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Finanças

‘Sonho da offshore própria’ segue firme, mesmo após taxação

Apelo do dólar e sucessão sem impostos mantêm a força das offshores, mesmo depois do novo imposto

Ter um “CNPJ” num paraíso fiscal para facilitar a vida financeira já foi mais vantajoso. Até 2023, a Receita não cobrava imposto sobre ganho de capital obtido nesse tipo de empresa, as offshores. Pelo menos não enquanto o dinheiro estivesse fora do Brasil – só havia a mordida dos tradicionais 15% quando uma parte da grana aportava por aqui.

Na prática, funcionava como uma isenção de come-cotas. Ao não cobrar o imposto todo ano, como acontece com investimentos comuns, a Receita dava uma força para os juros compostos. Acumula-se mais dinheiro, no fim das contas. Também tinha o fato de que a tributação no Brasil poderia não ocorrer nunca – caso o dinheiro só se movimentasse entre a offshore e contas nos EUA ou na Europa, por exemplo.

Só que a lei 14.754 estabeleceu alíquota de 15% anuais sobre os resultados, mesmo se o dinheiro permanecer lá fora. Ou seja, o rendimento sobre ganho de capital gerado ali não pode mais dormir em berço esplêndido nas Bahamas ou nas Ilhas Virgens Britânicas, basicamente sem pagar imposto. Será taxado como um fundo qualquer, mero mortal.

Seria natural que o uso de offshores perdesse atratividade, mas não foi o que aconteceu.

Antes de a gente seguir, vale um pouco de contextualização. A palavra offshore, para os menos familiarizados, remete imediatamente a corrupção, lavagem de dinheiro e afins. De fato, empresas abertas em paraísos fiscais são uma ferramenta que criminosos usam. Mas não há nada de ilegal em ter uma offshore. Se a origem do dinheiro que vai para lá é legal e o proprietário está quites com a Receita, tudo certo.

“Uma offshore é um veículo juridicamente estruturado para ser uma empresa de investimento constituída lá fora”, explica Fabio Focaccia, CEO da Nello Investimentos, que ajuda a abrir e administrar deste tipo de empresa.

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Grupos financeiros como a Nello, que auxiliam investidores a abrir e adminstrar offshores, têm sinalizado um aumento na busca por esse tipo de empresa, especialmente após a eleição de Lula.

No grupo financeiro Criteria, os ativos sob gestão mais do que dobraram desde 2022 até agora – tanto a abertura de novas empresas, além de clientes que já tinham a estrutura aberta, mas que aumentaram seus aportes em ativos lá fora.

“O desfecho eleitoral levou a um aumento da preocupação [sobre como o novo governo conduziria a economia], acentuou esse movimento de abertura de novas contas no exterior”, comentou Ricardo Sturm, sócio e responsável pela área de private banking da Criteria.

Ou seja: o receio de novos impostos, desvalorização do real e incidentes nessa linha aumentou a busca pela internacionalização do patrimônio.

Na Nello, a base de clientes com offshores também dobrou. “O investidor olha e diz: ‘vamos mandar o dinheiro do Brasil para fora’, especialmente Estados Unidos, porque ali ‘eu tenho um risco zero’ – é como o mercado trabalha com o risco americano”, comenta Focaccia.

Para que serve

Ao abrir uma offshore, o investidor pode transferir seus investimentos – ações, fundos, papéis – e até bens físicos, para debaixo desse guarda-chuva. A partir deste momento, os ativos ficam atrelados a uma pessoa jurídica, e não mais à pessoa física. A empresa, assim como qualquer negócio, terá uma estrutura societária, com acionistas e diretores – cada um terá sua parte em cotas.

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Embora qualquer tipo de investimento possa fazer parte da offshore (independentemente da origem ou da moeda), são os ativos em dólar que mais justificam a abertura da empresa. “O cliente, muitas vezes, só quer enviar o dinheiro para fora. Ele quer ter a proteção. Acho que isso tem um efeito emocional muito grande de: ‘meu dinheiro tá em dólar, pode chover, pode fazer sol, pode explodir o país que estou protegido'”, diz Caio Zylbersztajn, consultor e sócio da Nord Investimentos, que também auxilia no processo para abertura dessas empresas.

Mas, vamos lá, não é preciso ter uma offshore para investir nos Estados Unidos. Com uma conta em uma corretora internacional dá para comprar qualquer ativo – em renda fixa ou variável. Avenue, XP e tantas outras oferecem essa possibilidade. Mas a offshore tem um benefício central: sucessão sem impostos para investimentos nos EUA e facilidade na divisão de bens. “O investidor consegue personalizar e programar toda a passagem desses ativos em vida e denominar quem vai receber as cotas da empresa”, diz o analista da Nord.

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O mecanismo permite fugir do imposto sobre herança americano, o chamado estate tax. “Esse talvez seja o ponto mais importante. Não adianta você ganhar uma super eficiência nos investimentos [ligados aos Estados Unidos], em taxas de retorno, e, eventualmente, numa sucessão deixar de 18% a 40% de todo o investimento na mesa. É uma receita que vai para o fisco americano”, explica Zylbersztajn.

Em contrapartida, vale dizer que, no caso do Brasil, quando há passagem de “bastão” de cotas da offshore para os beneficiários, o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) pode ser cobrado pelo estado onde o dinheiro vai pingar.

“Havia um recurso extraordinário do STF proibindo a cobrança [do ITCM sobre ativos no exterior] até construírem uma lei complementar regulamentando a cobrança, mas reforma tributária incluiu a possibilidade de incidência sem a necessidade de edição dessa lei”, explica Zylbersztajn.

Vale lembrar que partir de 2025, o imposto sobre herança – que é fixo em alguns estados – se tornará progressivo: irá variar entre 2% e 8%, de acordo com o volume financeiro do espólio.

Mesmo que seja possível colocar qualquer ativo negociado embaixo da estrutura de uma offshore, Zylbersztajn faz um alerta, especialmente em relação aos investimentos brasileiros. “O investidor perde todo o benefício de isenção de imposto de renda que existe em LCIs, LCAs, CRIs, CRAs, debêntures incentivadas, por exemplo. Às vezes, tem um fundo em que só pagaria o imposto no resgate, só que, com o novo regime de tributação, vai ter que recolher o imposto de 15% no ano”.

Vale lembrar que a abertura de uma offshore só vale a partir de um certo patrimônio. O investido deve considerar o custo com manutenção que pode variar entre US$ 2 mil a US$ 3 mil por ano. Para os especialistas, a estrutura faz sentido para quem tem pelo menos US$ 300 mil investidos no exterior.

“Mas há situações de famílias com estruturas mais complexas e que, eventualmente, faz sentido ter uma offshore, mesmo com patrimônios inferiores, para organizar a sucessão”, conclui o sócio da Nord.

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