deve se estender à marca John John, de jeans, pelo mesmo motivo.
Atualmente, o grupo tem, no total, 187 lojas e se prepara para abrir em breve unidades de Dudalina, John John, Le Lis e Bo.Bô no shopping Morumbi, endereço escolhido por outros grupos de moda para algumas de suas principais lojas, como o novo conceito de loja da Renner e a terceira loja da H&M no Brasil.
Enquanto isso, a direção também coloca o pé no acelerador para ampliar a presença digital e nas lojas multimarcas. Hoje, o canal digital, que é basicamente os sites da marca, já representa 19% da receita de vendas, mas a empresa acaba de lançar o aplicativo de cada marca do grupo. Já o canal atacado ganhou força no terceiro trimestre por causa das vendas de fim de ano e passou a responder por 22,4% do faturamento. A gestão da Veste, porém, acredita que esse canal pode ser maior e ter vendas mais recorrentes ao longo do ano.
Percepção de valor
Parte da estratégia da Veste foi resgatar a percepção de alto valor agregado das marcas da Restoque. Quando a empresa chegou à Bolsa, em 2008, era a primeira varejista de moda de alto padrão listada no Brasil — apontada pelos analistas de mercado da época como “queridinha e exemplo mais bem sucedido” do setor. Atualmente, o papel, com liquidez baixa, não tem bancos de investimento na sua cobertura.

A empresa tinha sido recém-comprada por um grupo de investimento chamado Artesia e, com isso, os fundadores reduziram consideravelmente suas fatias no negócio, embora continuassem no dia a dia. A partir dali, o plano foi de expansão bastante acelerada: quando fez o IPO, a Restoque só tinha a Le Lis. Naquele mesmo ano comprou a Bo.Bô; em 2011, comprou a marca de jeans John John; dois anos depois, passou a controlar as marcas Dudalina, Individual e Base. A partir de 2014, o endividamento começou a subir. A situação se agravou em 2020, com a pandemia.
“A reconstrução do negócio foi um pouco lenta e não linear, mas é consistente”, afirma Afrange, que voltou a ser CEO no começo de 2023. O executivo, que foi um dos fundadores da empresa, chegou a comandar a companhia de 2000 até 2014, ano em que se afastou do negócio. Desde 2020 tinha voltado para a Restoque à frente da Le Lis e, depois, como diretor de operações até virar CEO.
Irmão de Rahyja, ele entrou na sociedade com ela e Traudi no fim dos anos 80 – Rahyja faleceu dois anos após a venda para a Artesia e Traudi saiu do negócio em 2011. Em 1988, os três lançaram a Le Lis, que nasceu com uma primeira loja já num ponto valorizado: o shopping Iguatemi, na av. Faria Lima. Era uma loja de 47 metros quadrados, das menores por lá. Mas fez sucesso e, anos mais tarde, a Le Lis Blanc ganhou uma loja de 300 metros quadrados no shopping de luxo. Até hoje é uma das marcas no shopping, embora esteja menor hoje.
Para Afrange, que hoje é basicamente um executivo da empresa que fundou, o desafio é preparar a empresa para a sucessão, garantindo longevidade para as marcas. No caso da Le Lis, a base ativa de clientes (aquelas que fazem compras ao menos uma vez por ano) cresceu 4,4%.
“Muitas grifes brasileiras ficaram pelo caminho depois de serem vendidas por quem as criou ou mesmo porque os fundadores se tornaram mais distantes do dia a dia sem que a identidade da marca estivesse bem estabelecida para se perpetuar”, diz um executivo de um grande grupo de shopping center ouvido pelo InvestNews. Ele cita alguns exemplos, como a Forum, criada por Tufi Duek e a Zoomp, de Renato Kherlakian. Dona da Ellus e da Richards, a Inbrands, que assim como a Restoque tinha a ambição de ser uma “casa de marcas”, também vive momento delicado: em 2025, está vendendo menos do que ano passado e seu prejuízo mais do que dobrou, chegando a R$ 91 milhões.
De Vorcaro para André Esteves
Em 2022, então credora da empresa, a gestora WNT propôs converter a dívida em ações. Acatada por 97% dos credores, a proposta reduziu o passivo da companhia de R$ 1,76 bilhão para R$ 130 milhões, o que a deixou bem mais leve para o dia a dia.
O movimento também colocou a gestora ligada ao banqueiro Daniel Vorcaro, do Master, como controladora, com 56% do capital social. Naquele mesmo ano, agrupou as ações (que na época tinham dificuldade de romper a fronteira dos R$ 2) e fez um aumento de capital de R$ 100 milhões que foi usado como caixa para reformar as lojas do grupo. Foi aí que a Restoque passou a se chamar Veste.
Em outubro de 2025, o negócio mudou de mãos. Em meio à crise que já cercava o Banco Master, a WNT vendeu sua fatia, que estava em 49,7%, para o BTG Pactual, de André Esteves.
“Eles têm a visão de que o negócio vai bem”, diz Afrange sobre o novo acionista. Segundo ele, a empresa não tem mais qualquer relação com o Banco Master, tampouco tem seu caixa exposto a ativos do banco liquidado.