Economia
Arcabouço fiscal: o que os economistas acharam da proposta do governo?
Especialistas apontam possibilidade de alívio na situação fiscal, mas receita gera dúvida.
A proposta do novo arcabouço fiscal apresentada no dia 30 de abril pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de forma geral, agradou os especialistas. Muitos apontam que, se a medida for aprovada, o alívio da situação fiscal pode abrir espaço para cortes da taxa Selic e ajudar a economia. Porém, há quem aponte também dúvidas sobre a arrecadação.
Veja abaixo o que disseram economistas sobre a proposta:
Marcos Lisboa
O novo arcabouço fiscal é uma “armadilha” criada pelo próprio governo após rejeitar o modelo do teto de gastos, afirmou ao InvestNews o economista e professor Marcos Lisboa.
Ao comentar a nova medida do terceiro mandado do governo Lula, o professor do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda lembra que, durante o primeiro mandato do presidente Lula, o Brasil teve dificuldade em controlar e fazer a gestão do setor público.
“A nossa tradição é ir criando políticas, aumentando os gastos, sem avaliar o que foi feito. E o resultado disso é uma necessidade crescente de aumento da carga tributária. Esse arcabouço eu acho que é uma armadilha que o governo se colocou de ser contra o teto de gastos ou a variação do teto de gastos e, ao mesmo tempo, ter que sinalizar que a dívida pública vai estar sob controle.”
Lisboa diz que inventaram uma regra que é “bastante complexa e que está longe de estar bem explicada, mas aparentemente o país deve continuar como tem sido no passado ou tem sido a tendência na maior parte dos 30 anos que é ajuste fiscal via aumento de arrecadação.”
Entre as regras anunciadas, o projeto prevê que o atual teto de gastos passa a ter um crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% ao ano, limitando o crescimento dos gastos da União a 70% da receita do ano anterior. Questionado se a regra é suficiente para garantir uma melhora do ambiente fiscal do país, Lisboa negou, já que a regra não prevê aumento de receita.
“A conta não fecha. Você vai precisar de precisar de aumento de arrecadação, arrecadar mais esse ano e mais os próximos anos.”
O economista ainda critica o modelo que prevê apenas metas de gastos públicos. “Eu gostaria de ver um governo realmente preocupado com a agenda social e que tivesse metas para melhorar a qualidade de vida das pessoas, tendo metas de reduzir mortalidade infantil, de expansão do saneamento, que tivesse meta de aprendizado dos alunos, melhoria da logística do país.”
Leia a reportagem completa com a análise de Lisboa
André Esteves
O presidente e maior sócio do BTG Pactual, André Esteves, disse na quarta-feira (12) que gostou do novo arcabouço fiscal e elogiou o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva às regras fiscais apresentadas pelo ministro Haddad. Segundo ele, a medida tem o objetivo de evitar que o Brasil ande “em direção à Argentina”.
“A boa notícia é que nós como sociedade brasileira temos amadurecido. A qualidade do debate hoje é muito mais relevante do que 20 anos atrás. O novo arcabouço é um pouco sintoma disso, teve uma transição de poder natural e saudável, e é natural que o governo queira impor suas marcas”, afirmou.
Esteves participou de um evento do BTG Pactual e deu sua visão geral sobre o ano de 2023.
“Eu gostei do arcabouço e acho que tem algumas sutilezas que são mais importantes ainda do que a medida em si. Primeira é um arcabouço que sugere que vamos para superávit moderado, em torno de 1% ao ano, meio por si só ele tem o objetivo de tirar o risco do Brasil andar em direção à Argentina. Acho que mais importante ainda, foi o apoio do presidente Lula ao novo arcabouço.”
Esteves também disse que entende as críticas de economistas ao novo arcabouço fiscal, mas ressaltou que o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, está dizendo que as falhas do projeto estão sendo corrigidas. “A gente ter a qualidade e humildade de ouvir faz muita diferença para o resultado final. Eu estou gostando muito de ver”, afirmou.
Leia a reportagem completa com a análise de Esteves
Mansueto Almeida
O economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse na quarta-feira (12) que se a a proposta do arcabouço fiscal for entregue ao Congresso Nacional com as medidas muito próximas das que foram anunciadas recentemente, há espaço para o Banco Central cortar a taxa de juros no Brasil, a Selic.
