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Efeito-saliência: por que as pessoas preferem ações mais familiares?

Irracionalidade tem um papel importante nas opções dos investidores; entenda.

Imagine que alguém está assistindo ao noticiário e surge de repente a notícia de um assalto na vizinhança onde mora. Em essência, a chance dela também ser vítima de criminosos não mudou. Ou seja, ainda que o crime tenha sido um acontecimento terrível, não aumenta e nem diminui a possibilidade de também vir a ser vítima no futuro. Mas é comum que, diante da notícia, a pessoa se sinta mais vulnerável.  

A razão é o que estudiosos do comportamento chamam de “efeito-saliência” ou “viés da familiaridade”. É um conceito bem conhecido dos estudiosos do comportamento. Trata-se de uma tendência humana, diante de determinada situação, a se fixar mais em alguma informação, dando menos atenção às demais. 

Não é uma má habilidade no geral. Se você estiver em uma praça de alimentação para almoçar e prefere uma dieta saudável, vai dar mais atenção aos restaurantes onde há opções de salada e vegetais. Mas se não sabe o que comer, há mais chance de dar atenção às lanchonetes de fast food, que têm alimentos produzidos para ter um sabor e cheiro que chamem atenção. Só que pobres em nutrientes. 

O mesmo vale nos investimentos. Investidores tendem, por exemplo, a dar mais atenção ao retorno de ativos no passado, comprando papéis com preços “esticados” na crença de que os ganhos vão se manter, dando menos atenção aos riscos de que o desempenho não se repita no futuro. Também tendem a escolher empresas mais conhecidas, prestando menos atenção nas ações de companhias menores, com maior potencial de crescimento. 

E também tendem a buscar ações de empresas próximas geograficamente, como sugere um estudo de três economistas brasileiros que acaba de ser publicado no SSRN, repositório de pesquisas acadêmicas nas ciências sociais.

Fernando Chague, Bruno Giovannetti (Fundação Getúlio Vargas) e Guilherme Paiva (Insper) examinaram as operações de day trade realizadas entre 2014 e 2016 em 107 cidades com menos de 100 mil habitantes, consideradas de pequeno porte para efeito do estudo, onde há pelo menos uma filial das Lojas Americanas. 

A escolha do papel como objeto de estudo foi resultado da política de expansão da rede na década passada. Como resultado, os três autores verificaram que a possibilidade da ação ser escolhida para um day trade aumentava praticamente 20% quando abria uma filial das Americanas em determinada cidade. 

A razão, segundo o trabalho, é que a presença física da rede varejista tornava sua marca mais saliente para os moradores. Como diz aquele ditado, perto dos olhos, perto do coração. 

O resultado se alinha ao de outros estudos que relacionam a familiaridade à escolha de determinadas ações. Um estudo de 2011 com 500 investidores suíços, por exemplo, demonstrou que quanto mais as pessoas conheciam determinados ativos, menos consideravam-nos arriscados. O que está longe da verdade. Entender sobre como funcionam as criptomoedas ou investimentos em NFTs não torna os dois investimentos mais seguros. No máximo, podem levar a estratégias capazes de lidar com o risco mais elevado. 

No caso do estudo brasileiro, há mais uma peculiaridade. Se ter uma Americanas na cidade eleva a escolha pela ação, não ocorria o mesmo com outras empresas, como redes de farmácias listadas na B3. O trabalho sugere que a diferença se deve ao nome das ações geralmente não ser o mesmo que das marcas. De certa forma, anula a familiaridade.  

Tudo somado, é mais um caso que desafia a ideia dos antigos livros de economia de que investidores são essencialmente racionais, escolhendo papéis através da análise dos balanços financeiros e outros fundamentos das empresas. A irracionalidade tem um papel importante nas opções dos investidores. E é o que o estudo demonstra. 

*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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