A disparada das taxas de juros futuros e do dólar nesta terça-feira (17) é um recado do mercado: subir a Selic para 14,25%, como o Banco Central indicou que pretende fazer, não vai der suficiente para colocar a casa em ordem. E isso tem a ver com a desordem fiscal em que o país se colocou. “O governo teve a proeza de entregar um pacote fiscal abaixo das expectativas, que já eram baixíssimas”, afirma Sergio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena.
O maior problema dos juros continuarem subindo neste momento vai muito além do encarecimento do crédito para empresas e consumidores. O risco tem a ver com o custo para o próprio governo. É que, a cada um ponto percentual de aumento da Selic, o custo da dívida bruta (que inclui as contas do governo federal, INSS, estados e municípios) sobe de cara, R$ 50 bilhões ao ano. Isso significa que, se o BC realmente subir a Selic em mais dois pontos percentuais, como ele sinalizou, o custo da dívida pública cresce R$ 150 bilhões, somente entre dezembro e março.
A Selic pesa sobre a dívida pública porque, conforme o InvestNews já mostrou, dos R$ 6,748 trilhões da dívida emitida pelo Tesouro, 47%, são LFTs, títulos pós-fixados – aqueles que rendem uma taxa equivalente à Selic. Essa parcela de dívida indexada aos juros cresceu nos últimos meses porque os investidores passaram a exigir uma rentabilidade muito alta do Tesouro para comprar os papéis prefixados. E isso gera um custo grande para o governo agora.
Além dessa fatia, existem R$ 1,5 trilhão em títulos públicos, emitidos pelo Tesouro Nacional, mas que ficam na carteira do Banco Central. Com esses papéis, o BC realiza as chamadas operações compromissadas – leilões em que o BC vende esses títulos por um período definido ao mercado, com o objetivo de garantir o equilíbrio monetário no sistema. A maior parte desses títulos também são pós-fixados e, portanto, também representam um custo adicional para a dívida pública.
Mas essa conta pode piorar. Goldenstein lembra que tem um volume grande de títulos públicos para vencer nos quatro primeiros meses de 2025, de quase R$ 580 bilhões. E, se nada acontecer até lá, vai ser difícil que o Tesouro consiga vender outros papéis que não sejam pós-fixados ou de prazo muito curto. Existe, inclusive, o risco de uma parte desses vencimentos não serem rolados.
Existe um risco adicional, segundo Goldenstein. Se o Tesouro ampliar muito a venda de LFTs, esses papéis podem começar a perder valor. Isso significaria vender os títulos com deságio – situação que aconteceu em 2002, momento de maior crise de crédito enfrentada pelo Tesouro Nacional. Naquele momento, os investidores temiam que Lula, recém eleito presidente da República, adotasse uma moratória da dívida pública. Esse risco foi afastado logo no início do governo. Mas, nos meses que antecederam a posse do novo governo, o Tesouro chegou a rolar a dívida vendendo títulos públicos com prazo de um dia – o chamado overnight.
O mercado está longe desse estágio. Embora a parcela de LFTs esteja crescendo, existe demanda pelos papéis. Mas preocupa o fato de que, até aqui, não houve uma resposta firme do governo de que haverá uma gestão fiscal mais responsável. E isso criou uma dinâmica muito negativa: a falta de confiança do mercado faz o dólar subir, piora as expectativas de inflação, o que leva o Banco Central a subir os juros, e piora a dívida pública.
“Hoje, vemos poucos investidores dispostos a assumir posições otimistas no mercado e isso está provocando uma dinâmica horrorosa no mercado”, diz. “A verdade é que a política monetária está à reboque do fiscal.”
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