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Efeito-ancoragem: o que explica a atração exercida pela ação do IRB?
Ativo da resseguradora atrai investidores devido à referência do valor de oferta inicial.
Ancoragem é um dos vieses comportamentais mais conhecidos. Descrito pela primeira vez por Daniel Kahneman e Amos Tversky, dois titãs dos estudos de economia comportamental e habitués deste espaço, é um fenômeno que ajuda a explicar por que, apesar de uma das quedas mais impressionantes da B3 (B3SA3) nos últimos anos, as ações do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) ainda atraem tantos investidores.
A história da queda do papel é bastante conhecida no mercado, mas não custa relembrar: desde o IPO, em 2017, o IRB (IRBR3) chamava atenção por um desempenho pouco usual para uma resseguradora, obtendo retornos sobre o patrimônio muito acima de seus pares. A explicação veio em uma carta ao mercado da corretora Squadra no começo de 2020, apontando inconsistências no balanço da empresa. Foi o início da derrocada que levou a ação de R$ 41 a R$ 1,20. Uma queda de 97%.
Desde então, a empresa se livrou da antiga diretoria e segue em processo de reorganização. Deu azar este ano por ter de desembolsar mais dinheiro do que o normal para cobrir indenizações relacionadas à seca no Sul do país. Sem conseguir atrair investidores e com menos dinheiro em caixa do que o necessário para bancar apólices, hoje, pelo que calcula o mercado, o papel deveria valer em torno de R$ 0,70. Mas custa mais do que o dobro.
A distorção no preço seria causada pela forte presença de investidores pessoas físicas. Hoje, o IRB tem 267 mil acionistas. No final de 2019, quando o papel ainda marcava recordes, eram 17 mil. Muitos entraram no papel seguindo Luiz Barsi. O veterano investidor aposta que no futuro, quando o IRB voltar a dar lucro, as ações oferecerão dividendos que compensam o risco agora. Não duvido que uma minoria pense como Barsi. Mas, para a maioria destes investidores, certamente o que atrai é a ancoragem.
Para eles, se a ação já valeu mais de R$ 40, um dia voltará a custar o mesmo. O raciocínio ignora que o valor anterior era resultado de fraudes contábeis e de má gestão. Mas demonstra o poder da ancoragem sobre as decisões. Como apontam Kahneman e Tversky, existe uma tendência humana a buscar referências. É o que leva um número crescente de investidores a procurar a ação do IRB desde o início da derrocada. Em uma situação de incerteza, buscam uma âncora.
Mais ainda que se trata de uma queda lenta, atraindo mais investidores quanto mais se afasta do preço original. Para muita gente, resta torcer agora para o papel subir 200% ou 300%, na melhor das hipóteses, só para escapar do prejuízo. E não será surpresa descobrir que continuam comprando. Aí entra a lição de Dan Ariely, professor do MIT: ninguém gosta de sair no prejuízo. Buscamos sempre o preço mais baixo ou a perda menor.
É o que basta para investidores se manterem esperançosos mesmo quando, ao que tudo indica, não haverá mudança substancial nos preços antes da empresa voltar a gerar lucros, agora esperados só para 2023. Enquanto isso, é provável que muitos deles sigam acreditando na ancoragem.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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