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O stock picking é uma ilusão?

Livro de Daniel Kahneman questiona se grande parte dos casos de sucesso da técnica foram por acaso.

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O stock picking é uma das estratégias mais comentadas entre analistas e investidores para obter retornos superiores ao do Ibovespa ou outro índice. A grosso modo, consiste em encontrar ações capazes de se valorizar acima da média do mercado. E que valorização! Algumas casas de análises atribuem às próprias carteiras retornos de 100%, 500% ou até mais superiores aos obtidos pelos demais.  

Mas e se grande parte dos casos de sucesso foi por acaso? É a tese de Daniel Kahneman no livro “Rápido e devagar: duas formas de pensar”. Ele conta sobre a visita nos anos 80 a um gestor, a quem fez a pergunta mais básica: se você está comprando uma ação, quem está vendendo? 

O gestor, segundo Kahneman, deu uma resposta vaga, indicando que imaginava que vendedores de um papel são mais ou menos como ele, buscando o melhor rendimento de um papel. É aí que começa o problema. Alguém que compra uma ação vendo nela o potencial de dobrar de preço, naturalmente, acha que o papel vai subir. Já alguém que vendeu a mesma ação acha que, pela razão que for, o preço vai cair

Considerando que ambos têm acesso às mesmas informações, como é possível que vejam cenários tão diferentes? A resposta está no trabalho de Terrance Odean, professor de Finanças da Haas School of Business da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e que, discípulo de Kahneman, passou grande parte da carreira estudando um tipo de investidor em especial: aquele que compra e vende ações da pior maneira possível.  

Ao contrário da teoria econômica clássica, são pessoas que tendem a tudo, menos a ser  racionais e capazes de agir sempre para maximizar o lucro. Pelo contrário, é muito mais comum que negociem papéis na hora errada, operando muitas vezes na contramão do mercado e com um excesso de operações. Também preferem negociar as ações preferidas da maioria. Em resumo, sua especialidade é o investidor médio. 

Como ponto de partida, Odean começou estudando a si mesmo. Na juventude, investindo na bolsa, várias vezes se viu perdendo dinheiro com compras erradas. Mas se recusava a admitir a derrota. Como a maioria dos investidores, preferia vender os papéis que estavam se valorizando a se livrar daqueles que davam prejuízo. Acabou, como pesquisador, se dando conta do que tinha em comum com as outras pessoas no mercado.

Imagine que você compra uma ação, fica com ela por um tempo, sem que suba ou caia muito e, por isso, decide vendê-la e comprar outro papel, que vem subindo mais forte. Analisando as movimentações de dez mil investidores, examinou então o que tinha acontecido com cada ação um ano depois da venda. Na média, a que foi trocada se valorizou 3,3% a mais do que o novo papel comprado.   

É uma situação que todo investidor conhece e que, segundo o pesquisador, se deve a três fatores. Para começar, mesmo que a eficiência do mercado funcione e os preços dos ativos reflitam dados atuais e futuros, investidores comuns contam com menos informação do que as grandes instituições financeiras para tomar decisões. Devia levar a uma dose a mais de cautela de todo mundo, mas a maioria se arrisca como se não estivesse em desvantagem.

O segundo fator é o excesso de confiança. Um dos exercícios que Odean costuma fazer é pedir aos alunos que deem uma nota para sua habilidade como motoristas. A maioria se define como acima da média quando está na direção. E um dos poucos estudantes que já se assumiram como um motorista nem bom e nem ruim na verdade estava prestes a perder a carteira após se envolver em três acidentes. Ou seja, todo mundo, o que inclui investidores, se sente mais competente do que realmente é. 

E o terceiro, a aversão à perda. É mais intensa para a maioria a frustração com um prejuízo do que a alegria após um lucro. Vender um papel que está subindo provoca reações emocionais menos intensas do que  assumir o prejuízo, abrindo mão do dinheiro. Investidores profissionais usam eventuais perdas para abater impostos a serem pagos sobre o lucro de outras operações. Não é tão simples para as pessoas em geral. 

Além do mais, os números estão contra o stock picking. Em 50 anos de dados pesquisados sobre o desempenho dos fundos, Daniel Kahneman não encontrou indicações de que a escolha de papéis levou a resultados muito superiores. Gestores com um melhor retorno em um ano ficavam para trás no ano seguinte em relação a outro que havia superado. Não bastasse, dois em cada três fundos ficavam abaixo da média do mercado a cada ano. 

Não dá para cravar quem foi bem apenas teve sorte. Mas é muito difícil bater o mercado e, mais difícil ainda, por muito tempo.

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