A proposta do novo arcabouço fiscal apresentada nesta quinta-feira (30) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de forma geral, agradou os especialistas. Mas há quem aponte, no entanto, que a grande questão é saber o quanto ela reflete a visão do governo como um todo.
Haddad anunciou, acompanhado da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), a nova regra fiscal para substituir o teto de gastos. A proposta prevê que o crescimento de despesas ficaria limitado a 70% da receita do ano anterior.
A regra prevê ainda o compromisso de trajetória de resultado primário até 2026, com meta e banda de variação tolerável. O arcabouço fiscal tem meta de zerar o déficit primário em 2024.
“Finalmente, a gente conhece a bússola de gastos do governo para os próximos quatro anos. O mercado gostou da proposta, muito em cima da questão da projeção de receita, e os gastos sempre sendo projetados de tal forma a crescer abaixo da receita e também uma atenção às características anticíclicas do modelo”, disse Felipe Moura, sócio e analista da Finacap Investimentos.
Jansen Costa, sócio fundador da Fatorial Investimentos, considera que as colocações de Haddad foram bastante sensatas em alguns pontos, mas que, agora, a grande questão é saber o quanto do que ele apresentou é a visão completa do governo.
“Não me parece ser a visão do PT como um todo. Como a posição dele frente aos demais é mais fragilizada, acho que o mercado espera aquele arcabouço que vai ser executado pelo Congresso do que, simplesmente, a própria apresentação”, afirma Costa.
O mercado passou várias semanas em compasso de espera de qual seria o desfecho das negociações sobre o novo arcabouço fiscal do país, o que gerou volatilidade.
Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, considera que é uma regra fiscal que agrada, pois, apesar de não se ter o texto formal da regra, os mecanismos, de maneira geral, são bem vistas pelo mercado, pois “agora se tem alguma coisa para se trabalhar”.
“Materialidade faz diferença, neste contexto, principalmente. Claro que vamos caminhar observando as atualizações e tramitação, mas o primeiro momento agrada, pois se tem onde pisar”, comenta Spiess.
De olho nas medidas
O economista André Perfeito destacou em comentário que o plano apresentado tem a virtude de não precisar de aumento de arrecadação para funcionar, mas joga pressão sobre os políticos para rever os benefícios tributários concedidos caso queiram aumentar gastos.
“É um movimento inteligente esse que busca justiça tributária, uma vez que o ajuste se dará não aumentando as alíquotas ou criando novos impostos, mas antes trazendo para o Fisco setores que estavam ou favorecidos ou completamente fora”
André perfeito, economista
Ele alerta, no entanto, que se tem “problema na mesa”. “Buscar reonerar certos setores ou mesmo começar a tributar setores que não estão tributados é uma briga política com P maiúscula, logo há muito o que ser feito ainda. Este é apenas o primeiro movimento de muitos que terão que ocorrer nos próximos anos”, diz Perfeito.
Já Marianna Costa, economista-chefe do TC, avalia que os números apresentados por Haddad ficam pouco aquém do que se desejava. Segundo Costa, o número de superávit primário mais perto de 1,5% seria um pouco mais saudável e a estabilização da dívida já agora no ano de 2023. “Esse é cenário de difícil execução, mas possível”, diz a economista.
Para ela, essas regras vão exigir um esforço relevante do governo para serem cumpridas, mesmo estando um pouco aquém do que seria o desejado por uma estabilização da dívida em um prazo mais longo.
O pesquisador e especialista em investimentos Felipe Pontes aponta que o piso dos gastos que foi colocado é ruim, por causa da falta de confiança que existe com políticos, mas que trabalhar com orçamento é importante.
“Em um governo gastador, como é o governo petista, isso gera incerteza no mercado. Temos risco político com esse piso de gastos e risco inflacionário, pois vai fazer com que a inflação, de alguma forma, seja persistente também”, alerta.
Expectativas
Spiess considera que a medida anunciada está “longe de ser o melhor dos mundos”, mas que, ao menos, já se tem algo. O analista da Empiricus Research destaca, no entanto, que será preciso diálogo com as áreas mais radicais do governo.
“Isso não vai resolver os problemas do Brasil, mas um primeiro passo é diferenciar condição suficiente de necessária. Era necessário, foi feito. É suficiente? Não necessariamente.”
Matheus Spiess, analista da Empiricus Research
“A gente precisa trabalhar agora com a tramitação, texto formalizado e a própria consequência sobre a política monetária, caso consigamos ancorar as expectativas para reduzir a taxa de juros e aí, sim, destravar valor dos ativos brasileiros”, diz Spiess.
Já Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, diz que a expectativa é que o novo arcabouço traga menos inflação, mais estímulo ao investimento privado, menos juros na dívida pública, atração de investimentos internacionais, mais previsibilidade e estabilidade e recuperação do grau de investimento.
Fernando Bento, CEO e sócio da FMB Investimentos, avalia que existe uma trava para as despesas do governo, só que ela é mais branda do que a do teto de gastos, permitindo flexibilidade do governo para atuar na área social e ter gastos maiores.
“Agora, a expectativa é que esse texto seja aprovado no Congresso com bastante rapidez, sem nenhuma mudança de teor maior”, acredita Bento.
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