Os advogados da Argentina apresentarão seus argumentos nesta quarta-feira (29) no recurso do país contra a decisão de uma juíza federal de Nova York, proferida em 2023, que concedeu indenização a ex-acionistas da empresa petrolífera YPF, afetados por sua nacionalização há mais de uma década. Durante anos, o litígio, assim como uma disputa judicial anterior sobre a dívida soberana da Argentina, pareceu simbolizar a percepção de antipatia do país em relação ao capital estrangeiro.
Mas a afinidade do presidente Donald Trump por Milei — e a consequente ajuda financeira de US$ 20 bilhões do Tesouro americano — impulsionaram a imagem da Argentina junto aos investidores. Esse apoio financeiro e a intervenção dos EUA no mercado cambial local podem ter contribuído para a vitória esmagadora do partido de Milei nas eleições legislativas na Argentina, no domingo.
É improvável que esses desdobramentos sejam considerados pelos juízes da Corte de Apelações do Segundo Circuito dos EUA, que analisam o recurso do caso YPF. Mas eles fortalecem a posição da Argentina em relação aos ex-acionistas, cujo processo é apoiado pela empresa de litígios, Burford Capital. Mesmo que o tribunal de apelações mantenha a decisão, os autores do processo terão dificuldades para receber a indenização. Eles esperavam complicar o retorno da Argentina aos mercados internacionais para forçar o país a negociar um acordo, o que até o momento, a nação tem resistido a fazer.
“A recente reaproximação dos EUA e de Wall Street não é uma boa notícia para Burford”, disse Mark Weidemaier, professor de direito na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, especializado em disputas sobre dívidas soberanas. Ele salientou que pagar um credor estrangeiro seria politicamente impopular na Argentina.
“Se um governo está em alta, não terá muitos motivos para chegar a um acordo, a menos que o credor consiga encontrar uma maneira de interromper o acesso ao mercado”, afirmou Weidemaier.
Investidores atentos
Um porta-voz do governo argentino não respondeu imediatamente a um pedido de entrevista.
Burford encaminhou o pedido de comentário para Mike Fragoso, advogado dos ex-acionistas. Ele disse que os investidores acompanhavam de perto o comportamento da Argentina e que provavelmente reagiriam negativamente, caso o país se esquivasse de suas obrigações.
“A decisão inteligente para o governo Milei é deixar este assunto para trás e seguir em frente na economia global sem o peso que este caso traz e continuará a criar para eles”, disse Fragoso em comunicado.
Sem dúvida, a batalha judicial deve se arrastar por meses, até mesmo anos, e a situação pode mudar. Uma vitória dos autores do processo no Segundo Circuito poderia fortalecer a posição de Burford, relembrando aos investidores estrangeiros os receios em relação à Argentina.
Mas Jared Lou, gestor de carteira na equipe de dívida de mercados emergentes da William Blair, acredita que será preciso muito mais para trazer a Argentina à mesa de negociações.
“Milei só fará isso quando for absolutamente necessário, quando a situação estiver num impasse”, acrescentou Lou.
Execução autorizada
A juíza distrital dos EUA, Loretta Preska, em Nova York, emitiu a massiva indenização há dois anos, após constatar que a nacionalização da YPF pela Argentina em 2012 violou os estatutos da empresa, que exigiam uma oferta pública de aquisição. No recurso, o país pretende argumentar que o caso não deveria ter sido analisado por um tribunal americano.
Não se espera que o Segundo Circuito decida o caso por, pelo menos, alguns meses, e a parte derrotada poderá tentar levar o caso à Suprema Corte dos EUA. Mas Preska já autorizou os autores a tentar executar a sentença, o que gerou uma outra monumental batalha judicial.
Weidemaier disse que a posição de Burford é mais fraca do que a de Paul Singer, da Elliott Management, que travou uma árdua disputa legal de 15 anos com a Argentina devido ao default da dívida soberana do país em 2001.
A Argentina finalmente resolveu o caso por US$ 4,7 bilhões. Como Singer detinha dívida argentina, suas reivindicações afetaram diretamente a capacidade do país de captar novo capital enquanto seu caso estava pendente.
Como o caso da YPF não está ligado à dívida soberana, isso pode tornar mais difícil para os ex-acionistas buscarem indenização pelas emissões de títulos de dívida argentinos, disse Weidemaier.
Mas eles já tentaram reivindicar a participação de 51% do governo argentino na YPF, e, em junho, Preska decidiu que os demandantes apoiados pela Burford tinham direito às ações. O Segundo Circuito suspendeu a ordem da juíza que determinava que a Argentina entregasse as ações, decisão que está sujeita a um recurso separado.
Disputa sobre entrega das ações
Julian Ku, professor de direito internacional na Universidade de Hofstra, disse que a decisão de Preska sobre a participação da YPF mostra que os autores do processo têm cartas na manga.
“Burford pode tornar a vida da Argentina muito difícil, e eles têm uma juíza disposta a executar a ordem”, disse Ku. “Eu não gostaria de me meter com isso.”
Weidemaier afirmou que a ordem de transferência de Preska era o “grande trunfo” dos demandantes neste momento.
No entanto, o governo dos EUA, tanto sob a administração Trump quanto sob Biden, apoiou a posição da Argentina sobre a questão da transferência das ações. Em novembro de 2024, em um documento regulatório judicial, o Departamento de Justiça americano afirmou que desejava “reiterar sua posição de longa data de que a propriedade soberana estrangeira localizada no exterior não está sujeita à execução em tribunais dos EUA”.
O governo Biden expressou preocupação de que permitir que os autores do caso tomem as ações da Argentina pudesse incentivar tribunais estrangeiros a visar ativos americanos da mesma forma.
Além dessas ações, Weidemaier afirmou que os demandantes possuíam apenas “um pequeno subconjunto de ativos para tentar receber o pagamento”. Trata-se de uma situação semelhante à enfrentada por Singer ao tentar executar suas sentenças judiciais nos EUA.
Ku afirmou que havia a possibilidade de a amizade de Trump com Milei também beneficiar os demandantes.
“Poderia ser um acordo ao estilo Trump, em que a Argentina resolve o caso e os EIA protegem os investidores americanos”, afirmou Ku. “Poderia ter um final feliz.”