“Nosso problema hoje é a questão fiscal. Se der o mínimo de sinalização que vai controlar o gasto e que não vai ser irresponsável, de mexer com expectativas, abre espaço para os juros cairem. E no curto prazo, em 2024, o que vai definir o crescimento do Brasil é a taxa de juros e não a produtividade. Tem um cenário bom que o governo pode entregar se ele se comunicar corretamente e encaminhar ações positivas de reformas estruturais, de responsabilidade fiscal, de tentar reduzir subsídios tributários. Tem conserto”, disse Mansueto.
Ele comentou ainda as perspectivas para a dívida do Brasil diante do plano.
“A simulação do governo de que a dívida cresce e se estabilize em 77% do PIB, ninguém consegue chegar nesse cálculo, mas ficando em 81% já é um cenário melhor do que esperado”
De acordo com estimativa do economista, para a dívida do Brasil parar de crescer, o governo teria que fazer um ajuste de R$ 300 bilhões.
“Esses cerca de R$ 150 bilhões do ajuste de R$ 200 bilhões do governo nas palavras do ministro vem de aumento de arrecadação, de recomposição de base tributária. Quando ataca o regime especial de tributação, as empresas vão pagar mais imposto. Não é clara a receptividade desse plano no Congresso. Esse é o desafio e a incerteza. Será que o governo consegue entregar esse ajuste de R$ 200 bilhões?”, questionou.
Leia a reportagem completa com a análise de Mansueto
André Perfeito
O economista André Perfeito destacou em comentário que o plano apresentado tem a virtude de não precisar de aumento de arrecadação para funcionar, mas joga pressão sobre os políticos para rever os benefícios tributários concedidos caso queiram aumentar gastos.
“É um movimento inteligente esse que busca justiça tributária, uma vez que o ajuste se dará não aumentando as alíquotas ou criando novos impostos, mas antes trazendo para o Fisco setores que estavam ou favorecidos ou completamente fora”
ANDRÉ PERFEITO, ECONOMISTA
Ele alerta, no entanto, que se tem “problema na mesa”. “Buscar reonerar certos setores ou mesmo começar a tributar setores que não estão tributados é uma briga política com P maiúscula, logo há muito o que ser feito ainda. Este é apenas o primeiro movimento de muitos que terão que ocorrer nos próximos anos”, diz Perfeito.
Leia a reportagem completa com a análise de Perfeito
Roberto Campos Neto
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que é preciso “reconhecer o esforço que Haddad e governo tem feito para reduzir os riscos fiscais do país”, em referência ao novo arcabouço fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda e outros membros da equipe econômica. A declaração foi feita no dia 5, em evento do Bradesco BBI.
“Precisamos reconhecer o esforço que o Haddad e governo tem feito para reduzir os riscos fiscais do país com a apresentação do novo arcabouço, ainda mais eliminado dúvidas quanto as dívidas do governo. Ainda há certa ansiedade sobre as receitas, sobre despesas obrigatórias, e acredito que estas questões deveriam ser cobradas com maior parcimônia”
Segundo o líder do BC, é difícil cobrar agora por quais serão as despesas obrigatórias do governo, sendo este um processo mais longo. Mas ele ponderou que não existe uma relação mecânica entre uma melhora fiscal e reduções nas taxas de juros.
“Nossa avaliação é positiva [sobre arcabouço], reconhecemos o esforço e vamos ver agora como será a aprovação no Congresso”
Leia a reportagem completa com a análise de Campos Neto
Marianna Costa
Marianna Costa, economista-chefe do TC, avalia que os números apresentados por Haddad ficam pouco aquém do que se desejava. Segundo Costa, o número de superávit primário mais perto de 1,5% seria um pouco mais saudável e a estabilização da dívida já agora no ano de 2023. “Esse é cenário de difícil execução, mas possível”, diz.
Para ela, essas regras vão exigir um esforço relevante do governo para serem cumpridas, mesmo estando um pouco aquém do que seria o desejado por uma estabilização da dívida em um prazo mais longo.
Leia a reportagem completa com a análise de Costa
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